O fim chegou ao PCP, mas o PCP não chegou ao fim

27 fev, 15:53

Nenhum resultado que saia das eleições de 10 de março será um bom resultado para os comunistas portugueses: por um lado, porque dificilmente sairão do beco onde o voto útil e algum wokismo modernaço os encurralaram, vetor a que se junta uma expectável votação histórica da extrema-direita, em plena festa pelas comemorações do meio século de abril. Na noite eleitoral, é por isso de esperar um lamento coletivo dos dirigentes, dos funcionários, dos militantes e dos muitos cidadãos com memória consolidada, se não já de toda, pelo menos de uma parte dos quarenta e oito anos de uma ditadura, que não precisa do sub-epíteto do fascismo - discussão justa, se tida à mesa de historiadores, politólogos e demais académicos -, para que sem pudores se possa chamar autoritária, censória, securitária, sombriamente corporativista e com traços, ainda que travestidos de modéstia, de culto à sua liderança mais forte e carismaticamente humilde. Todas elas, características do Estado Novo. Curiosamente, todas elas também são características do fascismo.

Contudo, não é a concetualização do Salazarismo que ao PCP interessa discutir: é o pressuposto de que, embora o sol da liberdade tenha brilhado ininterruptamente nos últimos 50 anos, o sal do suor de quem lutou e pagou, com o corpo e com a vida, para ver a democracia nascer, não foi suficiente para secar a terra onde a semente da extrema-direita germinou durante décadas, para hoje se impor em Portugal pela via democrática, coisa que, graças ao militarismo, conseguiu dispensar no passado.

Este sempre foi o grande desígnio do PCP: lançar um alerta permanente - por vezes, até cansativo -, com vista à consciencialização de que a “revanche reacionária” não é só um chavão discursivo, exaustivamente repetido por aquele “camarada castiço”, que aparece sempre nas reportagens da Festa do Avante. É uma ameaça real e que batalha com armas e força desproporcionais, na medida em que - como a investigação jornalística já demonstrou um pouco por toda a Europa - é amplamente financiada por quem efetivamente tem interesse em minimizar os movimentos reivindicativos de massas: outros regimes autoritários, os que lucram com a pobreza, os que lucram com a doença. No fundo, esse demónio que os marxistas há séculos tentam exorcizar: o grande capital.

Nesse sentido, fica claro que em Portugal, o Partido Comunista chegou ao fim… de um ciclo. Um ciclo de meio século, que no seu caso é meia vida, em que fora da clandestinidade, tentou ser o agitador classista, muitas vezes ridicularizado - algumas, de forma grosseira e outras por posicionamentos inciais indefensáveis, como se viu aquando da eclosão da guerra na Ucrânia -, pela utilização da famosa “cassete” do aumento dos salários e das pensões, da “importância do aparelho produtivo nacional”, da “ofensiva ideológica anticomunista”, dos “direitos dos trabalhadores e do povo”. Na verdade, estes não eram se não motes e reptos para a emancipação das suas bases de apoio e também dos mais pobres, porque - como está à vista - é através dessa condição de fragilidade na vida comunitária que as artimanhas do fascismo trabalham e seduzem.

Findo esse ciclo, há dois pensamentos a acrescentar: primeiro, importa dar os parabéns ao PCP pela capacidade premonitória, ainda que quem atire em todas as direções algum dia vá acertar; e por último um lamento prévio, se das eleições de 10 de março resultar o seu desaparecimento parlamentar: é que tal como uns defendem que a ecologia sem luta de classes é jardinagem, um hemiciclo sem partidos verdadeiramente classistas será pouco mais do que uma reunião de condomínio.

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