Risco de falência aumenta a partir de agosto após cair última lei da pandemia

ECO - Parceiro CNN Portugal , António Larguesa
8 ago 2023, 09:28
Habitação (Manuel de Almeida/Lusa)

Volta a contar o prazo de 30 dias para as empresas devedoras se apresentarem à insolvência. Especialistas antecipam mais 10% a 20% de encerramentos de negócios em Portugal no final deste ano

O fim da suspensão do prazo de 30 dias que os devedores têm para se apresentar à insolvência – tinha sido decretada em março de 2020 como uma medida excecional e temporária de resposta à pandemia – ameaça fazer disparar (ainda mais) o número destes processos a partir de agosto. O indicador já começou a subir nos últimos três meses, tendo em julho crescido 27% face a igual período do ano passado.

Em causa está a publicação da Lei 31/2023, de 4 de julho, que determinou a cessação da vigência de um conjunto de leis aprovadas no início da covid-19. A maioria já havia sido parcial ou totalmente revogada nos últimos dois anos, mas só agora caiu esta norma relevante em matéria judicial e processual, recomeçando a contagem do prazo previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

“Com o reiniciar da contagem daquele prazo de 30 dias, é muito provável que exista um aumento do número de insolvências, sobretudo no caso das empresas. Se a este fator acrescentarmos o facto de as taxas de juros continuarem a subir e de a inflação também continuar em alta, acreditamos que esta tendência de aumento do número de insolvências continue no segundo semestre de 2023”, comentam ao ECO Francisco Patrício e Gonçalo Delicado, sócios da Abreu Advogados.

Se um devedor (empresa ou empresário) não se apresentar à insolvência nos 30 dias seguintes à data de conhecimento da situação ou em que devessem conhecê-la, fica sujeito à qualificação da insolvência como culposa. Ora, com o fim deste “balão de oxigénio” criado na pandemia, e tendo esta nova legislação entrado em vigor a 5 de julho, se, por hipótese, nessa altura já não conseguia cumprir as obrigações vencidas, tinha de requerer a insolvência até esta segunda-feira, 4 de agosto.

A sociedade de advogados Telles corrobora que o fim desta norma que “visou, em boa medida, evitar a destruição do tecido empresarial cuja solvência tivesse sido afetada pelos impactos extraordinários e imprevisíveis” resultantes da pandemia, “surge numa altura em que a conjuntura económica está marcada pelos efeitos da guerra na Ucrânia e pela inflação, o que permite legitimamente questionar o impacto da cessação da suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência no tecido empresarial português”.

Esta nova lei pretendia, por outro lado, dispensar deste dever as empresas que se apresentem ao chamado Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE), criado oficialmente em novembro de 2020. No entanto, sublinha a sociedade de advogados numa nota publicada a 25 de julho, como este regime já acabou a 30 de junho, “neste momento e em termos práticos, apenas ficam exonerados do dever de apresentação à insolvência aquelas empresas que já se tenham apresentado a PEVE e enquanto o processo estiver pendente”.

Insolvências podem subir quase 20% em Portugal

Esta alteração legislativa é mais um elemento de pressão sobre as empresas, a juntar à subida galopante da inflação, ao aumento das taxas de juros que está a sufocar as mais endividadas, à instabilidade provocada pela guerra sem fim à vista na Ucrânia, ao abrandamento do comércio internacional, à estagnação de economias relevantes como a alemã ou ao agravamento das tensões geopolíticas entre os EUA e a China. Contactada pelo ECO, a seguradora Crédito y Caución projeta um “agravamento do cenário” no segundo semestre e “um aumento de dois dígitos nas insolvências” no final do ano, face a 2022.

 

“Os indicadores apontam para um agravamento. O que não conseguimos estimar é a velocidade a que irá progredir. O que podemos afirmar é que quanto mais tempo se prolongarem todos os fatores que neste momento exercem forte pressão sobre as empresas, maior será a percentagem daquelas que acabarão por ceder à pressão. De forma direta ou indireta, o Estado tem mantido alguns apoios às empresas e às famílias e isso está a manter a progressão controlada, adiando a insolvência de muitas empresas”, descreve Paulo Morais, responsável da Crédito y Caución para Portugal e Brasil.

O presidente executivo da COSEC, Vassili Christidis, lembra ao ECO que os últimos anos foram “atípicos” relativamente às insolvências em Portugal e também na Zona Euro devido aos vários apoios que os governos deram às empresas na sequência da pandemia e que “funcionaram quase como almofadas”. Foi o caso do lay-off simplificado, que assegurou a manutenção de postos de trabalho com encargos menores. Porém, com a retirada progressiva dessas ajudas, verifica-se uma “tendência crescente” nas insolvências das empresas.

Atendendo a que a economia mundial “atravessa ainda muitas incertezas, nomeadamente devido à imprevisibilidade de várias variáveis” – o líder da COSEC cita a duração da guerra na Europa, as tensões geopolíticas entre potências mundiais, a política monetária das principais economias e o eventual aumento dos preços do petróleo e de outras matérias-primas –, a Allianz Trade estima para 2023 um aumento de 19% no número de insolvências em Portugal, que “não deverá escapar” à tendência de aumento, ainda assim menor (23%) estimada para o conjunto dos países da Zona Euro.

 

Apesar do agravamento iniciado em maio, os últimos dados apurados pela Iberinform mostram que, no acumulado dos primeiros sete meses do ano, as insolvências concretizadas em Portugal ainda se mantêm praticamente iguais ao ano passado (-0,1%), com um total de 2.341 casos. Contudo, a informação mais detalhada revela que as declarações de insolvência requeridas por terceiros aumentaram 20% até julho, em termos homólogos, assim como as apresentadas pelas próprias empresas (+13%).

Neste período, os setores mais fustigados por encerramentos foram os transportes (17%), os serviços (8%), a construção (6.3%), a agricultura (+2,4%) e o comércio a retalho (1,1%). Em termos geográficos, os distritos de Lisboa (550) e Porto (515) concentram o maior número de casos, mas abaixo dos registos de 2022 (14% e 5,2%, respetivamente). O mesmo acontece na Guarda (-41%), Santarém (-30%), Ponta Delgada (-29%), Castelo Branco (-27%) e Setúbal (-3,6%).

Ao invés, seis em cada dez regiões portuguesas já estão “no vermelho” neste indicador: Vila Real (53%); Faro (35%); Leiria (34%); Horta (33%); Angra do Heroísmo (29%); Braga (26%); Coimbra (21%); Portalegre (18%); Évora (16%); Viana do Castelo (15%); Madeira (15%); Aveiro (11%) e Viseu (1,8%).

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