«A nossa ambição não tem limites»

21 fev 2001, 21:40

Motivação é palavra chave

- Face ao escasso tempo que tem para trabalhar com os jogadores, é correcto pensar que o seu papel como seleccionador passa mais pelas questões de concentração e motivação do que por outros aspectos?

- Concentração, motivação, gestão de recursos e um conhecimento profundo das características de cada um. Este último ponto é fundamental, tanto nos aspectos técnicos e tácticos como nas questões de personalidade e carácter. As pessoas às vezes esquecem-se de que eu apanhei a maior parte desta geração no Torneio de Toulon e na Selecção de Esperanças, logo a seguir ao título mundial de Lisboa, eram eles meninos com vinte anos ou menos. Conheço-os e tenho o prazer de trabalhar com eles há pelo menos dez anos. E há uma identificação muito grande porque eles também me conhecem e sabem o que eu sou capaz de fazer em benefício deles e da equipa. 

- Não é uma identificação muito ostensiva, digamos assim...

- Por vezes é um pouco silenciosa, porque eu não sou muito de de andar atrás dos jogadores e a falar com eles em público para dar a ideia de que a relação existe. Eu não preciso disso: já tenho essa relação com os jogadores há muito. Há uma identificação muito clara nesta equipa em torno de questões de carácter, objectivos e metodologias de trabalho. No fundo, estamos todos no mesmo lado, só que com níveis de responsabilidade diferentes. E podemos até divergir em algumas ideias desde que isso não implique fugir ao objectivo que abraçámos. 

- Que outros aspectos podem ser trabalhados nos dois/três dias de que dispõe antes de cada jogo?

- O trabalho destina-se apenas a rotinar, ou não deixar que se percam os mecanismos que eles já assimilaram. É apenas o afinar da máquina, tendo presente que os movimentos defensivos, no futebol, são muito repetitivos e mecanizados. Depois, com a bola, vêm o talento e a criatividade. Mas isso ninguém lhes ensina, não vou ser eu a querer ensiná-los. Os criadores, os produtores da identidade do futebol são os futebolistas. É bom não esquecer isto. 

- O seu principal problema como seleccionador é ter de gerir concorrência excessiva em alguns lugares?

- Não, isso é bom. Cada vez mais a Selecção é um espaço de excelência, onde só entra o grande jogador, de condições excepcionais. E depois há esta ideia, que vem de uma linha de continuidade assente no culto do esforço, da inteligência e da ética. Os jogadores devem entender - e já o fizeram - que fazem parte de um lote de elite, para servir os interesses da Selecção, e estes sobrepõem-se sempre aos individuais. Esse é um objectivo perfeitamente alcançado neste grupo. Também joguei à bola, também fui internacional, tenho um respeito enorme pela profissão, e por aquilo que os jogadores são capazes de fazer. Eu estou ali para gerir os recursos que eles me dão, para trabalhar com a inteligência que eles têm e obrigá-los a ter essa tal ética ao serviço de uma ideia que é maior do que qualquer um de nós. No fundo, eu e os jogadores andamos na mesma estrada, só que eu vou um bocado mais à frente. 

- Essa «ideia maior» resume-se à qualificação para o Mundial-2002?

- A qualificação para o Campeonato do Mundo é um feito que não será merecedor de comemorações na Baixa, mas que é bonito e gratificante. Em especial para esta geração que nunca teve uma oportunidade a esse nível. No fundo é uma janela de oportunidades que se abre a partir daqui. E temos de saber agarrá-la. Aqueles 90 minutos com a camisola da Selecção têm de ser a coisa mais importante da vida. Naquela altura não há clubes, nem carros, nem família, nem mais nada. Se conseguirmos isso em todos os jogos, vamos a meças com qualquer equipa, isso não tenho dúvida nenhuma. 

«Já vimos que somos os melhores, falta-nos ser os primeiros» 

- No primeiro dia como seleccionador teve uma frase que tem servido de mote a esta campanha...

- «Deixarmos de ser os melhores para passarmos a ser os primeiros...» 

- Exacto. Isso traduz-se em quê?

- Mentalidade, crença, convicção, disponibilidade e fé. Não há limites à ambição desta Selecção. Mas sabemos quais são as nossas limitações, são coisas diferentes. 

- Quais são essas principais limitações, já agora?

- Onde eu acho que o jogador português pode melhorar e tem melhorado a cada dia é ao nível da força mental. 

- Com esse discurso de ambição sem limites, se garantirmos a qualificação vai dizer aos jogadores que o próximo objectivo é sermos campeões do Mundo?

- Não gostamos de criar falsas expectativas. Temos um projecto comum, que para já contempla apenas o apuramento. Se o conseguirmos, teremos então de abraçar um novo projecto, um novo ideal. 

- Mas os próprios jogadores já admitem que não chega estar nas grandes competições é preciso deixar lá uma marca forte...

- Claro que é preciso deixar essa marca. Ai deles que não a deixem. Então se já vimos que somos os melhores, por que razão não podemos ser os primeiros? Mas para já temos de ser os primeiros na competição que está em curso. Depois, se Deus quiser, pensaremos na outra, para o ano. Para quê gastarmos energia a pensar numa coisa que ainda está longe e por enquanto nem sequer existe? 

- Por falar em marca, qual pensa ter sido o cunho que pessoal que trouxe à Selecção nestes sete meses?

- Essa ideia de deixarmos de ser os melhores para sermos os primeiros. Fazer ver aos jogadores que têm todas as condições criadas para ganharem coisas e não desperdiçarem esta oportunidade. Se o conseguimos ou não, logo se vê, mas pelo menos não seremos nós a contribuir para que essa oportunidade se perca. 

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