Estatuto da Ordem dos Notários: será preciso explicar aos cidadãos “os riscos que correm quando se dirigem” a pessoas sem a qualificação certa

24 jun 2023, 19:00
Emprego (Adobe Stock)

Para Jorge Batista da Silva, bastonário da Ordem dos Notários, o grande risco desta alteração legislativa, em relação às Ordens, está na necessidade de “reeducar os cidadãos” para que aquilo que parece “eventualmente mais barato” não saia, depois, “muito caro”

A Ordem dos Notários conheceu esta semana a proposta final relativa aos Estatutos da Ordens e admite que há alguns pontos que não os deixam completamente satisfeitos. Há “três pontos importantes que vamos tentar que o Parlamento aperfeiçoe”, afirmou Jorge Batista da Silva, bastonário, à CNN Portugal. Apesar de assumirem que várias sugestões feitas pela Ordem dos Notários estão incluídas no documento final, conseguem identificar um “grande problema” nesta alteração legislativa: “a necessidade de informar os cidadãos e os consumidores dos riscos que correm quando se dirigem profissionais que não possuem as qualificações certas e não são regulados por nenhuma entidade”.

“Esse é que é o grande risco desta evolução legislativa. Ou seja, terá de existir uma reeducação dos cidadãos no sentido de eles perceberem que tipo de serviço é que estão a adquirir, que até pode parecer porventura mais barato - ou não - e depois pode sair muito caro”, alerta Jorge Batista da Silva.

Em relação aos pontos que consideram que necessitam de ser melhorados, o primeiro está relacionado “com a clarificação absoluta daquilo que são os serviços prestados por notários, no sentido de constar no nosso estatuto que serviços notariais são aqueles prestados pelos notários”. Não pretendem excluir “ninguém da prestação de serviços concorrentes”, mas assumem-se preocupados com quem os procura. 

“O que nos preocupa é que o cidadão, visto da ótica da autoridade da concorrência, como consumidor, saiba exatamente qual é a entidade que está a prestar serviços. Até para que possa ser convenientemente regulado, e que o cidadão, quando tem uma queixa, se possa dirigir à Ordem dos Notários, ao Provedor - que agora será instituído - ao Ministério da Justiça, etc. Mas que isso fique exatamente claro e que a expressão ‘serviços notariais’ não seja utilizada por outros”. 

Um segundo aspeto está relacionado com “o âmbito das competências atribuídas” e que “ficasse claro quais são aquelas que os notários exercem, e apenas os notários exercem, como por exemplo os testamentos. Não se trata de atribuir competências novas, mas apenas de uma clarificação do artigo”, explica o bastonário da Ordem dos Notários. 

O último ponto está relacionado com algo que a Ordem defende há já algum tempo: “Defendemos que todos os notários deviam poder fazer em todos os cartórios do país divórcios por mútuo consentimento”. Algo que, atualmente, “só é permitido nas conservatórias do registo civil”.

E não tem dúvidas em considerar que “a vida dos cidadãos podia melhorar, porque temos 500 balcões espalhados pelo país, interior, ilhas e litoral e podemos, facilmente, tornar este serviço ainda mais célere ou, pelo menos, os cidadãos terem mais escolha do que há agora”.

“Há um seguro para pagar, como se nós tivéssemos num acidente de carro”

Mas entre todas as alterações, o bastonário consegue identificar outra questão. “Ainda há um segundo problema, que tem a ver com o problema da responsabilidade. As ordens profissionais têm todas a obrigatoriedade de os seus membros terem um seguro de responsabilidade civil de, pelo menos 100 mil euros, e no caso dos notários é a Ordem que suporta esse seguro”.

E esta questão não é pequena porque “quando há algum problema e alguém é lesado porque o profissional redigiu mal ao seu contrato”, de forma negligente, “há um seguro para pagar, como se tivéssemos num acidente de carro”. Mas se o cidadão “se dirigir a outra pessoa qualquer, já não vai existir seguro e, portanto, se aquela pessoa não tiver bens para lhe pagar, já ninguém lhe paga o prejuízo que teve”.

Jorge Batista da Silva acredita que “num mundo globalizado” é cada vez mais “difícil existir este tipo de restrições” nos serviços. Além de que a evolução tecnológica continua a surpreender. “Existem aplicações informáticas para a realização de contratos. Não sediadas em Portugal e que aplicam a lei portuguesa. E isso concorre diretamente com todas as profissões jurídicas, sejam notários, conservadores, etc”. 

Isto não significa que sejam boas opções, até porque, prossegue o bastonário, há muitas situações que correm mal. “Esse tipo de aplicações informáticas são soluções tipificadas e que, portanto, podem acertar em alguns casos, mas para muitos podem ser completamente inadequadas”, admite. 

Em relação às sugestões deixadas pela Ordem dos Notários, e aceites, destaca, por exemplo, “a possibilidade de apostilarmos documentos, que é um ato legal que os cidadãos precisam quando têm de enviar um documento para o estrangeiro. Só podia ser feito em cinco locais e agora poderá ser feito em todos os cartórios do país”. 

O bastonário destaca ainda, no âmbito da circulação dos documentos internacionais, “a possibilidade de fazermos certificados sucessórios europeus, que também é um documento, no caso das partilhas, em que alguém está no estrangeiro. Também só podiam ser feitos nas conservatórias e passam a ser feitos também pelos notários”.

Perante a possibilidade de surgirem mais casos de usurpação de funções, defende que “do ponto de vista legislativo deve ser cada vez mais claro e penalizado a utilização de uma função ou de uma competência que as pessoas não têm”. Preferia mesmo que esta legislação fosse “mais longe” nessa matéria. 

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