Apesar de destacar a novidade de ter excedentes dois anos seguidos, o Conselho das Finanças Públicas alerta que um nível de dívida elevado pode "limitar a capacidade de adoção de medidas"
A história económica de Portugal vai agora passar a contar com uma “excentricidade”: a previsão de excedentes orçamentais em dois anos consecutivos, uma proeza obtida com Fernando Medina ao leme, que traz “inéditas interrogações” sobre a orientação da política orçamental, nota o Conselho das Finanças Públicas (CFP). Apesar desta situação, o organismo alerta que a dívida pública ainda está em níveis elevados, o que pode “limitar a capacidade de adoção” de medidas nos períodos maus.
No Orçamento do Estado para 2024, prevê-se um excedente de 0,8% do PIB este ano que cai para 0,2% no próximo. “A previsão de saldos orçamentais excedentários em dois anos consecutivos surge como uma excentricidade na história económica do país e suscita inéditas interrogações sobre a orientação a dar à política orçamental”, comenta o CFP no relatório de análise da proposta, divulgado esta quarta-feira.
A questão que se coloca é se se “deve estimular mais a procura agregada (ou seja, atuando de forma pró-cíclica) ou se se deve conter o expansionismo orçamental, melhorando o saldo”, notam. A escolha de Medina foi… nem uma nem outra. “A análise à proposta de OE aponta para uma postura orçamental que se pode considerar neutra, quer para 2023 quer para 2024”, diz o CFP.
O excedente é mais reduzido em 2024 devido, essencialmente, ao “custo orçamental das medidas de política económica, quer novas, quer das aprovadas em anos anteriores, bem como a outras pressões orçamentais resultantes da legislação em vigor e contratos firmados”. As medidas novas terão um impacto líquido direto de 2.202 milhões de euros, que corresponde a 0,8 pontos percentuais do PIB, segundo os cálculos do CFP.
Este excedente “modesto” já não vai beneficiar do “dividendo inflacionista” que impulsionou a receita fiscal, sendo que se se materializarem os riscos negativos “o excedente pode não se concretizar ou o cumprimento da meta de 0,2% do PIB pode levar a uma execução orçamental constrangida”.
A entidade liderada por Nazaré Costa Cabral alerta ainda que, apesar do espaço orçamental obtido com os excedentes, ter “níveis elevados de dívida pública pode limitar a capacidade de adoção de medidas contracíclicas nos períodos maus da economia”.
O Orçamento prevê uma dívida pública já abaixo dos 100% do PIB em 2024, ainda que se mantenha elevada e acima da meta de 60% inscrita no Programa de Estabilidade e Crescimento. O próximo ano traz também um maior peso dos encargos com juros, alertam.
Conflitos geopolíticos e receita fiscal superior ao esperado são riscos ao cenário
O CFP identifica também os riscos orçamentais que podem por em causa as previsões inscritas no documento entregue pelo Governo ao Parlamento, começando pela atual conjuntura geopolítica, que pode trazer a necessidade de alocar verbas a respostas para a população, e pela execução do PRR. Receita fiscal pode também ser maior que o esperado.
Um enquadramento macroeconómico mais adverso do que o esperado teria impacto na receita, ao que acresce, “na atual conjuntura geopolítica o risco de não concretização de algumas das medidas propostas pelo Governo”. Isto já que pode ser necessária dar resposta, por exemplo, a uma subida do preço dos combustíveis.
Há também a “possibilidade de a receita fiscal e contributiva poder ficar acima do esperado pelo MF, caso as contribuições sociais efetivas apresentem um desempenho em linha com o crescimento esperado para as remunerações”, nota o organismo.
Salientam-se ainda “riscos no sentido de a execução da despesa poder vir a ser inferior ao previsto, nomeadamente uma menor execução de investimento público suportado por financiamento nacional e a não concretização das despesas do PRR nos montantes previstos na POE/2024″.