Cafés amargos, assobios ruidosos, uniões polémicas, gente tirada da cama: memórias de congressos do CDS-PP antes da morte parlamentar

2 abr 2022, 09:00
Sem deputados, Francisco Rodrigues dos Santos anunciou a saída da liderança do CDS-PP na noite das eleições (Manuel de Almeida/Lusa)

Os centristas reúnem-se este fim de semana em Guimarães, depois de o resultado das últimas legislativas ter tirado o partido da Assembleia da República. Sempre que há um novo líder para escolher, diz a tradição centrista, a tensão e a polémica são presenças assíduas

Coimbra, 1996. A saída para beber café

Em 2019, Manuel Monteiro voltou a filiar-se no CDS-PP. É um dos principais protagonistas das polémicas e episódios memoráveis em congressos

Era o primeiro discurso de Paulo Portas enquanto militante centrista - visto por muitos como um momento em que se apresentava alguém que não estava destinado a ser um simples militante. Ao congresso, Portas fez questão de elogiar o seu ídolo político, Francisco Sá Carneiro. Mas não terá sido esse o motivo a levar o então presidente do CDS-PP Manuel Monteiro a abandonar a sala para “beber café”. O episódio, recorrentemente recordado quando se fala de congressos democratas-cristãos, tende a ser justificado como um confronto de egos. Monteiro terá percebido, naquele momento, que Portas trazia uma linha distinta para o partido e uma personalidade forte para o liderar. Saíram do conclave do mesmo lado: Monteiro reeleito como presidente, Portas como parte da sua direção. Mas a relação, até aos dias de hoje, sempre esteve longe de ser pacífica.

Aveiro, 2020. O assobio a Pires de Lima e a “união polémica” às cinco da manhã

Pires de Lima na sua última participação em congressos (Lusa)

Foi o último mas nem por isso o menos digno de memória. Em Aveiro, os centristas elegeram Francisco Rodrigues dos Santos como presidente - uma escolha longe de ser consensual. Para António Pires de Lima, foi mesmo o último congresso. Nele, subiu ao palco para avisar sobre os riscos do desaparecimento do partido. “Fui fortemente assobiado, como se lembrará bem. Mas isso não me impediu de dizer o que penso”, conta agora à CNN Portugal. Não foi a primeira vez que foi assobiado numa reunião magna do partido. E não se arrepende: “O tempo acabou por mostrar, infelizmente, que os alertas que eu lancei se tornaram realidade”.

Mas o último congresso do CDS-PP confirmou uma tendência antiga: grande parte da ação desenrola-se a altas horas da madrugada. “O Francisco Rodrigues dos Santos entrou na nossa sala, da moção que eu subscrevia, e fez um apelo para uma união polémica”, recorda Filipe Lobo D’Ávila. Eram cinco da manhã. O debate só acabaria quatro horas depois, já o dia clareava. Lobo D’Ávila acabaria como vice-presidente. Um ano depois, deixou essa mesma direção com duras críticas ao presidente.

Lisboa, 1992. Adriano Moreira retirado da cama

Adriano Moreira, histórico do partido, no congresso de 2018 em Lamego (Lusa)

Manuel Monteiro tinha apenas 29 anos quando em 1992, no congresso realizado em Lisboa, foi eleito presidente. Nesse momento começa um processo de transformação do partido, alinhando-o mais à direita, depois do desaire eleitoral que valeu aos centristas a alcunha “partido do táxi”.

A disputa foi intensa, entre Manuel Monteiro, Basílio Horta e António Lobo Xavier. Mas, entre os centristas, é outro o episódio de que mais se fala sobre este congresso: a meio da noite, o antigo presidente Adriano Moreira é acordado, retirado da cama, para vir discursar ao congresso. “Quando todos pensavam que o congresso tinha acabado - eu e a minha equipa incluídos -, o professor Adriano foi acordado e discursou”, recorda Basílio Horta, que em 2007 se desfiliou do CDS-PP - é há largos anos autarca pelo PS.

Mas as memórias deste encontro multiplicam-se. “Esse marcou-me, foi toda a noite. Nós da jota a tentar desligar os cabos das televisões para ninguém gravar”, recorda Hélder Amaral.

Porto, 1975. O cerco ao Palácio de Cristal

Cerco ao Palácio de Cristal em 1975 (Cortesia: CDS-PP)

Diz-se que o primeiro amor não se esquece. Com os congressos do CDS-PP parece seguir-se a mesma lógica. O país vinha fresco de uma revolução pela democracia quando os centristas realizaram a sua primeira reunião magna, no Palácio de Cristal, no Porto. E é então que o encontro acaba cercado por militantes radicais de esquerda. Cerca de 700 pessoas mantidas reféns durante doze horas, obrigando à intervenção de uma força militar especial. Freitas do Amaral, fundador do partido, chegou a descrevê-lo como “o maior pesadelo” da sua vida. Mas 47 anos depois, há quem lá tenha estado e descreva o episódio de uma forma muito mais ligeira. “Tinha 20 anos. Com 20 anos, achamos graça às coisas que têm risco. Foi uma grande aventura. Compreendo a preocupação do dr. Freitas do Amaral. Para nós, foi muito divertido”, diz José Ribeiro e Castro, hoje um dos nomes de referência para os democratas-cristãos.

