Um dos quadros mais caros do mundo é o mais recente alvo dos ativistas pelo clima

Agência Lusa , AG
11 nov 2022, 18:29
"O Grito" (Heiko Junge/Getty Images)

Duas das ativistas agarraram-se ao quadro enquanto a terceira filmava a cena, gritando “Não haverá grito quando as pessoas morrerem”

Três ativistas de um grupo ambientalista foram detidas na tarde desta sexta-feira depois de atirarem cola ao quadro “O Grito”, de Edvard Munch, no Museu Nacional de Oslo, em protesto contra a atividade petrolífera da Noruega. Trata-se de um dos quadros mais caros do mundo, tendo sido vendido em 2012 por 119,9 milhões de euros (sensivelmente o mesmo valor em euros).

A ação decorreu no mesmo dia em que o Conselho Internacional de Museus (ICOM), publicou uma mensagem alertando para o perigo que estas ações impõem às obras de arte, sem esquecer as ameaças que "as mudanças climáticas" também "representam para o património cultural", e na mesma semana em que representantes de cerca de 100 instituições museológicas de todo o mundo sublinharam a fragilidade das peças à sua guarda.

Sobre a ação, em Oslo, a polícia norueguesa, na sua página da rede social Twitter, informa que os seguranças do museu detiveram as jovens e alertaram os agentes de autoridade depois de estas terem atirado cola sobre o quadro, que não ficou danificado já que se encontra numa caixa de vidro. A caixa foi, contudo, afetada.

Duas das ativistas agarraram-se ao quadro enquanto a terceira filmava a cena, gritando “Não haverá grito quando as pessoas morrerem” e “Não haverá grito quando os políticos ignorarem a ciência”, informou a agência noticiosa NTB.

As jovens mulheres pertencem ao grupo ambientalista Stopp Oljetinga (Stop Oil Activity/Stop à atividade petrolífera), que, numa declaração, disse que a ação das ativistas se destinava a alertar as pessoas e a pressionar o governo norueguês para que este mude a política já que é o maior exportador de petróleo e gás da Europa Ocidental.

Uma porta-voz do grupo disse à emissora pública de televisão NRK que escolheram a obra mais famosa de Munch, uma pintura expressionista icónica, para chamar a atenção para ela-mesma, sem intenção de a danificar.

A ministra norueguesa da Cultura, Anette Trettebergstuen, reagiu ao incidente considerando que "esta é uma forma de ação inaceitável": "Enquanto muitos de nós apoiamos a luta climática como uma das mais importantes lutas do nosso tempo, atacar a arte sem preço não ajuda em nada a causa".

Ações semelhantes foram realizadas por grupos de ativistas contra as alterações climáticas em todo o mundo nas últimas semanas, que visaram uma pintura de Claude Monet, num museu perto de Berlim, "Girassóis" de Van Gogh em Londres, as “Majas” de Goya, em Madrid, e o "Massacre na Coreia", de Pablo Picasso, em exposição em Melbourne, na Austrália.

Obras de Andy Wharol, Vermeer e Botticelli foram também alvo de ações de protesto.

Numa declaração conjunta, representantes de perto de 100 instituições de todo o mundo, incluindo o Museu Guggenheim de Nova York, o Museu Britânico de Londres e o Museu do Louvre de Paris, alertaram esta semana para os riscos provocados por esses protestos climáticos a obras de arte de valor inestimável.

“Nas últimas semanas, houve vários ataques a obras de arte em coleções de museus internacionais. Os ativistas responsáveis pelas ações subestimam severamente a fragilidade desses objetos insubstituíveis, que devem ser preservados como parte de nosso património cultural mundial”, escreverem os representantes de museus e galerias de arte, citados hoje pelo jornal The Washington Post.

Também o grupo de 92 representantes ICOM, numa mensagem publicada hoje no seu 'site', declara que os diretores dos museus estão cada vez mais "frustrados" e "profundamente abalados" pelo perigo que estas ações impõem à arte.

Em resposta à declaração coordenada esta semana dos museus, sobre o risco imposto às obras, um porta-voz do grupo de ação climática do Reino Unido Just Stop Oil – que, entre outras ações, atirara sopa de tomate ao quadro "Girassóis" - disse hoje ao Washington Post que “a arte e as galeria públicas são também lugares de contestação". “Acabar com o novo petróleo e gás é uma luta que precisa ser feita dentro e fora das galerias”.

Após as recentes ações de ativismo climático em museus, o ICOM reconheceu e compartilhou "as preocupações expressas pelos museus em relação à segurança das coleções e as preocupações dos ativistas climáticos diante de uma catástrofe ambiental que ameaça a vida na Terra".

"O ICOM vê a escolha dos museus como pano de fundo para esses protestos climáticos como um testemunho de seu poder simbólico e relevância nas discussões em torno da emergência climática", lê-se na declaração do ICOM que relembra "o papel dos museus como atores-chave no início e apoio à ação climática com suas comunidades" e elogia o compromisso com esta missão, demonstrada através de programas educacionais, exposições dedicadas, divulgação comunitária e pesquisa.

O ICOM chama a atenção para o impacto que essas manifestações podem ter no trabalho de profissionais e voluntários de museus que se esforçam na promoção e proteção dos “valiosos bens do património para usufruto público”.

"Para alcançar todo o potencial transformador que os museus têm para o desenvolvimento sustentável", o ICOM deseja que os museus sejam vistos como aliados na resposta à ameaça comum das mudanças climáticas, lê-se ainda na declaração.

Enquanto líderes políticos e da sociedade civil se reúnem em Sharm El-Sheik para a conferência mundial do clima COP27, o ICOM "lembra a necessidade de uma ação corajosa para reduzir as emissões de carbono e mitigar o aquecimento global. As mudanças climáticas representam uma ameaça crescente para o património cultural, tangível e intangível, museus e suas coleções – de desastres naturais a crescentes dificuldades em manter as condições de conservação devido ao clima extremo", conclui.

Em Portugal, os diretores de museus contactados pela agência Lusa, na semana passada, manifestaram-se preocupados com os casos de ações ambientalistas, que condenaram, tendo intensificado a vigilância do património cultural à sua guarda.

Em causa está "a própria natureza democrática" dos museus, que trouxeram a arte para o espaço público, e a tornaram "propriedade coletiva dos cidadãos", como sublinharam, nesse trabalho divulgado pela agência Lusa.

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