Seis meses após a morte de Nabeiro: “As pessoas iam pedir-lhe trabalho diretamente e agora essa figura desapareceu”

ECO - Parceiro CNN Portugal , Susana Pinheiro e Hugo Amaral
19 set 2023, 12:00
Reportagem Rui Nabeiro (Hugo Amaral/ECO)

Faz esta terça-feira seis meses que Rui Nabeiro morreu e a população não esquece. Seja pela saudade, pelo legado que deixou, pela ajuda que dava ou porque muito mudou

À chegada à vila alentejana de Campo Maior, uma estátua em homenagem ao homem que construiu um império a partir dos grãos de café, onde se lê “Ao comendador Rui Nabeiro”, não deixa margem para dúvidas da importância do empresário que colocou esta vila alentejana no mapa. E gerou enorme impacto económico e social na região, onde muita coisa mudou desde que morreu há seis meses com 91 anos. “Perdemos uma referência. As pessoas iam pedir-lhe trabalho diretamente e agora essa figura desapareceu”, começa por afirmar ao ECO Local/Online a empresária Isabel Martins, amiga da família.

A vila de Campo Maior vista do cima de uma colina (Hugo Amaral/ECO)

“Campo Maior mudou muito. A falta que o senhor Nabeiro nos faz na terra. Ajudava muita gente“, assegura, por sua vez, Armando Mendonça, 68 anos, 40 deles a trabalhar e a lidar de perto com o empresário, na Torrefação Camelo, uma das primeiras empresas do Grupo Nabeiro. Foi nesta empresa que Nabeiro deu os primeiros passos e assumiu o cargo de diretor com apenas 19 anos. E foi depois criando o império que hoje existe, com uma série de empresas, como a Delta Cafés, líder no seu segmento em Portugal, com mais de 60 anos de história, presente em 40 países, espalhados por cinco continentes. Entre eles estão Espanha, França, Luxemburgo, Angola (Angonabeiro), Brasil e China. Noutros países, avança o grupo, “o modelo de negócio baseia-se em parcerias com distribuidores locais”.

Perdemos uma referência. As pessoas iam pedir-lhe trabalho diretamente e agora essa figura desapareceu.

Isabel Martins

Empresária da área da restauração

A Delta empregava 3.800 colaboradores até ao final de 2022 e Rui Nabeiro era conhecido, na comunidade, por estender a mãe a quem precisasse, mesmo que isso implicasse criar um novo posto laboral. “Tinha um bom coração. O senhor comendador dava emprego, mesmo que não precisasse de trabalhadores. E se lhe pediam dinheiro para ir ao médico, lá estava ele para ajudar“, recorda Armando Mendonça.

“Mas, desde que morreu há meio ano [a 19 de março], isso já não acontece; já ninguém ajuda“, lamenta o ex-funcionário de Nabeiro, sentado à mesa de um dos poucos cafés da vila raiana abertos à hora do almoço, apoiado por alguns clientes que não quiseram prestar declarações. Também a família e o presidente da câmara local não quiseram dizer uma palavra sobre os seis meses da morte do empresário, que foi e ainda é uma figura de referência para a comunidade.

 

À saída de Campo Maior, junto à estrada que liga esta vila a Portalegre, situa-se a fábrica da Delta (Hugo Amaral/ECO)

O grupo que detém a Delta Cafés continua a ser o maior empregador da localidade e a gerar um enorme impacto económico e social em Campo Maior. Ao ponto de sempre ter tido grande influência na localidade e a ter colocado no mapa mundial. Só em 2002, a Delta faturou 430 milhões de euros, o que representa cerca de 15% acima do registado em 2019, antes da pandemia.

Ainda assim, Isabel Martins, dona do restaurante Azeitona, situado no jardim central — do outro lado da rua, onde foi erguida a estátua de homenagem ao comendador –, admite que “ainda é muito cedo para se sentir algum impacto económico” na sequência da morte do empresário, que “sempre foi uma excelente pessoa”.

Mantendo uma parceria do seu restaurante com o Grupo Nabeiro, a empresária garante que, por enquanto, não se nota grande diferença na dinâmica da economia local. “As pessoas continuam a manter os seus postos de trabalho no grupo. Também não senti quebra no movimento do meu restaurante: tenho clientes da Delta e também muitos portugueses que vêm visitar a Adega e o Museu de Ciência do Café — pertencentes ao Grupo Nabeiro –, e ainda vêm almoçar muitos espanhóis”, destaca Isabel Martins, que é amiga da família e desde pequena privou com Rui Nabeiro. “Ele tinha a idade da minha mãe e convivi de perto com ele”, recorda com alguma emoção momentos antes de começar a tocar as castanholas, que segura nas mãos, e se juntar numa caminhada pelas ruas da vila em homenagem ao empresário.

