opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

Delegar se vai ao longe

16 abr, 15:42

“Sr. Padre, tem uns minutos para podermos conversar?”. Assim começou, há uns meses, uma conversa com um gestor de empresas, que assume também responsabilidades familiares e encargos em ONG’s.

“Estou esgotado”, reconhecia. A palavra “Não” não fazia parte do seu vocabulário. Tinha, porém, dificuldade em confiar nos outros. Não conseguia pedir nada aos filhos. “Durmo pouco e sou eu que faço tudo”. 

Pensei para comigo: “Como posso ajudar esta pessoa a melhorar, a delegar?”. Revisitei as notas do curso Management Essentials que fiz durante a pandemia, do qual retive duas máximas: só podemos delegar algo a quem está motivado para a matéria a ser delegada e se a conhece. Ou seja, só podemos delegar em quem tenha dois atributos: motivação e maturidade para a tarefa que lhe será atribuída. Recordei também outros conselhos práticos:

1. Delegar tarefas com um resultado bem definido, como aquelas ações repetitivas que se fazem em casa: levar o lixo à rua, pôr a louça na máquina, comprar pão, entre tantas outras.

2. Valorizar os pontos fortes dos outros. Algum colaborador que demonstra interesse e conhecimento numa área? Delegue. Algum estagiário com experiência em redes sociais para as quais não tem tempo e paciência? Delegue. 

3. Definir os objetivos e os resultados. Delegar não é despejar o trabalho, mas definir o que tem de ser feito, até quando e as métricas para medir o desempenho, deixando autonomia para a sua execução.

4. Dar acesso à informação, partilhar o acesso a documentos, dar os contactos de pessoas relevantes, sugerir livros e tutoriais.

5. Facilitar a comunicação com os colaboradores para colocarem questões, pedirem ajuda, atualizarem sobre o trabalho, partilharem desafios e resultados.

6. Permitir o fracasso dos colaboradores. É uma forma de aprenderem e de se desenvolverem como pessoas e profissionais. 

7. Ser paciente. Podemos pensar na primeira vez que utilizamos um software difícil, preparamos uma reunião numa língua desconhecida, tivemos de escrever uma proposta comercial e como foi preciso usar de paciência connosco. 

8. Dar e pedir feedback, fazer críticas construtivas e reconhecer os sucessos. Perguntar aos colaboradores se soubemos facultar as informações de forma clara, e o que podemos fazer para delegar melhor.

9. Reconhecer o mérito da equipa e celebrar o final de um projeto com um almoço, um bolo, umas cervejas. Enviar um e-mail de agradecimento e não esquecer o nome de cada um dos colaboradores nas apresentações e discursos. Quanto mais agradecermos, mais quererão essas pessoas que voltemos a confiar nelas. 

Há uns dias queria escrever no telefone o provérbio “Devagar se vai ao longe”. O corretor automático escreveu: “Delegar se vai ao longe”. Não era um erro, mas uma ajuda sobrenatural para pensar neste tema. E na Páscoa que vivemos há poucos dias. 

Que fez Jesus com os seus discípulos para a sua mensagem chegar a todo o mundo? Podemos aprender algo sobre como exerceu a delegação? Abrimos a Bíblia. Vemos que Jesus conviveu com os seus discípulos, havia uma amizade. Em síntese, perfaziam as duas condições para poder delegar: estavam motivados e conheciam a mensagem. E assim Jesus deu-lhes: 

  1. Poder e Autoridade. Jesus deu aquilo que parecia difícil de partilhar: autoridade para expulsar os espíritos impuros e para curar todas as doenças e enfermidades. (Mt 10, 1-7)
  2. Instruções e informações. Os grandes líderes antecipam os problemas. Jesus dá algumas instruções concretas (Lc 10, 1-12). Enviou os seus colaboradores dois a dois, para que aprendessem a trabalhar em equipa, a confiar. Deu informação, adaptou o discurso, contou histórias e ensinou com parábolas. 
  3. Autonomia e Confiança. Jesus nunca espiou os seus discípulos, mesmo sabendo que poderia fazer tudo de forma mais eficaz e eficiente. Soube motivar um pescador, dar um futuro a uma prostituta, encontrar uma saída profissional para um desempregado.

Delegar é um risco. É não ter medo que nos roubem informação ou o know-how, como se fosse a receita secreta dos pastéis de Belém. É acreditar que trabalho melhor quando peço ajuda. É ter a humildade de saber que há jovens que sabem tirar proveito do Tik Tok e do Instagram para algo que lhes delegamos. É aprender a desprender-nos dos nossos esquemas. É querer que os outros comecem onde nós terminamos.

Recebi há dias uma mensagem do meu amigo gestor. “Hoje pedi ajuda ao meu filho para cortar a relva. E à minha filha para preparar o pequeno-almoço no aniversário da mãe. Foi tudo um caos, mas foi muito bom! ”. Fiquei contente. Porque quando delegamos nos parecemos com Jesus. E vamos muito longe.

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