Pode ser despedido por causa do que escreve nas redes sociais? A resposta simples é: sim. Saiba porquê

22 ago 2022, 07:00
Redes sociais, telemóveis, internet. Foto: Adobe Stock

Nos EUA, uma empregada da Apple terá sido ameaçada com um processo disciplinar depois de ter publicado um vídeo em que falava sobre o iPhone. Por cá, um vídeo de dois diretores da TAP gerou polémica nas redes sociais no verão passado e deu origem a um processo disciplinar. Em 2018, o diretor de informação da RTP demitiu-se por causa de uma publicação no Facebook. O que diz o Código do Trabalho sobre estes casos? Que sanções podem ser aplicadas?

Apesar de, em Portugal, o Código do Trabalho não falar especificamente sobre "redes sociais", aquilo que escreve sobre a empresa nas suas contas (privadas ou públicas) pode dar origem a um processo disciplinar e, em casos mais gravosos, a despedimento.

"Abstratamente, os comportamentos dos trabalhadores podem dar azo a um processo disciplinar", confirma a advogada Catarina Enes de Oliveira à CNN Portugal.

Segundo a especialista em direito laboral, perante certos comportamentos dos trabalhadores, "a entidade empregadora pode sempre abrir um processo disciplinar para perceber se aquele comportamento é ou não um incumprimento a um dever do trabalhador".

Mas, que comportamentos são estes? Segundo o advogado Telmo Semião, atitudes como um "funcionário vir para o meio da rua gritar ou dizer a alguém, em alto e bom som, que 'na minha empresa é tudo assim e tudo assado'" podem ser usados para abrir um processo disciplinar. Ou seja, casos em que existe "ofensa ao bom nome dos superiores ou da entidade empregadora".

"No caso concreto das redes sociais, importa perceber se as declarações do trabalhador incumprem o dever de confidencialidade para com a entidade empregadora, o dever de lealdade, o dever de não concorrência ou até o direito ao bom nome da entidade empregadora. Portanto, perceber se no comportamento do trabalhador há algum incumprimento legal, que pode ser um incumprimento laboral entre deveres do trabalhador e a entidade empregadora ou até um facto de ilícito criminal", argumenta Catarina Enes de Oliveira.

Nos EUA, a Apple terá ameaçado despedir uma funcionária da empresa na sequência de um vídeo publicado pela mesma na sua conta pessoal no Tik Tok, no qual respondia a uma questão de outro utilizador relacionada com o iPhone. A funcionária, Paris Campbell, revelou depois na mesma rede social que o gerente da loja onde trabalha a contactou a pedir que apagasse o vídeo, caso contrário seria sujeita a uma ação disciplinar que poderia incluir o seu despedimento.

Em junho de 2021, em Portugal, a TAP abriu um processo disciplinar a dois diretores de recursos humanos, Pedro Ramos e João Falcato, após a divulgação de um vídeo polémico publicado pelos mesmos durante um processo de despedimentos. Apesar do processo ter sido arquivado, dois meses depoisPedro Ramos acabaria por anunciar a sua saída da empresa. Também João Falcato acabaria por sair da companhia em setembro do mesmo ano.

Em outubro de 2018, uma publicação numa rede social levou à demissão do então diretor de informação da RTP, Paulo Dentinho. O jornalista escreveu sobre a acusação contra Cristiano Ronaldo de violação de Kathryn Mayorga. As palavras de Paulo Dentinho geraram polémica e ele acabou por se demitir do cargo que assumira nesse mesmo ano.

Neste caso, não chegou a haver um processo disciplinar instaurado pela empresa, mas o Diário de Notícas dá conta de dois casos em que o tribunal deu razão aos empregadores depois de estes terem aberto procedimentos de despedimento por justa causa a trabalhadores que se expressaram contra as empresas nas redes sociais. No primeiro, em 2014, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o despedimento de um funcionário que escreveu no seu mural do Facebook um texto "ofensivo da honra do presidente do Conselho de Administração do empregador". No segundo caso, também em 2014, o Tribunal da Relação do Porto considerou lícito o despedimento de um delegado sindical de uma empresa depois de este ter partilhado numa página do Facebook comentários depreciativos em relação à sua entidade patronal.

