Jon Fosse é o vencedor do Nobel da Literatura

5 out 2023, 12:01
Jon Fosse (AP)

Dramaturgo, poeta e romancista norueguês tem 64 anos e era há muito apontado como um dos favoritos. Em Portugal, as suas peças têm sido apresentadas sobretudo pelos Artistas Unidos

O escritor norueguês Jon Fosse é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura, anunciou a Real Academia Sueca.

O dramaturgo, poeta e romancista de 64 anos era há anos apontado como um dos favoritos ao Nobel. Quando recebeu o telefonema da Academia, esta manhã, confessou-se "assoberbado e de alguma forma assustado" com o prémio. “Fiquei surpreso quando eles ligaram, mas ao mesmo tempo não. Preparei-me cautelosamente para a possibilidade de que isto pudesse acontecer nos últimos 10 anos”, disse, à emissora pública norueguesa NRK. “Foi uma grande alegria para mim receber o telefonema.”

“Estou emocionado e grato. Vejo isto como um prémio para a literatura que, acima de tudo, pretende ser literatura, sem outras considerações”, disse Jon Fosse, de acordo com o comunicado divulgado pela sua editora, Samlaget, citado pelas agências.

Nas palavras da Academia Sueca, o autor "combina a natureza da sua formação norueguesa com a técnica artística" e é elogiado por "expor a ansiedade e a ambivalência humanas na sua essência" nas suas obras. Fosse é conhecido pelo seu minimalismo. "Isso pode ser visto no seu segundo romance ‘Stengd gitar’ (1985), quando Fosse nos apresenta uma variação angustiante sobre um dos seus temas principais, o momento crítico da irresolução. Uma jovem mãe sai do seu apartamento para atirar lixo fora, mas tranca-se do lado de fora, deixando o seu bebé lá dentro. Precisa procurar ajuda, mas não consegue, pois não pode abandonar o filho. Embora ela se encontre, em termos kafkianos, “diante da lei”, a diferença é clara: Fosse apresenta situações quotidianas que são instantaneamente reconhecíveis mas nossas próprias vidas", justificou a Academia.

Fosse nasceu em 1959 em Haugesund, no Oeste da Noruega, e vive atualmente numa residência honorária situada nas propriedades do Palácio Real de Oslo, bem como em Hainburg, Áustria, e em Frekhaug, Noruega. Escreve em novo norueguês, língua obrigatória nas escolas mas que só é falada nessa região. Estreou-se na literatura em 1983, com o romance "Raudt, svart" [Vermelho, preto], tendo publicado cerca de quinze livros antes de chegar ao teatro: romances, poesia, ensaios, novelas e livros para crianças. O seu primeiro texto para o teatro foi escrito em 1994. Recebeu vários prémios ao longo da sua carreira, entre os quais o Prémio Internacional Ibsen, o Prémio Europeu de Literatura e o Prémio de Literatura do Conselho Nórdico.

"Comecei a escrever muito novo. Mesmo muito novo. Poesia. Não queria propriamente ser um escritor, escrevia para mim. Aí pelos meus vinte anos, escrevi um romance. Para minha grande surpresa, houve um editor que se interessou. E passei a ser um autor editado. É bom ser-se editado, mas perde-se uma espécie de inocência. Mas lá continuei a escrever. E gosto de escrever. Uma das razões é porque sou tímido. E assim posso trabalhar ao meu ritmo. Eu é que decido quando trabalho", explicou o autor num texto publicado no site dos Artistas Unidos, a companhia portuguesa que mais tem encenado as obras de Fosse, desde que, em 2000, Solveig Nordlung encenou "Vai Vir Alguém" - o primeiro espetáculo apresentado pela companhia no espaço A Capital, no Bairro Alto, em Lisboa, e que contou com a presença do autor.

Seguiu-se "Sonho de Outono" (2001), "A Noite Canta os Seus Cantos" (2004), "Inverno" (2005), "Lilás" (2007), "Morte em Tebas" (leitura ecenada, 2010). No ano passado, António Simão encenou e José Raposo interpretou o monólogo "Foi Assim", no Teatro da Politécnica, em Lisboa, em que um homem se questiona sobre o sentido da sua existência, um dia a seguir ao outro.

Sobre as suas peças, disse ainda Fosse: "Quando escrevo uma peça, reduzo e concentro, e esta concentração redutiva possibilita as súbitas explosões de uma espécie de sabedoria intensa indizível, ao mesmo tempo triste e engraçada. Para mim, o verdadeiro drama está aí, não na ação em si, o drama está na enorme tensão e intensidade entre pessoas que estão muito longe umas das outras e ao mesmo tempo profundamente juntas, não só socialmente, como também na compreensão que partilham. Estes momentos, esta presença incrível, está muito pouco, se é que está de todo, ligada aos temas principais do nosso tempo, aqueles passam nos meios de comunicação. O bom teatro pode ser sobre quase qualquer coisa; o importante não é o assunto sobre o que é, mas como o é; é uma questão de sensibilidade, musicalidade e pensamento, e não uma discussão sobre assuntos correntes."

"Os meus romances são grandes pedaços de texto sem pausas, sem parágrafos. E quando escrevi a minha primeira peça também a escrevi assim, numa espécie de verso livre. Assim consigo imprimir uma espécie de música", explicou.

A ficção de Fosse é publicada em Portugal pela Cavalo de Ferro, enquanto as suas peças estão publicadas na coleção Livrinhos do Teatro, da Cotovia/ Artistas Unidos. "O Outro Nome" - nomeado para o prémio Booker International 2020 - é o primeiro dos três volumes que compõem "Septologia", a magnum opus de Jon Fosse, que será publicada integralmente pela Cavalo de Ferro.

Em comunicado, a Penguin Random House, proprietária da Cavalo de Ferro, afirma que este prémio faz o "reconhecimento do percurso de um autor ímpar na literatura europeia e mundial, criador de um universo próprio e coerente em várias áreas da literatura. (...) A atribuição do Nobel de Literatura vem reconhecer um percurso extraordinário, cujo caminho criativo irá continuar. Como disse o próprio comité Nobel, só ele, com a sua escrita, é capaz de dizer o indizível."

No ano passado, o Nobel foi atribuído à escritora francesa Annie Ernaux. Em 1998, o vencedor foi o escritor português José Saramago.

O Prémio Nobel da Paz será anunciado na sexta-feira e o da Economia na próxima segunda-feira, 9 de outubro.

Os laureados são convidados a receber os seus prémios nas cerimónias de 10 de dezembro, dia do aniversário da morte de Nobel. O prémio da paz é entregue em Oslo, cumprindo a vontade de Alfred Nobel, enquanto a cerimónia de entrega dos outros prémios tem lugar em Estocolmo.

Os Prémios Nobel têm um valor pecuniário de 11 milhões de coroas suecas (cerca de 950 mil euros). O dinheiro provém de um legado deixado pelo criador do prémio, o inventor sueco Alfred Nobel, que morreu em 1896.

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