Nestlé sob escrutínio: nível de açúcar adicionado a produtos de bebés desafia recomendações da OMS

CNN Portugal , MTR
18 abr, 23:30
Bebé

Ativistas da Public Eye enviaram amostras de produtos alimentares para bebés vendidos em África, Ásia e América Latina para um laboratório belga de modo a serem analisados. Os resultados, bem como a análise da embalagem dos produtos, revelaram adição de açúcar na forma de sacarose ou mel em amostras de Nido, uma marca de fórmula láctea destinada a bebés com um ano ou mais, e Cerelac

Um relatório publicado pela organização de investigação suíça Public Eye e a International Baby Food Action Network (IBFAN) afirma que a marca Nestlé, que é a maior empresa de bens de consumo de todo o mundo, adiciona açúcar e mel ao leite infantil e aos produtos à base de cereais vendidos em países mais pobres ou de médio rendimento.

A  Public Eye e a IBFAN, examinaram cerca de 150 produtos vendidos pela Nestlé em países de baixo ou médio rendimento. Quase todos os cereais infantis Cerelac examinados contêm adição de açúcar – quase 4 gramas por porção, em média, o equivalente a aproximadamente um cubo de açúcar – embora sejam destinados a bebés a partir dos seis meses de idade. A quantidade de açúcar mais elevada foi detetada num produto vendido nas Filipinas, com 7.3 gramas por porção. O mesmo produto de cereal Cerelac para bebés de seis meses tem diferentes gramas de açúcar por porção consoante o país. O cereal comercializado no Reino Unido e Alemanha não contém açúcar adicionado enquanto que, por exemplo, na Etiópia contém mais de cinco gramas por porção e na Tailândia seis.

A multinacional publicita estes produtos como essenciais para o desenvolvimento saudável das crianças nos mercados africanos, asiático da América Latina. Ativistas da Public Eye enviaram amostras de produtos alimentares para bebés vendidos em África, Ásia e América Latina para um laboratório belga de modo a serem analisados. Os resultados, bem como a análise da embalagem dos produtos, revelaram adição de açúcar na forma de sacarose ou mel em amostras de Nido, uma marca de fórmula láctea destinada a bebés com um ano ou mais, e Cerelac, um cereal destinado a crianças com mais de um ano de idade, de entre seis meses a dois anos.

Segundo o African Union, de acordo com informações divulgadas em março deste ano, quase uma em cada três crianças com excesso de peso que tem menos de cinco anos de idade no mundo vive em África, enquanto que "as taxas de obesidade entre as crianças e adolescentes do continente com idades entre os cinco e os 19 anos duplicaram desde 2016, aumentando o risco de diabetes, doenças cardíacas e alguns tipos de cancro."

Segundo a revista TIME, as diretrizes europeias da OMS recomendam que não sejam utilizados açúcares ou adoçantes na alimentação de crianças com menos de três anos de idade. Não existem orientações específicas para outras partes do mundo, mas a sugestão europeia deve ser aplicável internacionalmente. Citada pelo The Guardian, Laurent Gaberell, especialista em agricultura e nutrição da Public Eye, afirmou: “A Nestlé deve pôr fim a estes double standards perigosos e parar de adicionar açúcar em todos os produtos para crianças com menos de três anos de idade, em todas as partes do mundo”. De acordo com Gaberell, não é fácil para os consumidores decifrarem a quantidade de açúcar que é adicionada a um produto, com base em rótulos  apenas,uma vez que estes geralmente incluem já os açúcares naturais do leite e frutas juntamente com os posteriormente adicionados.

Também Nigel Rollins, cientista que trabalha na OMS, segue a linha de raciocínio da especialista da Public Eye afirmando que as descobertas revelam um "double standard injustificável". Desde 2022, a OMS pede a proibição de açúcares adicionados em produtos para bebés e crianças com menos de três anos por alertar que a exposição ao açúcar em idades tão precoces pode criar uma preferência por este tipo de produtos para o resto da vida, o que aumenta o risco de vir a desenvolver obesidade e outras doenças crónicas. Em declarações à TIME, Laurent Gaberell afirma "A única razão pela qual a Nestlé faz isto é basicamente porque sabe que as crianças gostam de açúcar e que voltarão e quererão o seu produto. É apenas para aumentar as vendas do seu produto.” 

De acordo com o relatório, uma das razões pelas quais a adição de açúcar é permitida em produtos a serem consumidos por bebés, é a falta de regulamentação, apesar de irem contra as recomendações da OMS, estes níveis de açúcar são permitidos pelas diversas leis dos respetivos países. Isso acontece porque a maioria dos países se rege pelo Codex Alimentarius, um conjunto de normas internacionais que permite a adição de açúcar até certos limites. A OMS pediu a atualização desses padrões de forma a que alinhem com as suas diretrizes sendo que o grande obstáculo a eventuais mudanças é a forte presença da indústria alimentícia nas decisões do Codex que pode influenciar a formulação das normas, resultando em padrões menos protetores, em comparação com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Outro dos pontos analisados pela Public Eye e IBFAN foi o chamado "marketing médico", utilizado pela Nestlé, que foi uma "pioneira" nesta técnica segundo Phillip Baker, investigador da Universidade de Sydney, citado no relatório. pelo  para fortalecer laços com profissionais de saúde e assim obter o apoio da comunidade científica. Posicionando-se como um parceiro dos pais no que toca à nutrição dos seus filhos, esta abordagem do "berço ao túmulo", segundo Baker, tem como objetivo de "conseguir que os consumidores, desde muito jovens, desenvolvam essa fidelidade à marca e as preferências de sabor para com os seus produtos". A empresa criou, inclusive, uma "plataforma educacional" intitulada Baby and Me, disponível em mais de 60 país, com a premissa de promover uma alimentação saudável para bebés, mas com uma presença constante de publicidade a produtos da Nestlé. 

Em declarações à TIME, um porta-voz da Nestlé afirmou que "comida de bebé é uma categoria altamente regulamentada. Onde quer que operemos, o nosso portfólio está em conformidade com regulamentações locais ou padrões internacionais, incluindo os requisitos de rotulagem e limites de carbohidratos a utilizar, que inclui açúcares".

Em Portugal, os níveis de açúcar dos produtos Cerelac e Nido, não passam dos 0.35g por porção (gramas), sendo que o valor mais elevado é do leite em pó Nido para maiores de 3 anos, segundo a informação nutricional disponível. A gigante alimentar, controla 20% do mercado de alimentos para bebés, avaliado em quase 70 mil milhões de dólares. Com mais de 2,5 mil milhões de dólares em vendas mundiais em 2022, Cerelac e Nido são algumas das marcas de comida para bebé mais vendidas da Nestlé em países em desenvolvimento ou de baixo e médio rendimento.

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