Rui Moreira absolvido de prevaricação no caso Selminho

21 jan 2022, 15:46

Ministério Público não conseguiu provar a intenção do autarca do Porto em favorecer a imobiliária da família, de que era sócio, em detrimento do município. Rui Moreira vai manter o mandato, mas o Ministério Público não se conforma e vai recorrer da decisão

Rui Moreira foi absolvido do caso Selminho e vai permanecer como presidente da Câmara Municipal do Porto . O autarca estava acusado de prevaricação, por suspeitas de ter favorecido a imobiliária Selminho, da sua família e da qual era sócio, em prejuízo do município, na resolução de um litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária, que por vez pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida. O Ministério Público vai agora recorrer da sentença.

Segundo o acórdão lido esta sexta-feira, não ficou provado que Rui Moreira tenha influenciado o advogado da autarquia para fazer o acordo com a imobiliária. As testemunhas no processo também disseram que não foram influenciadas ou contactadas pelo autarca para favorecer a empresa ou para alterar conteúdo do acordo. De acordo com a presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, o tribunal ficou convencido que os funcionários assumiram que os termos do acordo eram o melhor para a Câmara Municipal do Porto. Também não foi possível inferir que a autarquia mudou de posição sobre a construção no terreno após a tomada de posse de Rui Moreira.

À saída do Tribunal de São João Novo, no Porto, Rui Moreira, disse não ter dúvidas de que a absolvição seria “o desfecho” do caso Selminho, decisão com a qual considerou que o Ministério Público “não se conforma”: “Não tinha dúvidas de que um dia este desfecho viria. Gostava que tivesse decorrido mais cedo, pelos vistos o Ministério Público ainda não se conforma, mas faremos uma declaração logo”, observou o autarca.

"Nada me surpreende", afirmou Rui Moreira 

Já o advogado do presidente da Câmara do Porto afirmou que a atuação do Ministério Público foi “uma vergonha” ao não ter “a hombridade” de ponderar na decisão e avançar com recurso, acusando o procurador de ‘show off': “O que hoje assistimos aqui é uma vergonha. Pelo menos o Ministério Público poderia ter a hombridade de ponderar, ler, verificar (…) quis fazer um ‘show off’ de vos [aos jornalistas] comunicar que iria interpor recurso. Com todo o respeito, é uma vergonha que um procurador atue deste forma”, afirmou Tiago Rodrigues Bastos, após a leitura do acórdão.

Aos jornalistas, o advogado disse que a decisão deve “deixar toda a gente contente”. “Não podemos deixar de ficar contentes quando é o tribunal que diz que alguém que exerce funções tão importantes como Rui Moreira exerce não cometeu nenhuma infidelidade ao seu cargo, devia de nos deixar a todos contentes. Atrevo-me a dizer que devemos ficar satisfeitos com a forma como o tribunal respondeu ao melindre que este caso tinha, não se eximindo de fazer uma análise profunda, exaustiva, dos factos em causa", acrescentou. 

Ministério Público vai recorrer

Após a leitura do acórdão, que decorreu na tarde desta sexta-feira no Tribunal de São João Novo, no Porto, o procurador Luís Carvalho pediu a palavra à juíza presidente, dizendo “não se conformar” com a decisão, razão pela qual anunciou que vai interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

O procurador do MP Luís Carvalho sustentou nas alegações finais que, desde 2005, houve uma “via-sacra da Selminho” para que fosse atribuída capacidade edificativa ao terreno em causa, sublinhando que, até à tomada de posse de Rui Moreira (22 de outubro de 2013) como presidente da Câmara do Porto, essa pretensão da imobiliária nunca foi “satisfeita” por parte do município.

Para o magistrado do MP, a Selminho “conseguiu em 11 meses” – após a tomada de posse de Rui Moreira - o que não tinha conseguido durante oito anos, quer em sede de urbanismo, através da eventual alteração ou da revisão do Plano Diretor Municipal, quer nas ações judiciais que interpôs contra a autarquia.

Segundo o MP, “os factos relacionados entre si” permitem concluir que a intervenção de Rui Moreira permitiu um “acordo totalmente favorável às pretensões da Selminho”, acrescentando que o autarca “foi o responsável e quem beneficiou” do desfecho do litígio entre a imobiliária da sua família, da qual era sócio, e o município a que preside.

 

Um julgamento rápido de um processo longo

Chega assim ao fim um julgamento rápido de um processo longo. Em apenas um mês (o julgamento iniciou-se a 16 de novembro, as alegações finais tiveram lugar a 15 de dezembro), acusação e defesa apresentaram os seus argumentos, concluindo um processo cuja acusação fora deduzida há pouco mais de um ano, em dezembro de 2020. Pelo meio, em abril, houve o debate instrutório. E entretanto, em setembro, Moreira venceu as eleições autárquicas, iniciando em outubro o seu terceiro mandato como independente pela Câmara do Porto.

O caso tem origens antigas e graus de complexidade:

Em 2001, a Selminho comprou um terreno na zona da Arrábida, no Porto, onde pretendia construir. Essa compra foi feita ao casal João Batista Ferreira e Maria Irene de Almeida Pereira Ferreira, numa transação registada pelo Cartório Notarial de Montalegre. O casal disse ter adquirido a casa e os terrenos em causa em 1970 a Álvaro Nunes Pereira, através de um contrato verbal, que por sua vez os adquiriu da mesma forma.

Em 2006, o Plano Diretor Municipal (PDM) passou a classificar a propriedade como não edificável, o que levou a imobiliária a avançar para tribunal contra a Câmara, dizendo-se prejudicada, ao ver-se impedida de ali construir.

Em 2014, no primeiro ano do primeiro mandato de Rui Moreira como presidente da autarquia, a Câmara fez um acordo com a Selminho, assumindo o compromisso de ou devolver a capacidade construtiva ao terreno no âmbito da atual revisão do PDM, ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.

O caso rebentou nos jornais. E, em 2017, foi divulgado que um técnico da autarquia concluiu que 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida eram na verdade do município. Numa ação movida em tribunal, a Câmara pedia ao tribunal a declaração da nulidade da escritura que, em 2001, transferiu por usucapião esses 1.661 metros quadrados para a posse do casal, bem como a nulidade do contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.

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