Há telefonemas e jantares de Galamba que deviam ter sido evitados (mas Relação não encontra crimes do ex-ministro)

18 abr, 18:00
Operação Influencer: Galamba

Tribunal da Relação de Lisboa defende que João Galamba não cometeu um crime de prevaricação. Das conversas telefónicas conclui que houve "um debate de ideias e opiniões divergentes"

“O Galamba quer pôr isto tudo a mexer, diz que é do interesse do país”. Esta é uma das frases destacadas pelo Ministério Público (MP) das escutas da Operação Influencer, imediatamente desvalorizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu anular as medidas de coação aos cinco arguidos que estiveram detidos durante uma semana. Os juízes desembargadores criticaram o MP por “tomar por factos o que são meios de obtenção de prova”. Afinal, os inúmeros telefonemas “limitam-se a reproduzir um meio de obtenção de prova”.

João Galamba, ex-ministro das Infraestruturas à data das escutas, foi mencionado 197 vezes no acórdão do Tribunal da Relação que negou provimento ao recurso interposto pelo MP. Os três juízes descreveram as conversas telefónicas entre decisores públicos e administradores da empresa Start Campus - promotora de um Data Center, em Sines - como “um debate de ideias e opiniões divergentes”. E destacaram ainda “o empenho e vontade política de João Galamba em impulsionar todo o processo administrativo necessário à implementação do Data Center e do parque fotovoltaico”.

Os juízes desconsideram os indícios que sustentaram as acusações de prevaricação, tráfico de influência e recebimento indevido de vantagem feitas pelo Ministério Público contra os nove arguidos da Operação Influencer, concluindo que nenhum dos crimes foi comprovado.

O "muito malandro" plano criminoso

No caso de João Galamba, um dos nove arguidos, o MP acusou-o do crime de prevaricação, na forma consumada, isto é, “estão presentes todos os elementos necessários para a verificação do crime”. Na génese da acusação estava “um conluio” entre os arguidos João Galamba, Rui Oliveira Neves e Afonso Salema, com o intuito de alterar o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), de modo a facilitar a aprovação do Data Center. A ideia era dispensar o licenciamento por parte da Câmara Municipal de Sines, ajudando a ultrapassar dificuldades e atrasos na criação do centro. Atos que os procuradores consideram terem sido realizados a pedido de Galamba, enquanto membro do Governo, que deveria tratar do assunto em Conselho de Ministros. Em escutas, Rui Oliveira Neves, administrador da Start Campus, foi ouvido a descrever este “plano criminoso” como “muito malandro”.

Contudo, o Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre este crime, considera que das escutas telefónicas “entende-se que havia uma combinação que se destinava a permitir a necessidade de licenciamento camarário fosse contornada” e que isso se tratava de “uma opção política”. Pelo que, “jamais se pode considerar prevaricação”. No entanto, assume que caso o MP tivesse alegado haver corrupção para ser produzida “uma lei à medida da Start Campus” a questão seria diversa.

A "inaptidão" do Ministério Público

O Tribunal da Relação critica repetidamente a lógica do Ministério Público, acusando-o de “inaptidão” e de utilizar afirmações “vagas” e “genéricas”. Na perspetiva dos juízes desembargadores, o que o MP retirou dos telefonemas foi “um conjunto de meras proclamações assentes em especulações”. A Relação desvaloriza as menos de uma dezena de escutas intercetadas a Galamba, frisando que o MP “não pode, nem deve confundir transcrições de conversas, com factos”. E deixa exemplos, nomeadamente quando o ex-ministro se referiu ao projeto da Start Campus como “o maior investimento privado em Portugal desde a Autoeuropa”.

Nem as chamadas telefónicas, nem os almoços, jantares, contactos, reuniões ou apresentações permitiram identificar “o tipo e origem da pressão”, argumenta o Tribunal da Relação, refutando a defesa do Ministério Público. É que os procuradores destacaram conversas em que João Galamba referiu que o Data Center era “um investimento importante para o interesse do país” e que Sines “é um dos municípios mais difíceis na relação com as renováveis”. Em conversa com Nuno Mascarenhas, Galamba afirmou: “se as coisas não avançarem vão lhes tirar os poderes”. Só que a Relação entende que o MP estava a tentar passar meras conversas a factos. “Factos e meios de prova são duas realidades muito distintas”. 

"Existiram e foram mantidas entre as pessoas que nelas figuram como seus interlocutores”, mas isso é diferente de "extrapolar" daquelas afirmações que houve “acordos estabelecidos entre os arguidos no sentido de Nuno Mascarenhas imprimir maior celeridade ao processo da Start Campus sob a ameaça de lhe serem retirados poderes”, entende a Relação, referindo que a celeridade é “um princípio orientador de toda a atuação da Administração Pública central ou local”. 

O "fluxo de telefonemas" e almoços que devia ter sido evitado

No que toca às refeições pagas por Afonso Salema e Rui Oliveira Neves a João Galamba, o Ministério Público concluiu que o pagamento das mesmas serviu para “criar ou reforçar em Salema e Oliveira Neves um sentimento de permeabilidade e vontade de favorecer os interesses da Start Campus”. Defesa que o Tribunal da Relação refuta novamente: “não é eficaz para a consumação do tráfico de influência”. 

Não obstante o argumento da Relação, os juízes reconhecem que todo o “fluxo de telefonemas” e os referidos almoços em que políticos e promotores de projetos de investimento “acertam estratégias de solução de problemas”, deveriam ter sido evitados. Isto porque “gera uma perceção de opacidade, promiscuidade e ilegalidade de procedimentos”. “Em nada abona para o rigor que se espera e exige dos decisores púlicos”. Todavia, refere que o direito penal “não julga comportamentos que só ética, social ou politicamente são censuráveis”. 

A influência de Galamba junto de Lacasta 

João Galamba é ainda acusado pelo Ministério Público de exercer influência junto do arguido Nuno Lacasta, antigo presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a propósito da apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental do Data Center e do parque fotovoltaico por parte da Start Campus "em conjunto e ao mesmo tempo". Porém, o Tribunal da Relação destacou que no requerimento do MP não há informação de que Nuno Lacasta “tenha alguma vez tido posição oposta à que verbalizou a Nuno Banza”, presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Nesta conversa, aos olhos da Relação, Lacasta não era da opinião de que esse estudo tinha de ser realizado dessa forma. Pelo que esteve sempre de acordo com João Galamba. Por isso mesmo, segundo a Relação, não exerceu influência junto do antigo presidente da APA.

A Relação refere ainda que “conversar com governantes do poder central ou local sobre interesses próprios não tem, só por si, nada de ilícito ou sequer de irrazoável”. Isto porque, o próprio procedimento administrativo tem “regras que asseguram a participação ativa de particulares nos processos de tomadas de decisão públicas acerca dos seus interesses”. E nota que “o tempo da administração pública e do poder político não é o tempo do mundo dos negócios e dos investimentos”.

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