O SOM E A FÚRIA

As obras completas sobre cortes de pensões em 9,7 segundos

Seg, 12 fev 2024

Quem cortou? Quem mentiu? Quem fez truques? Hoje falamos de pensões. 

A sério, hoje pode ler esta newsletter em apenas 9,7 segundos. Se preferir ver o filme todo e não apenas a última cena, pode ficar mais tempo.  

 

Um, dois, três:

  • O PS e o PSD cortaram pensões no passado, na troika. O PS cortou primeiro, o PSD cortou muito mais.
  • O PS quis cortar pensões futuras em 2022 mas acabou por retroceder e não cortar.

Pronto, já está. Até amanhã.

Ou, pronto, fique mais um bocadinho. Nos menos de 10 segundos que aquelas duas frases lhe levaram já tem a informação de que precisa para pensar nas acusações entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos sobre quem cortou, quem mentiu, quem manipulou. Se tiver mais uns minutos, leia por aqui abaixo os detalhes destes dois momentos de cortes de pensões. 

 

Passado recente: 2022 e o “truque” das pensões

Quando, numa entrevista em setembro de 2022, perguntei ao primeiro-ministro porque tinha feito “o truque das pensões”, que iria prejudicar os pensionistas, ele retorquiu: “Não há truque nenhum!” A cena, que pode ser vista de novo aqui, parece hoje arqueologia. Dois anos volvidos, ninguém perdeu nada. Porque António Costa retrocedeu em abril de 2023.

A medida foi anunciada a 5 de fevereiro de 2022: os reformados iriam receber em outubro (e receberam) uma pensão extraordinária de 50% e teriam um aumento de 3,53% a 4,43% em janeiro. Só que a fórmula legal apontava então para aumentos de 7,1% a 8%, pelo que o método do governo seria neutro em 2023 mas prejudicaria os pensionistas em 2024. Dei então a explicação aqui, questionando: “Isto é legal? Costa falhou à palavra dada?”. E num texto de opinião, afirmei em título: “Com a verdade nos enganas, Costa”.

A 1 de janeiro de 2023, as pensões tinham aumentado menos do que a fórmula previa, mas os pensionistas já tinham recebido mais meia pensão três meses antes, pelo que ainda não estavam a ser prejudicados, só o seriam a partir de 2024. Poupavam-se no futuro mil milhões de euros, contas do próprio governo.

Mas, em abril de 2023, o Governo anunciou o aumento nas pensões “sem truque, ilusão ou corte”: repunha o aumento à taxa legal. E, assim, o efeito negativo a partir de 2024 já não se verificou. Amigos como dantes.

Eu digo que houve um corte formal mas, na prática, ninguém perdeu dinheiro. Agora diga você, em face desta explicação, qual das seguintes frases está correta:

 

As frases na íntegra

Luís Montenegro, 9 de fevereiro, na apresentação do programa eleitoral da AD:

“Quero recordar de uma forma muito direta: nos últimos anos o único partido e o único Governo que cortou pensões em Portugal foi o Governo do Partido Socialista, que retirou dois mil milhões de euros, mil milhões de euros, do sistema de pensões. Mil milhões de euros. Mil milhões de euros que saíram do sistema de pensões por vontade do Governo, quando havia folga no Orçamento, e que depois repuseram no ano a seguir para ver se o assunto ficava esquecido. Mas na campanha eleitoral também é altura de prestar contas e é preciso dizer aos pensionistas portugueses que aqueles que muitas vezes atiram a pedra têm o maior telhado de vidro naquilo que concerne à atualização do valor das pensões”.

 

Pedro Nuno Santos, 11 de fevereiro, na apresentação do programa eleitoral do PS:

“Na sexta-feira vimos o líder do PSD a fazer a maior mentira desta campanha. Na apresentação do seu programa. Teve a coragem de dizer que este governo do PS tinha cortado mil milhões de euros nas pensões aos pensionistas e aos reformados. Mentiu na totalidade dos mil milhões de euros – aliás, começou com dois mil, corrigiu para mil. Só que não foi nem dois mil, nem mil, nem um: os governos do PS nos últimos oito anos não cortaram nem um cêntimo nas pensões. (…) Nós não nos esquecemos do que eles fizeram. Fazem agora um grande esforço para darem uma grande cambalhota mas eles não podem apenas dizer ‘fizemos os cortes a que estávamos obrigados, nós não queríamos sequer fazer’, quando nós todos sabemos que eles tentaram com que esses cortes fossem permanentes, não era só sobre aqueles anos. E esses cortes só não foram permanentes porque o Tribunal Constitucional chumbou”.

