Cartão de memória: desculpa lá Kuffour

22 mai 2014, 00:10
Samuel Kuffour

Uma aposta na reviravolta mais épica em finais de Champions

Deve ter sido das minhas primeiras apostas.
 
Vinte escudos, nem mais nem menos. Aquilo era mais pela piada do que pelo valor.
 
Estávamos em maio de 1999, estava a chegar a final da Liga dos Campeões e eu andava encantado com aquele Manchester United. Achava que o mundo nunca tivera uma dupla tão letal como Yorke-Cole, projetava um futuro brilhante para Beckham, longe das passerelles, e acreditava que Giggs ainda seria capaz de jogar àquele nível mais uns cinco aninhos. 

Nunca fui – e ainda hoje não sou – de torcer por equipas estrangeiras. Não tenho, como muitos, uma preferência em Espanha, outra em Inglaterra ou Itália. Ou melhor, até tenho, mas varia de ano para ano. 

E aquele era o ano do Manchester United. Tinham-me conquistado nas meias-finais, com a vitória em Turim, com a Juventus, numa reviravolta de 2-0 para 2-3. Um aperitivo, sabe-se agora. 

Tinham sido campeões, tinham ganho a Taça uns dias antes. Nada os ia parar naquela final da Champions. 
 
Foi por isso que nem hesitei em estender a mão ao Ricardo. Vinte escudos no Manchester United. Ele avisou-me que o Bayern Munique também não era nada mau. Tinha boa equipa, podia fazer mossa. 

Vinte escudos no Manchester United, respondi. Fechado. 

E o Manchested United desapareceu. Não aguentou a pressão daquela aposta de recreio, entrou espantado no Camp Nou e foi engolido na onda alemã. 

Só me apercebi, confesso, algures na segunda parte. Vi, claro está, o golo de Mario Basler mas imaginei que seria apenas o primeiro capítulo da história. Aguardei pela reação. Paciente e tranquilo. Com alguma sobranceria, admito.

Na segunda parte lembrei-me da aposta. Os ingleses não reagiam e os alemães massacravam. Uma bola no ferro. Outra bola no ferro. Uma goleada sem aquela parte importante de meter mesmo a bola na baliza. 

Ainda houve tempo para tirar o Matthaus, para o aplauso. E ele sorria no banco enquanto eu via a vida a andar para trás. Não eram os vinte escudos, era o orgulho. Não podia estar errado. Não podia ser enganado. Era a minha esposa a trair-me e eu a ver. Não pode ser verdade. Não pode ser só isto. 

E os alemães carregavam. E não marcavam. Devia ter percebido, logo ali, que aquilo podia fazer a diferença. Não percebi. 

Só o fiz quando o Schmeichel subiu naquele canto e, como acontece sempre nestas alturas, a bola foi ter com ele (a sério, façam uma estimativa e vão ver que a bola vai quase sempre ter com o guarda-redes que sobe à área).  Confusão, bola para trás, remate enrolado, emenda de Sheringham e golo. 

E de repente havia vida. E os vinte escudos brilhavam. E talvez dê no prolongamento. E, a melhor parte, eu vou ter razão. 

Ainda estava neste turbilhão de pensamentos e Solskjaer faz o segundo. Demorei dois segundos a assimilar e quando ia erguer os braços a realização focou Kuffour. Fiquei sem sangue. 

Eu estava radiante pelos vinte escudos (mas acima de tudo porque ia ter razão, reforço) e aquele ganês de um metro e oitenta parecia um bebé. Deitado no relvado, a chorar e a bater com o punho na relva. 

A imagem do sofrimento é Kuffour em Camp Nou. 

E foi por isso que, no dia seguinte, quando o Ricardo me deu os vinte escudos eu peguei neles, juntei-os a outras moedas parecidas e comprei um bolycao. 

Ok, aquilo tinha sido chato para Kuffour mas eu ainda precisava de lanchar. 

Sorry, bro. 

«Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Pode questionar o autor através do Twitter. 

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