OPINIÃO. Os Óscares deste ano têm o maior número de nomeados asiáticos de sempre.
Embora a maioria dos filmes nomeados aos Óscares em anos anteriores se tenha transformado, para mim, numa mistura monolítica de uma maioria de caras brancas, este ano um número recorde de nomeados parece-se com a minha família asiático-americana. Vejo a minha tia no retrato de Hong Chau de Liz, a enfermeira dura em “A Baleia”. Vejo o meu bem-intencionado pai no co-proprietário de uma lavandaria Waymond Wang, desempenhado pungentemente por Ke Huy Quan em “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. Vejo-me até a mim própria na ansiosa, exagerada, mas amorosa Meilin "Mei Mei" Lee, que tem a voz de Rosalie Chiang, em “Turning Red”.
Os Óscares deste ano têm o maior número de nomeados asiáticos. De sempre. A última vez que houve mais do que um ator asiático nomeado foi há quase 20 anos, em 2004. Embora os nomeados asiáticos ainda se sintam como uma exceção e não como norma, nos últimos anos tem havido um reconhecimento mais inovador do enorme número de talentos asiáticos na indústria cinematográfica. De facto, o thriller multiverso “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” - codirigido e protagonizado por atores de ascendência asiática - recebeu o maior número de nomeações este ano, umas impressionantes 11.
Mas o que mais se destacou para mim nestes filmes asiáticos nomeados foi o tipo de histórias que contam sobre a diáspora asiática para o Ocidente. A relação entre as mães asiáticas e as suas filhas, em particular, é amplificada nos filmes “Turning Red” e “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”.
Como mulher asiático-americana, vejo pela primeira vez no ecrã uma dinâmica mãe-filha que se assemelha à que tenho com a minha própria mãe. “Turning Red”, de Domee Shi, nomeado para melhor longa-metragem de animação, explora a luta de Mei Mei, de 13 anos, para superar a maldição geracional da sua família de se transformar num panda vermelho quando expressa as suas emoções. Esta é uma habilidade difícil para Mei Mei, que deixa muitas vezes as suas emoções levarem a melhor. E é uma maldição que afeta apenas as mulheres da família, por isso a mãe de Mei Mei Ming Lee (que tem a voz de Sandra Oh) e uma série de tias tentam ensiná-la a suprimir as suas emoções, a fim de controlar o panda vermelho que há em si.
No “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” dos “Daniéis” (Daniel Kwan e Daniel Scheinert são co-realizadores), a proprietária de lavandaria de meia-idade Evelyn, protagonizada pela atriz Michelle Yeoh, luta para salvar a sua filha Joy (Stephanie Hsu) do violento e multiverso alter-ego Jobu Topaki. Não sou fã de filmes de super-heróis, mas sou agora uma convertida - se explorarem a dinâmica de mãe e filha de famílias asiáticas imigrantes como acontece neste filme.
Demasiadas vezes na história do cinema americano, as mulheres asiáticas têm sido retratadas a uma só dimensão - pensem no filme “Full Metal Jacket” [“Nascido para Matar”, 1987] e na famosa frase "Me so horny" [“Mim cheia de tesão”, dita por uma prostituta asiática a soldados americanos]. Esta troca foi praticamente a única frase que uma mulher vietnamita teve num filme sobre o Vietname. E eu tive a infeliz experiência de ouvir esta frase a ser proferida em público, simplesmente porque sou asiática.
Assim, é emocionante e inspirador ver filmes que exploram as nuances das diferenças intergeracionais entre mulheres asiáticas da diáspora - em vez do monólito sexualizado habitual dos realizadores masculinos maioritariamente brancos.
Assisti a ambos estes filmes com a minha mãe. Estes filmes, e as nossas sessões de terapia individual, deram a raparigas asiático-americanas como eu uma oportunidade de falar com as nossas mães sobre as nossas emoções. Embora a minha mãe não tenha sido levada a soluços incontroláveis como eu, enquanto via os filmes, senti-me recompensada por explorar as nossas diferenças, em vez de dar cabeçadas quando os nossos diferentes níveis de intensidade emocional chocam.
A minha mãe nasceu nas Filipinas e acabou por se naturalizar como cidadã americana antes de eu nascer. Embora, obviamente, tenhamos as nossas diferenças geracionais, a distinção mais marcante entre nós centra-se na emoção. Tal como Mei Mei e Joy, é impossível para mim suprimir as minhas emoções, muitas vezes para desgosto da minha mãe. Qualquer pessoa à minha volta consegue instantaneamente dizer se eu estou feliz, zangada ou triste. Embora eu não descrevesse as minhas mudanças de humor como sendo tão omnicidas como as da Joy ou tão destrutivas como as da Mei Mei, estas personagens são uma metáfora pungente da diferença de como eu e a minha mãe nos sentimos e expressamos as nossas emoções, um tema com o qual outras famílias asiático-americanas se podem identificar.
Tal como Ming Lee, a minha mãe é estóica e acredita que esse é um valor crítico emular para os seus filhos. Embora ela não se transforme num panda vermelho se expressar sentimentos fortes, como Ming Lee faz perto do fim de do filme “Turning Red”, reter os seus sentimentos é uma tática de autopreservação. Sei agora que ela aprendeu com a sua mãe, que cresceu pobre nas Filipinas, que sobreviver é reprimir. Não há tempo para chafurdar ou debater sentimentos quando é preciso pensar na refeição seguinte ou se o marido vai regressar da guerra. E enquanto a minha mãe tentava transmitir-me essa capacidade, eu quebrei a característica genética com o meu próprio abraço à intensidade emocional.
Outro tema importante em ambos os filmes foi o delicado equilíbrio entre as expectativas de uma mãe e a individualidade das suas filhas. Tal como Joy e Evelyn, não cumpri todos os desejos da minha mãe, mas ela ainda me preza (embora possa haver outras versões de mim no multiverso que poderão representar filhas perfeitas).
Tal como estas mães e filhas no ecrã, eu e a minha mãe estamos a trabalhar para quebrar a nossa própria maldição geracional de reprimir as nossas emoções. A nossa vontade de nos compreendermos e de nos ouvirmos mais uma à outra é tão primordial como salvar a existência humana do caos do multiverso.
Que dádiva tão importante é ver estes temas desdobrarem-se tão vigorosamente no ecrã para um grande público. Embora muitas das referências culturais nestes filmes estejam firmemente enraizadas na experiência dos imigrantes asiáticos, estas dinâmicas não são exclusivas das mães e filhas asiáticas. Com base nas numerosas nomeações e na sua ampla celebração, estes filmes ressoam também para outras mães e filhas.
Esta relação poderosa e fundacional é merecedora da criatividade e exploração que estes filmes revelam de forma tão bela. Que os Óscares deste ano sejam um passo crucial em direção a mais nuances e histórias diversas sobre mães e filhas.