Isabel Martins, amiga da família Nabeiro, no evento de homenagem ao Comendador (Hugo Amaral/ECO)

“O senhor Nabeiro faz mesmo muita falta. Há um grande vazio, porque ele era muito próximo das pessoas“, desabafa Isabel Martins. Ao lado, Artur Carapinha é de igual opinião e também diz que “ainda é cedo” para se notar algum impacto económico na vila. “A parte da economia ainda não se nota. Tenho duas filhas a trabalhar no grupo e está tudo bem“, conta Artur Carapinha que, durante 30 anos, foi vendedor da Delta Cafés, na zona do Baixo Alentejo.

A parte da economia ainda não se nota. Tenho duas filhas a trabalhar no grupo e está tudo bem”, conta

Artur Carapinha

Antigo vendedor da Delta Cafés

Mas o que mais lhe custa, assim como a alguns habitantes com os quais o ECO/Local Online falou, é a saudade que sente de ver aquele homem calcorrear as ruas da vila, de o ver passar e cumprimentar as pessoas. “Tinha contacto direto com o senhor Rui Nabeiro. Tinha sempre uma palavra amiga a dizer. Era uma pessoa muito acessível “, recorda Artur Carapinha, emocionado. “Meio ano depois da morte dele, estranha-se muito, faz-nos falta“, frisa o antigo funcionário do antigo líder da Delta antes de se juntar à caminhada nas ruas desta vila raiana de Portalegre, casas caiadas, pinceladas de azul e ocre, com Espanha ali tão pertinho.

A caminhada da literacia promovida pelo Centro Internacional de Pós-Graduação Comendador Rui Nabeiro percorreu as ruas de Campo Maior em homenagem ao empresário. (Hugo Amaral/ECO)

Um grupo de habitantes homenageou o empresário durante a segunda edição da Caminhada da Literacia do Centro Internacional de Pós-Graduação Comendador Rui Nabeiro (CIPGCRN). Esta ação visou sensibilizar a comunidade em geral para a importância da leitura e da escrita. Mas serviu igualmente de mote para lembrar o mentor desta instituição, ao qual o Presidente da República Mário Soares atribuiu, em 1995, o grau de Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial – classe industrial, pelo reconhecimento de mérito empresarial e contributo ao desenvolvimento da terra e da região. Além desta condecoração, o empresário foi novamente distinguido, em 2006, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Do café ao futebol, o homem que marcou uma geração

Também Rui Brito, responsável pela manutenção do estádio do Sporting Clube Campomaiorense sente “saudades de o ver a caminhar, logo de manhã cedo, com o motorista, no circuito de manutenção” deste espaço desportivo da vila. “Era uma presença assídua.” Lembra ainda o momento histórico do Campomaiorense graças ao impulso e ao investimento do empresário. “O senhor Rui foi a pessoa que mais impulsionou o clube que chegou à 1.ª Liga do Futebol“, enaltece o antigo defesa central do clube.

Rui Brito, responsável pela manutenção do estádio do Sporting Clube Campomaiorense e antigo defesa central do clube alentejano (Hugo Amaral/ECO)

“Conhecia-o desde pequeno. Tinha sempre uma palavra de incentivo e reconhecimento e companheirismo a dar”, recorda, enquanto aponta para o relvado do estádio de futebol onde ainda treinam as camadas jovens. Também Armando Mendonça recorda, com saudade, o ritual diário do antigo patrão. “Ia todos os dias à fábrica pelas 7h00 da manhã. Era certinho como estar aqui a falar consigo”, atira.

De acordeão nas mãos, pronto a tocar, também Carlos Clemente, antigo militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Campo Maior, se lembra dos passeios de Rui Nabeiro pelas ruas da vila alentejana. “Via-o sempre a passear na rua”, conta, lembrando que “o senhor comendador valorizava muito o social“. Ora é precisamente também como tendo sido o “maior empreendedor social da região” que Cristina Lages, a diretora do CIPGCRN — instituição que homenageou o empresário com a caminhada –, o recorda com saudade.

Cristina Lages, diretora do Centro Internacional de Pós-Graduação Comendador Rui Nabeiro (Hugo Amaral/ECO)

“Sempre que aqui vinha, o senhor Nabeiro entrava nas salas de aulas e cumprimentava professores e alunos. Deixava sempre uma mensagem de alento sobre a necessidade de acreditarem neles próprios para modificarem o território em que vivem”. E os alunos escutavam-no com atenção. “Ele dizia sempre: Quem semeia, colhe”, lembra Cristina Lages a propósito da incontornável figura de Rui Nabeiro que deixou um império em Campo Maior. Um legado não só económico, mas também social e cultural.

“Meio ano depois, resta a saudade. Deixou em todos nós a necessidade de perpetuar a sua obra“, conclui a diretora do centro.

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