Especialista britânico em crime financeiro defende fim de vistos ‘gold’ em Portugal

Agência Lusa , BCE
28 mar 2022, 19:33
Passaporte

Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em nove anos foram captados por via deste instrumento quase 6.200 milhões de euros, a maior parte correspondente à compra de bens imóveis

O jornalista britânico Oliver Bullough afirmou esta segunda-feira que o sistema de vistos ‘gold’ em Portugal deixou de fazer sentido depois de ultrapassada a crise financeira, porque pode atrair pessoas que querem esconder dinheiro ou fugir aos impostos. 

“Posso perceber [os vistos ‘gold’] nas circunstâncias em que Portugal introduziu a política, após a crise financeira", mas não "por que razão esta continua, agora que [o país] já não precisa” de atrair investimento estrangeiro desta forma, disse Bullough à Agência Lusa, durante uma apresentação em Londres do livro “Butler to the World”.

“Talvez se possa desculpar durante uma crise, mas em tempos normais é muito difícil de explicar. Quem é o tipo de pessoa que vai comprar vistos? Nós sabemos, porque podemos ver quem eles são. As pessoas que têm boas ideias de negócios podem obter vistos de outras formas”, argumentou o jornalista britânico. 

O programa de concessão de Autorização de Residência para Investimento (ARI) foi lançado, em outubro de 2012, durante a crise da dívida soberana. 

Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em nove anos foram captados por via deste instrumento quase 6.200 milhões de euros, a maior parte correspondente à compra de bens imóveis. 

Especialista expõe lacunas no sistema financeiro britânico em livro

Depois de ter vivido vários anos na Rússia, Bullough publicou vários livros sobre crime financeiro, lavagem de dinheiro e evasão fiscal, nomeadamente “Moneyland” em 2018 e agora “Butler to the World” [Mordomo do Mundo]. 

Na obra, expõe várias lacunas nos sistemas legislativo e financeiro britânicos que permitem a magnatas e criminosos movimentar dinheiro e comprar ativos no Reino Unido.

"Um exemplo clássico é a venda de 'vistos gold' para estrangeiros ricos que desejam mudar-se para o Reino Unido”, à semelhança de países como Portugal, Grécia ou Itália, escreve.

Bullough cita um estudo da Comissão Consultiva para a Migração britânica, que examinou o programa em 2014 e concluiu que "embora fosse extremamente benéfico para seus candidatos, quase não beneficiava o Reino Unido como um todo, ao mesmo tempo em que aumentava a desigualdade e, portanto, os problemas sociais”.

O esquema só foi suspenso em fevereiro, quando ficou evidente que ao longo de anos foi usado por centenas de oligarcas russos e familiares, que compraram mansões, fizeram doações a instituições culturais ou abriram empresas. 

Muitos deles acabaram por ser sujeitos a sanções na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia por estarem associados ao regime do presidente russo, Vladimir Putin.

Bullough considera que o impacto dos vistos ‘gold' na economia britânica é questionável. 

"Os candidatos a vistos ‘gold' não vêm para o Reino Unido para abrir empresas e criar riqueza, vêm para evitar impostos e escrutínio”, afirma no livro.

A Comissão Europeia pediu hoje aos Estados-membros europeus para “revogarem imediatamente” os regimes de cidadania pelo investimento, os passaportes dourados, e controlarem os regimes de residência, os vistos ‘gold’, programas com “riscos acrescidos” devido à guerra da Ucrânia.

Lembrando que “alguns cidadãos russos ou bielorrussos que estão sujeitos a sanções ou que apoiam significativamente a guerra na Ucrânia podem ter adquirido a cidadania europeia ou o acesso privilegiado à UE” ao abrigo destes regimes, Bruxelas pede que os países europeus enfrentem “os riscos imediatos” retirando eventuais concessões a estes oligarcas.

 O Governo português garantiu que nenhum cidadão russo com visto 'gold’ em Portugal faz parte da lista das pessoas sujeitas a sanções na União Europeia (UE). 

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