 

Passado longínquo: o aquém e além troika

Reparou na parte final da frase de Pedro Nuno Santos? Já não estava a falar de 2022, mas do tempo da troika (2011/2014). É o tal período por causa do qual o PSD tem de se reconciliar com os pensionistas. Porque houve cortes a torto e a direito. Começando pelo PS e acabando pelo PSD.

2010: PS. Ainda antes da troika, Sócrates e Passos Coelho passam semanas a negociar o Orçamento do Estado. Até que, mesmo sem fumo branco, há luz verde. Entre cortes vários, é criada a CES - Contribuição Extraordinária de Solidariedade (na Lei 55/2010, que tem a abstenção do PSD, de 31 de dezembro). E assim, a 1 de janeiro de 2011, os valores acima de 5000 euros nas pensões sofrem um corte de 10%.

2011: governo PS. São assinados dois memorandos com a troika, onde se prevê um corte das pensões acima dos 1500 euros visando poupanças de 445 milhões de euros; a regra da atualização das pensões é suspensa. O governo de Passos Coelho, depois, irá ainda assim aumentar pensões mínimas.

2012: PSD/CDS. Cortes nas pensões acima de 5030 euros passam a ser de 25%, e de 50% nos valores acima dos 7546 euros. Apenas os pensionistas até 1100 euros irão receber 14 pagamentos anuais, sendo suspensos os pagamentos do equivalente aos subsídios de férias e natal aos que recebem acima desse valor. O Tribunal Constitucional irá chumbar estes cortes mas deixa que eles se apliquem até ao final deste ano.

2013: PSD/CDS: Novo agravamento da CES, com cortes nas pensões de 1350 euros, entre 3,5% e 10%. Governo insiste no corte de 2 dos 14 meses a pensões acima de 1100 euros, mas o TC chumba a medida de novo. É introduzida nova fórmula de cálculo de pensões dos trabalhadores mais antigos da função pública. E proposto corte de 10% nas pensões em pagamento acima dos 600 euros.  Tribunal Constitucional chumba a medida.

2014: PSD/CDS. Prevêem-se cortes nas pensões de sobrevivência do sector público e privado e, em reação ao chumbo do TC do corte de 10%, o governo reformula a CES que passa a cortar pensões acima dos 1000 euros. O TC volta a chumbar o corte. O governo volta à carga com nova medida: substituir a CES por uma nova contribuição de solidariedade para cortar pensões acima de 1000 euros em entre 2% e 3,5%. O TC chumba a nova contribuição. As pensões continuam, quase todas, congeladas há cinco anos.

 

Da “reconciliação” à política do medo

Da lista anterior percebe-se por que razão o PSD quer reconciliar-se com os pensionistas. Sim, o PS foi o primeiro a cortar, mas o PSD foi muito além do que o memorando de entendimento previa – e só ficou aquém do que queria porque o Tribunal Constitucional chumbou várias vezes os cortes.

O PS carrega neste passado do PSD e insiste em que as suas propostas não são credíveis. É a política do susto e do medo.

Será, é fácil de ver, tema central no debate entre os dois, de hoje a uma semana. Outra tema central, aposto, será a habitação.

 

Hoje é direita contra direita

Hoje há apenas um debate – e que debate! AD contra Chega, pelas 21h, na RTP.

Ou seja, a direita que diz que é centro contra a direita radical que diz que não é extrema direita.

Se os debates são decisivos para o resultado eleitoral, este é um deles. Porque ambos disputam o eleitorado do outro.

 

Cena de ciúmes

André Ventura, este domingo:

“O PSD, naquela noite [das eleições do Açores], preferiu pôr-se nas mãos do PS. E dizer: ‘Não, agora o PS tem aqui um dever, que é o dever de sustentar o governo’. Foi-se pôr no colo do PS. Levou a resposta, que agora se viu, o PS não quer ter nada ver com o PSD. E portanto ficámos com uma espécie de PSD-prostituta-política, que é a ver se não dá com o PS, vai tentar com o Chega; como também não quer o Chega vai tentar com outros. Azar da vida: é que nos Açores não dá com outros, só há PS ou Chega.”

Classe.

 

Veja o nosso Pulsómetro

Ao fim de 14 debates, o ranking do Pulsómetro (em notas de zero a dez) está assim:

Estas notas ponderam as avaliações nos debates feitas pelo Pulsómetro, o indicador de sentimento nas redes sociais.

 

E por hoje não é tudo

Hoje há debate, que antecipamos durante a tarde na CNN Portugal. No fim do debate, entramos em análise, com as rubricas habituais. E consigo, espero. Até amanhã!

 

O SOM E A FÚRIA

Newsletter diária de Pedro Santos Guerreiro sobre a campanha eleitoral das legislativas de 2024