E se um navio batesse na ponte 25 de Abril? Já aconteceu - e o resultado foi bem diferente de Baltimore

26 mar, 21:39
Ponte 25 de Abril (Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images)

Há grandes diferenças entre a ponte que desabou nos Estados Unidos e as maiores travessias em Portugal. No Porto há semelhanças, mas nunca poderia acontecer algo assim

Em 2021 um navio com caraterísticas semelhantes ao que derrubou a ponte de Baltimore, nos Estados Unidos, embateu na ponte 25 de Abril, em Lisboa, mas o resultado foi completamente diferente.

Na altura, o Ionic Hawk fez pouco mais do que “lascar” o pilar norte da ponte que liga Lisboa à Margem Sul. As autoridades portuguesas ainda fizeram uma vistoria, mas confirmaram que não havia qualquer tipo de danos estruturais.

Um desastre como o de Baltimore seria “impossível” em Lisboa ou no Porto, onde estão as mais importantes pontes nacionais. Na capital, tanto 25 de Abril como Vasco da Gama “são pontes em betão”, lembra à CNN Portugal Carlos Mineiro Aires, presidente do Conselho Superior de Obras Públicas.

“São pilares em betão que estão dimensionados para sofrer choques e resistir a situações destas”, acrescenta o também antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros, lembrando o choque recente na 25 de Abril, para dizer que “não aconteceu nada”, que a ponte apenas ficou “manchada de tinta”.

“Não foi nada de grave. Na altura foi feita uma avaliação, mas é muito difícil que exista uma situação semelhante a esta, a não ser que seja um navio enorme”, destaca Carlos Mineiro Aires, ressalvando que isso não acontece com as pontes que temos.

O que acontece, diz o engenheiro civil, é que a altura das pontes portuguesas, nomeadamente das maiores, bem como a dimensão dos pilares, não é comparável com a estrutura da ponte Francis Scott, em Baltimore.

José Paulo Costa lembra esse mesmo acontecimento, apontando que os resultados foram bem diferentes porque a ponte 25 de Abril "é muito mais resistente". O engenheiro civil, que trabalhou em obras de reparação nas duas maiores pontes de Lisboa, aponta mesmo um cenário diferente: o mesmo barco a chocar com a 25 de Abril acabaria por ir ao fundo, "mas a ponte não teria danos".

"Os maciços são muito grandes, as ilhas são enormes", vinca, falando sobre a segurança dos pilares, e acrescentando que as pontes construídas em Lisboa "são calculadas para estas ações".

A ponte Vasco da Gama está preparada para estas situações, mas poucos são os navios grandes que lá chegam (Jorge Castellanos/SOPA Images/LightRocket via Getty Images)

E a diferença também está na altura e na profundidade. A ponte 25 de Abril é mais alta - tem 70 metros contra os 56 metros da ponte de Baltimore -, mas é nos pilares e na forma como estão sustentados que reside uma grande diferença. A ponte lisboeta tem mesmo o pilar mais profundo do mundo, com 80 metros, enquanto os pilares da ponte norte-americana nem chegam aos dez metros. De realçar também a base desses mesmos pilares, com a 25 de Abril a ter muito mais sustentabilidade.

"Os pilares da ponte 25 de Abril estão a dezenas de metros de profundidade", lembra José Paulo Costa, referindo que o maciço que as suporta é de betão e alto, enquanto o maciço da ponte Francis Scott era mais fino e "muito baixinho". No fundo, o mesmo barco atingiria a ponte 25 de Abril no maciço. Em Baltimore atingiu diretamente o pilar.

O especialista em reabilitação estrutural explica que os pilares da ponte 25 de Abril, por exemplo, têm dezenas de metros de profundidade de areia. Para que um acontecimento semelhante tivesse consequências seria preciso retirar essas toneladas de areia, algo que só aconteceria intencionalmente.

Já no caso de Baltimore é "como o vidro de uma janela: está sempre bem, mas se lhe mandar um extintor parte". É que a ponte Francis Scott "não foi calculada para ter um embate com esta energia". Funcionaria para aguentar ventos fortes e até um sismo, mas este impacto é diferente e as suas características não estavam preparadas.

"As nossas pontes foram calculadas [para este tipo de situações]. Exibem características que nos dizem isso. Na ponte 25 de Abril, quando aconteceu isto, foi só uma lasca na esquina", reitera José Paulo Costa, falando em maciços da altura de casas, ao mesmo tempo que houve uma "grande evolução" na engenharia.

A física a funcionar e uma reação em cadeia

Lembra-se do vidro que parte com o extintor? É isso: a física a funcionar. Quebrado o primeiro pilar, ainda por cima de uma zona mais central, toda a restante área mais frágil vem atrás.

Carlos Mineiro Aires sublinha que as partes mais resistentes da ponte, que ainda por cima estavam mais junto à margem, acabaram por não ceder. Aqui o comprimento também não ajuda: a Francis Scott tinha 366 metros de comprimento. Bem longe dos 12 quilómetros da ponte Vasco da Gama (que na Europa só fica atrás da ponte de Kerch, na Crimeia), mas também longe da sustentabilidade da ponte que liga Lisboa a Alcochete.

A Francis Scott sofreu um "impacto considerável", refere o presidente do Conselho Superior de Obras Públicas, notando que, "quando o pilar colapsa, colapsa toda a estrutura", o que é particularmente grave em pontes metálicas, como é o caso.

"Toda a outra parte que está inteira é de betão", vinca, explicando que, ao embater no pilar, o navio fez a ponte colapsar e isso arrastou a estrutura como se de um dominó se tratasse.

É como diz José Paulo Costa: "Se falhar um apoio gera-se uma rutura em cadeia." Basicamente, o pequeno bocado destruído levou tudo atrás.

Ponte D. Luís é feita do mesmo material da de Baltimore, mas há uma diferença (Associação de Turismo do Porto e Norte/ Flickr)

A questão das pontes do Porto

Quando os engenheiros ouvidos pela CNN Portugal falam em pontes metálicas, isso remete automaticamente para estruturas como a ponte D. Luís ou a ponte D. Maria, ambas no Porto e ambas similares.

José Paulo Costa não tem dúvidas: um acontecimento deste género na ponte D. Luís "seria mais delicado". É que a ponte que liga as margens do rio Douro entre Porto e Vila Nova de Gaia é "muito mais frágil, mais antiga e mais baixa".

Isso também significa uma "fundação muito mais precária".

Ainda assim, este seria um exercício meramente hipotético. É que nenhuma destas pontes, como nenhuma ponte do Porto, têm pilares assentes na água. Carlos Mineiro Aires nota isso mesmo: são pontes metálicas, sim, mas estão "apoiadas nas margens", o que é "outra conceção" e retira de jogo um problema semelhante.

Na prática, vinca José Paulo Costa, não passam ali navios que tenham uma altura superior aos tabuleiros, pelo que nunca chocarão com a ponte.

É um pouco o que acontece na ponte Vasco da Gama. A maioria dos barcos grandes não chega lá - encalhariam na areia se assim fosse - e os poucos que chegam conseguem passar por baixo, como na ponte 25 de Abril. Em todo o caso, como aconteceu na outra ponte de Lisboa, nenhum barco teria energia ou carga suficiente para provocar danos graves.

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