Pedro Nuno Santos ainda se pode marimbar para os credores?" Aquela postura só era possível antes de assumir cargos governativos. E era necessária para ganhar notoriedade”

20 nov 2023, 10:13
Pedro Nuno Santos, candidato à liderança do PS (LUSA)

O lado radical ajuda a ganhar notoriedade. Mas depois, para servir um país, exige-se outra postura. Os especialistas preferem esperar para ver como Pedro Nuno Santos vai conciliar o lado intempestivo com a necessidade de cuidar do centro

Há, por estes dias, uma frase de 2011 que voltou à retórica política. “Na situação em que vivemos, estou-me marimbando para os nossos credores”. É dita por um Pedro Nuno Santos exaltado, que chega mesmo a avisar os banqueiros frases e alemães de que ou “se põem finos ou não pagamos”.

Essa imagem de radical é um dos trunfos que a oposição quer aproveitar para colocar ao homem que tem maiores probabilidades de ganhar a liderança do PS – e, logo, de se bater pelo cargo de futuro primeiro-ministro.

Lançamos então a pergunta: Pedro Nuno Santos moderou-se ao longo dos anos? Os politólogos são unânimes: não só se moderou como continua esse caminho. A corrida ao cargo de chefe do Governo só vem tornar tudo mais evidente.

“Não apenas a experiência governativa molda as figuras, como também o seu processo de moldagem política. Remete para as dimensões de personalidade política e também para o tipo de ambição política”, sintetiza o politólogo António Costa Pinto.

Para perceber as origens do feitio intempestivo de Pedro Nuno Santos é preciso voltar aos seus tempos de jovem turco do PS, um grupo mais à esquerda, que procura a rutura com essa ideia de moderação dentro do próprio partido. É daí que vem o seu carisma.

“Aquela postura só era possível antes de assumir cargos governativos. A postura disruptiva é necessária por uma questão: para ganhar notoriedade e saltar para a ribalta”, descreve o politólogo Bruno Ferreira Costa.

O que aconteceu com Pedro Nuno Santos, diz, não é um exclusivo: “O discurso é suavizado, com a tentativa de apresentar a tal moderação. E de se rodear não apenas no grupo de base, mas também de pessoas mais moderadas”.

Apoio de Francisco Assis é visto como um sinal de moderação de Pedro Nuno Santos (Lusa)

Enquanto ministro, altivez e sobranceria

Com a chegada ao Governo, em 2015, Pedro Nuno Santos vincou o traço de negociador. Afinal, era ele quem fazia a ponte com Bloco de Esquerda e PCP – algo que, como candidato a secretário-geral do PS, faz questão de vincar.

Agora, também reconhece os erros do passado. Como a vez em que anunciou a solução para o novo aeroporto de Lisboa e acabou desautorizado pelo primeiro-ministro. Ou quando deu aprovação por mensagem à indemnização de 500 mil euros na TAP à então administração Alexandra Reis.

“Antes desta fase de candidatura à liderança do PS, a imagem que se tinha dele era de uma certa sobranceria e altivez, apesar de se perceber que internamente é bastante empático para com os camaradas de partido. Era fugidio nas respostas, havia uma certa dureza no trato”, descreve a politóloga Paula do Espírito Santo.

A criação de uma postura de Estado

A candidatura de Pedro Nuno Santos à liderança do PS torna mais evidente este processo de moderação, com a expectativa de que passe a ser menos reativo no discurso.

“Quando fez a apresentação, teve uma postura de Estado, bastante sóbria e credível. Está notoriamente a cultivar a imagem de figura de Estado, que tem a capacidade de fazer pontes, de tratar de dossiês e assuntos importantes e complexos”, analisa Paula do Espírito Santo.

Mas esse esforço, aponta Bruno Ferreira Costa, não é apenas dirigido aos socialistas: “Acho que esta tentativa de moderação é já para o país. Parece-me evidente que acredita que o caminho para a vitória dentro do PS está assegurado. É antes uma tentativa de resposta à campanha que vai enfrentar.

Especialistas veem mudanças face aos tempos de deputado ou ministro (Lusa)

Entre a moderação e o combate

Os políticos experientes sabem que não podem cultivar só um dos lados. Não pode ser só ataque ou contenção. No jogo político, têm de saber que dimensão aplicar a cada momento.

“O conceito de contenção depende muito da estratégia política. Se a estratégia do PS for a ameaça da direita radical, em certos momentos essa contenção desaparece. Um político experiente como Pedro Nuno Santos utiliza as duas dimensões”, realça António Costa Pinto.

Mas há alguma que vá ser mais relevante? “Como candidato a secretário-geral do partido e primeiro-ministro, a contenção vai ser mais importante”, adianta.

Alinhado ao centro… ou desalinhado?

Pedro Nuno Santos tem piscado o olho ao centro, admitindo mesmo que a “divisão entre moderados e radicais não tem sentido”. Ele é agora o rosto do “diálogo, da negociação e da concertação”. E é isso mesmo que os militantes socialistas ouvidos pela CNN Portugal, apoiantes do ex-ministro, têm vincado: que o partido encontra em Pedro Nuno Santos essa capacidade de união e espírito combativo necessários à disputa eleitoral.

“Em dirigentes como Pedro Nuno Santos ou António Costa, não há posições fixas numa escala esquerda ou direita do partido. São membros do ‘mainstream’ do PS. Nasceram na JS, têm uma carreira política. O seu percurso pode ser comparado com o de António Costa, que nunca esteve ligado à ala esquerda do partido, mas fez a geringonça”, traça António Costa Pinto.

Mas o passado volta sempre para assombrar. “A equipa de Pedro Nuno Santos tem de trabalhar dois problemas. Primeiro, a questão do carisma, muito associada à altivez e sobranceria no discurso. Segundo, a questão de pensamento associada ao seu percurso político. O discurso ultimamente não tem surgido à vontade, não é fluido, há um fugir de alguns assuntos. Terá de conseguir resolver estas questões”, aponta Bruno Ferreira Costa.

Pedro Nuno Santos terá de alinhar a persona política com a própria personalidade. Ou, pelo menos, não deixar antever que existem distanciamentos entre ambas.

Até agora, dizem os especialistas, ainda há poucos elementos para construir certezas. Os próximos tempos de luta interna e de estrada, caso vença a liderança do PS, serão determinantes. Aí surgirão os conflitos e os confrontos.

Postura intempestiva tornou-se imagem de marca (Lusa)

 

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