A mensagem de esperança para quem luta e para quem aposta: é possível
«Gonçalo Guedes transporta em si uma mensagem de futuro e de esperança quanto à formação do Benfica. É uma mensagem de que quem trabalha, agarra oportunidades e tiver qualidade, terá as suas oportunidades no Benfica do futuro. Mas acima de tudo, o que nos guia é a qualidade.»[Rui Vitória, antes da vitória frente ao Atlético, em Madrid]
Recordo-me vagamente dos meus 18 anos. Provavelmente porque dormia pouco, vivia a um ritmo demasiado alto e acreditava que o futuro podia esperar.
Entre setembro e outubro, testava-se a resistência entre dias e noites longas, receções ao caloiro e incomparável exposição a tentações.
O direito a conduzir tinha sido conquistado há curtos meses. Com ele veio uma reforçada sensação de independência. Era o fim da adolescência, dos doces anos, em que nada é demasiado importante e a responsabilidade é relativa.
Tinha apenas a vaga convicção de que iria ser jornalista, se me fosse dada a oportunidade para tal. Correu bem.
Faço essa viagem no tempo quando vejo Gonçalo Guedes e Rúben Neves na noite. Não em qualquer bar ou discoteca, como a maioria dos jovens da sua idade, mas em noites de Liga dos Campeões.
Não estão ali por acaso, por capricho, apenas por serem jovens, portugueses ou produtos da formação. Haverá no limite uma discriminação positiva, que defendo: em casos de igualdade, opte-se pelo que é da casa.
Acima de tudo está a qualidade, como salientam Rui Vitória e Julen Lopetegui. Mas transmitem uma mensagem de esperança para outras centenas de promessas no Benfica, no FC Porto e um pouco por todo o país.
É possível.
Gonçalo Guedes marcou pelo segundo jogo consecutivo e selou o triunfo dos encarnados em Madrid, frente ao Atlético (2-1). Foi o segundo mais jovem a marcar na prova pelo Benfica
A expressão direciona-se para centenas de jovens e respetivas famílias que se sacrificam ao longo de anos e anos, sem real perspetiva de sucesso, nos escalões de formação dos clubes.
Por cada Gonçalo e Rúben há dez, vinte bons valores que se perdem, por conta própria ou por falta de espaço. Ainda assim, estes nomes servem de referência e fator de motivação.
Gonçalo Guedes e Rúben Neves estão para os adolescentes da formação de Benfica e FC Porto como Leo Messi e Cristiano Ronaldo estão para o futebol mundial. São o patamar de excelência, de plenitude, de sucesso. O farol no mar incerto.
É possível.
O futebol português agradece. Temos o privilégio de viver na era de Ronaldo, um Ronaldo que continua a quebrar todos os recordes, e de outro Deus: Messi.
Agora, podemos guardar na memória estas noites europeias e dizer - daqui a cinco, dez ou quinze anos, enquanto perdurarem no topo - que vimos Gonçalo e Rúben a jogar como homens feito no Vicente Calderón, casa do Atlético de Simeone, e no Dragão, frente ao Chelsea de Mourinho. Aos 18 anos.
Gonçalo Guedes fez o segundo jogo na prova, em época de estreia na Liga dos Campeões. Rúben Neves surgiu mais cedo, já na temporada passada, mas foi titular em apenas um encontro da fase de grupos, em Donetsk. Nesta altura, reforça a influência no meio-campo portista.
É possível.
A mensagem não se destina apenas aos jovens. Serve igualmente para treinadores. O FC Porto derrubou o Chelsea com Rúben Neves, André André e Danilo Pereira no onze. O Benfica fez o mesmo em Madrid com Gonçalo Guedes, Nélson Semedo, André Almeida e Eliseu.
Rui Vitória – está no seu ADN de treinador - aceitou fazer aquilo que Jorge Jesus nunca fizera no Benfica, pese embora toda a sua valia: apostar cegamente em jovens da formação. No FC Porto, o mérito da aposta em Rúben tem de ser creditado sem reservas em Julen Lopetegui.
Os clubes não devem inverter a lógica de contratação de jogadores estrangeiros de qualidade. Longe disso.
Valores inequívocos como Nico Gaitán ou Júlio César, Aboubakar ou Casillas fazem todo o sentido no futebol português. Mas, na fase de advento das SAD’s, propagou-se a ideia de necessário investimento em valores emergentes, com idade sénior, para ter elevado retorno financeiro.
Se é certo que o FC Porto, por exemplo, teve neste defeso o maior encaixe da sua história com a venda de jogadores, não é menos verdade que, em 2004, um plantel dominado por apelidos portugueses chegou ao topo da Europa com orçamento reduzido - em comparação com os que se seguiram - e garantiu um incomparável registo de mais-valias financeiras (a diferença entre preço de compra e de venda).
É possível.
José Mourinho provou o conceito. Há onze anos. Com Vítor Baía, Paulo Ferreira, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Nuno Valente, Costinha, Maniche e Pedro Mendes de início na final da Liga dos Campeões, em Gelsenkirchen, frente ao AS Mónaco (0-3). Já nos esquecemos?
Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)