Já imaginou pegar no telemóvel, apontar para a etiqueta de uma peça de roupa e saber o impacto que teve no ambiente? Vai ser assim já em 2025

Isabel Lindim
8 dez 2023, 16:00
Roupas com QR Code (DR)

Na complexa cadeia de valor da moda e indústria têxtil, vamos ter em breve uma novidade que vai alterar completamente os parâmetros de produção e consumo: um mapa digital

Tudo indica que em breve será possível apontar o telemóvel para o QR Code na etiqueta de uma peça de roupa e saber qual a sua origem, que trajecto teve a fibra de que é composta e que impacto teve no ambiente. 

Segundo as novas regras de economia circular delineadas pela União Europeia, esse futuro é já em 2025, mas é difícil acreditar que todas as peças de roupa de todos os países da Comunidade Europeia vão ter essa informação daqui a dois anos. A tecnologia pode ser acessível, mas tem custos elevados e implica a junção de uma grande quantidade de dados por parte dos produtores. Por enquanto, essa realidade ainda parece distante, mas há sinais de que a indústria têxtil já está atenta. 

Na última edição da feira Modtissimo, realizada no Porto em Setembro deste ano, uma das áreas dirigidas pelo CITEVE - centro tecnológico dedicado ao sector têxtil -, estava reservada aos projectos be@t e iTechStyle Green Circle. Era lá que se encontravam quatro peças com um QR Code diferente (que o leitor deste texto pode experimentar nas imagens que o acompanham). 

Aparentemente, eram apenas peças de roupa com design de autor, mas aquela etiqueta mostrava um pouco mais do que as habituais informações de composição ou formas de limpeza. Cristina Castro, responsável pela comunicação do CITEVE, explica-nos o que querem dizer aquelas imagens. 

Na primeira vemos a peça de roupa e ao lado está escrito “Mixture of post-consumer textiles”. “Eram peças de vestuário pós-consumo, indiferenciadas, que foram recicladas”, refere Cristina, “mas como se tratava de várias fibras a qualidade do fio não foi fantástica, portanto fez-se um tecido não-tecido”. O que significa que não foi feito a partir de um fio, mas sim de uma compactação de resíduos obtida numa máquina própria. Nessa mesma imagem ainda vemos um score de 91%, ou seja, que houve um aproveitamento quase total do que se estava a usar. 

Na imagem seguinte, as siglas SAC e SES significam respectivamente Score Ambiental e de Circularidade e Score Económico e Social. Tem ainda noutra imagem a informação que foi utilizado um litro de água, um grama de produtos auxiliares químicos, resultou em 0,71 de emissões de CO2 e tem 69% de circularidade (a percentagem que se obteve da reciclagem).

Este sistema “baseia-se numa base de dados de informação que temos de fibras e das diferentes proveniências”, explica Cristina Castro, “a empresa tem que nos dar essa informação e conseguimos chegar a estes cálculos. Em relação a esta peça, dificilmente se encontra no mercado um score melhor”.  

O objectivo de apresentar os quatro exemplos no iTechStyle Green Circle foi precisamente a aproximação de um futuro inevitável. Segundo a responsável do CITEVE, a ideia é “que o consumidor tenha acesso a informação de uma peça antes de decidir comprá-la. Não há ainda muita gente a trabalhar nisto, mas já quisemos mostrar o que pode estar numa etiqueta que vai estar nas lojas quando vamos comprar roupas”. 

O sector têxtil é um dos que mais contribui para a emissão de gases com efeito de estufa (cerca de 10%), uso de recursos hídricos e poluição (em grande parte com as águas residuais que produz). Desde que surgiu no panorama da indústria da moda e dos têxteis, em 2020, esta nova ferramenta, chamada passaporte digital, tem sido o reflexo de um momento de transição.

A designer pioneira no método de rastreabilidade foi a britânica Stella McCartney, que se juntou numa joint-venture com a Google e a WWF, Organização Não Governamental dedicada à conservação das espécies e proteção ambiental. Em 2020, reuniram esforços para concretizar algo que parecia impossível, devido à complexidade da cadeia de valor da indústria têxtil: uma base de dados sobre poluição do ar, emissão de gases com efeito de estufa, uso da terra e dos recursos hídricos, fatores que variam bastante de região para região. Incluía igualmente informações sobre o uso ou não de exploração humana e crueldade em animais. 