Braga, 1998. A eleição de Portas

Registo fotográfico do congresso que elegeu Portas como presidente (Cortesia: CDS-PP)

Se Cecília Meireles tivesse de escolher o congresso que a marcou mais, a escolha seria clara: “o de Braga”. Ele significa um nome: Paulo Portas. Foi na cidade dos arcebispos que o ex-jornalista e deputado acabou eleito presidente do partido, numa disputa intensa contra Maria José Nogueira Pinto.

“Foi um congresso muito disputado, até altas horas da manhã”, conta António Pires de Lima. E Hélder Amaral confirma o sentimento: “Foi um congresso muito tenso, muito marcado por uma viragem”. Porque Portas trazia uma ideia de reconciliação entre as diferentes vozes do partido e uma estratégia de aproximação ao PSD, então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa.

Lisboa, 2005. A surpresa Ribeiro e Castro (contra Telmo Correia)

Ribeiro e Castro foi o vencedor inesperado, só avançando no momento do congresso (Cortesia: CDS-PP)

Em 2005, o CDS-PP fica órfão de um dos seus líderes mais mediáticos. Após a saída de Paulo Portas, passaram dois meses sem que surgisse qualquer candidato à liderança. Telmo Correia – que foi o último líder parlamentar do partido antes da saída do CDS da Assembleia da República este ano – só confirmou na véspera a intenção de avançar.

A surpresa aconteceria já o congresso decorria, quando José Ribeiro e Castro garantiu que disputaria a liderança do partido se a sua moção fosse a mais votada. Dois caminhos distintos, o primeiro pela abertura, o segundo pelo foco nos valores tradicionais da democracia-cristã. Venceu Ribeiro e Castro. “Naturalmente que o congresso que melhor recordo foi aquele em que fui eleito presidente, em 2005. Foi um congresso muito bonito, bastante aberto”, lembra.

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Tensão permanente

Nuno Melo é o único deputado em funções pelo CDS-PP, no Parlamento Europeu 

Falar de congressos do CDS-PP é sinónimo de falar de um clima de tensão. O sentimento pode ser avaliado de duas maneiras. Quem vê de fora, pode encará-lo como um sinal de desunião e desentendimento. Quem vê de dentro, como a democracia partidária a funcionar.

“Não o vejo como sinal de desunião mas de diversidade. Há um empenho grande das pessoas em escolher o caminho que querem para o partido. Isso em congresso tem sempre uma expressão viva nas intervenções, nos debates, mesmo nas polémicas e nas disputas”, traça João Almeida, antigo deputado centrista.

A antiga colega de bancada Cecília Meireles diz que essa tensão faz parte da “vida interna, do facto de os congressos serem emocionantes, porque o CDS-PP sempre teve essa tradição de discutir coisas em congresso”.

O debate tende a subir de tom quando há um líder para escolher entre vários candidatos. “São raras as situações em que há um líder consensual. Os congressos disputados são sempre muito animados”, aponta Filipe Lobo D’Ávila.

Mas o verdadeiro problema é quando o nome do novo presidente, mesmo depois de escolhido por uma maioria, continua a gerar divisões. Foi assim com Francisco Rodrigues dos Santos, que agora passa a pasta a outro. “O que é mau é a guerrilha, o desgaste, o não se aceitar o resultado das votações depois de elas acontecerem. O que é mau é o congresso continuar depois do congresso”, resume Ribeiro e Castro.

Nuno Melo, o próximo líder de um partido ‘apagado’?

É o congresso número 29 e tem Guimarães como cidade anfitriã. Paulo Portas está inscrito, mas ainda não é certo que vá ao evento, naquele que seria o seu regresso a um conclave centrista. Manuel Monteiro já assegurou presença e vai discursar aos congressistas. Ribeiro e Castro não vai.

O eurodeputado Nuno Melo é encarado como o mais forte candidato à liderança, numa corrida onde estão também Miguel Mattos Chaves, Nuno Correia da Silva e Bruno Filipe Costa. Mas, entre os centristas, ainda se espera uma surpresa de última hora.

“A minha expectativa é de que seja um momento de debate, mas sobretudo um momento de debate sobre o país, no qual se possa mostrar as ideias do CDS-PP” após o partido ter ficado sem representação parlamentar e uma voz no dia-a-dia político, traça Cecília Meireles – que vai apoiar Nuno Melo.

Na lista de apoiantes do eurodeputado está também Assunção Cristas, que veio argumentar que “num momento tão difícil para o partido” Nuno Melo “é quem está em melhores condições para ajudar a fazer renascer o CDS”.

Também Filipe Lobo D’Ávila engrossa esta comitiva, ao dizer que “o Nuno Melo, pelo facto de ser o único deputado do CDS em funções e ter uma atividade profissional ligada ao partido, é uma das pessoas nas melhores circunstâncias”. Mas com um aviso: “precisa de dar provas de poder unir o partido”.

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