Em que se pode basear o processo disciplinar?

Mas, afinal, como se chega ao processo disciplinar? Segundo os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, depois de a entidade empregadora ter conhecimento de que o trabalhador pode ter colocado em causa o seu bom nome, pode dar início a esse processo sem mais demoras. 

"Quando a entidade empregadora tem conhecimento de que o trabalhador toma um comportamento que, abstratamente, pode ser um incumprimento ao vínculo laboral que existe, a entidade empregadora pode sempre abrir um processo disciplinar. Abre e o instrutor do processo disciplinar (o advogado ou a entidade empregadora) analisa o comportamento em concreto", explica Catarina Enes de Oliveira.

A partir daí, tudo é analisado: o grau de culpa do trabalhador, o grau de responsabilidade, o dano causado pelas declarações à entidade empregadora. O objetivo é perceber se existiu ou não "um incumprimento de um dever laboral, como os de guardar sigilo, guardar confidencialidade e guardar dever de lealdade à entidade empregadora, e perceber se aquele comportamento é ou não um incumprimento a este dever".

"Sendo, faz-se a nota de culpa, a acusação ao trabalhador. Depois, o trabalhador tem vários direitos laborais para provar se fez ou não aquilo. No final, depois de analisar todos os factos, sendo que o trabalhador pode nunca pronunciar-se, a entidade empregadora escolhe, consoante os parâmetros que a lei dá, seja a proporcionalidade, a culpa do trabalhador ou o dano causado à entidade empregadora, e aplica uma sanção". 

Telmo Semião lembra, no entanto, que, até ao final do processo, é preciso ter em conta vários pormenores que podem fazer cair por terra o mesmo, como haver ou não provas suficientes para sustentar o processo.

Também o nível de abertura da publicação em causa poderá ser analisado. "Se foi publicado num grupo ou rede abertos ou fechados. Sendo uma rede aberta, nem há dúvida nenhuma, qualquer pessoa poderia ver, não há justificação de que era só para os amigos. Se for restrito o acesso, ou num grupo, vai ser a mesma coisa do que eu chegar à rua e falar com meia dúzia de amigos, que depois têm amigos e a notícia espalha-se. Apesar de se tratar de um grupo fechado, sabendo-se e provando-se o que foi dito (ou escrito), então também é legitimo que possa ser instaurado um processo disciplinar por esse motivo. Depois, é preciso averiguar a gravidade ou não das acusações e das ofensas que foram proferidas pelo trabalhador e, de acordo com a restante prova existente, concluir pela sanção que deverá ser a mais adequada", explica o advogado.

Quais são as sanções?

Depois de analisado o comportamento do trabalhador e tendo sido determinado que aconteceu um incumprimento dos deveres, é então aplicada uma sanção que "depende do comportamento concreto, da culpa do trabalhador, do dano causado, entre outros". Caso não tenham sido apuradas responsabilidades, arquiva-se o processo.

Em caso de sanção, como é que esta é determinada? Segundo Catarina Enes de Oliveira, ela varia "consoante o impacto, a responsabilidade, e a culpa que o trabalhador teve naquele comportamento. As meras declarações nas redes sociais podem culminar apenas numa repreensão ou podem culminar num despedimento se o facto for culposo e gravoso e houver danos suficientes para que o resultado final seja o despedimento do trabalhador".

De acordo com o artigo 328.º do Código de Trabalho, as sanções podem ir desde a repreensão ou repreensão escrita, a perda de dia de férias (até 20 dias por ano), o pagamento de uma compensação à entidade empregadora, a suspensão do trabalhador com a perda da retribuição até ao despedimento sem direito a indemnização ou compensação.

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