Um dos objetivos deste método é detectar estes casos através de uma análise forense do tecido. Parece difícil, mas para a indústria têxtil começa a ser uma realidade mais palpável. A plataforma entretanto ganhou um segundo nome: Textile Exchange. Usa a engenharia da Google Earth, a tecnologia da Google Clouds e o conhecimento sobre materiais e as suas origens da WWF. O objetivo é mapear informações sobre a origem das fibras e recomendar alternativas mais ecológicas. 

Na Europa, existem dois sistemas criados pela Comissão Europeia de forma a tornar o processo de rastreabilidade mais transparente. O LCA (Life Cycle Assessment) avalia o impacto ambiental nas decisões de design de produto, como por exemplo a escolha de materiais, seleção de tecnologias e critérios para a posterior reciclagem. O PEF (Product Environmental Footprint) avalia a pegada ecológica das matérias-primas.

QR Code permite saber o impacto ambiental de uma peça de roupa

Uma das mudanças que se espera obter com a nova legislação da Comissão Europeia é a obtenção de fibras e tecidos na Europa, em vez de importar de outros países do mundo. Outra será a obrigação de um número mínimo de fibras recicladas em novas produções. São boas notícias para Portugal, onde a grande indústria do vestuário e têxteis se concentra a norte. É lá que se dão os grandes avanços na mudança de paradigma deste sector. No entanto, obriga a ter disponível um novo tipo de tecnologia, por enquanto com custos elevados.

Além dos sistemas referidos, há certificados que também contribuem para este processo, como o GOTS (Global Organic Textile Standard), GRS (Global Recycle Standard) e RWS (Responsible Wool Standard). Todos estão relacionados com a proveniência dos materiais. Grande parte dos fabricantes portugueses já utilizam este tipo de rastreamento dos fornecedores. 

Ana Tavares é CEO da RDD, uma empresa que se empenha no desenvolvimento de soluções ecológicas no fabrico de tecidos. Trabalham com diferentes produtores de confecção de vestuário, não só nacionais como internacionais. “Por vezes, quando é pedido pelos clientes, introduzimos marcadores nas fibras. Os fios que usamos são reciclados, fazemos a adição de marcador na fibra, que permanece ao longo de todo o processo têxtil”, explica. Ou seja, chega ao final da cadeia de valor com a possibilidade de produtores (e também consumidores) saberem de onde veio e como é que foi tingido aquele tecido. 

“É uma fibra que se adiciona, muito residual, que marca o têxtil”, diz Ana Tavares. No fim, é gerado um QR Code, acessível a quem tiver um leitor. “O resto já é obrigatório por lei”, refere, “quando colocamos um artigo têxtil no mercado já temos que identificar a sua composição, e isso é possível saber em laboratório.“

Página dá uma pontuação consoante o impacto ambiental

Na RDD um dos métodos que usam é o LCA, que analisa do custo de vida, mas Ana explica “que isso depende da informação que pusermos lá”, como tal, é um sistema pouco seguro, que pode ser manipulado. É uma ferramenta de cálculo de pegada, mas para chegar aos níveis ótimos de rastreabilidade é preciso mais. 

As novas directivas da Comissão Europeia trazem algumas exigências que vão levar à obrigatoriedade de reportar as fases de produção, seja na área têxtil ou noutros sectores. “As empresas estão habituadas a fazer o relatório financeiro”, diz Ana Tavares, “e a partir de 2025 vão ter de reportar outros parâmetros, nomeadamente de consumos relacionados com o ambiente, como o de água e de energia. Isso faz com as empresas façam uma recolha de dados mais acertiva”. 

Enquanto as ferramentas tecnológicas começam a estar disponíveis no mercado, a evolução de um sector que foi engolido pela fast fashion pode estar em grande mudança. Tem sido objecto de pesquisa de muitas start-ups. É todo um admirável mundo novo que vai tirar o processo de produção têxtil da obscuridade e oferecer a transparência que já é exigida por muitos consumidores. Talvez não seja já em 2025, mas daqui a alguns anos tanto produtores como consumidores vão poder fazer escolhas mais responsáveis. 

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