Devem os pais contar a verdade sobre o Pai Natal às crianças? Até que idade é saudável elas acreditarem no velhinho barbudo?

CNN Portugal , FMC
8 dez 2022, 10:00
Pai Natal (Tristan Fewings/ Getty Images)

A reposta não é simples. Por um lado, enquanto o assumem como real, as crianças são felizes. Por outro, essa felicidade é finita e o momento em que o mito desaba pode ser angustiante tanto para os mais novos como para os adultos

O Natal está quase a chegar. Ainda que desejada por muitos, esta fase do ano é frequentemente associada aos mais novos, que passam esta altura deslumbrados com as luzes, os presentes e, sobretudo, com o Pai Natal. Os seus olhos brilham quando se deparam com o homem velho, barbudo e barrigudo, que emana magia, amor e altruísmo, e, claro, distribui presentes.

Contudo, será que é positivo as crianças acreditarem na sua existência? A reposta é ambígua e nada fácil. Por um lado, enquanto o assumem como real, são felizes. Por outro, essa felicidade é finita e o momento em que o mito desaba pode ser difícil. Este é um dos dilemas que muitos pais enfrentam por esta altura. Devem ou não contar a verdade? E se eles souberem por outra via? Vão ficar desiludidos porque mentimos? Será que a minha criança já é demasiado crescida para viver nesse mundo imaginário? 

Marta Calado, psicóloga clínica, começa por assegurar que esta crença é “saudável, benéfica e que não vai prejudicar a criança ao longo do tempo”, lembrando que as personagens mitológicas fazem parte das vivências dos mais pequenos. "Existe a fada dos dentes e até os amigos imaginários" e até a crença de que é o menino Jesus que deixa os presentes debaixo da árvore. Faz parte do próprio crescimento viver num mundo de fantasia que não deve ser arruinado repentinamente. “Estamos a falar de um mundo de fantasia e quando a criança o vive é uma criança feliz”, sublinha a especialista.

Para Joana Meneses Martins, educadora de infância, "o Natal tem muitas vertentes", mas, no geral, "é amor e magia", e o velhinho barbudo faz parte disso. A crença no Pai Natal "ajuda a pensar, potencia a criatividade, a imaginação e a capacidade de sonhar", argumenta.

Mesmo as crianças que ainda não associam à figura uma história por ainda serem demasiado pequenas, é normal que comecem a associá-la a "coisas boas, como os presentes e a magia", diz Flávia Gomes, educadora de infância.

"O Pai Natal é uma imagem que alenta o coração, porque o Natal é isso mesmo", diz Joana Meneses Martins, o que o torna num símbolo do que a festividade pretende representar: amor, união, solidariedade, família e benevolência.

Contudo, o momento em que a fantasia desvanece pode ser traumático, o que leva muitos pais a optarem desde o início por relatar uma versão mais verosímil, contando, por exemplo, a vida do bispo São Nicolau. Diz-se que ele é quem deu vida à lenda do Pai Natal. Numa cidade na Turquia, há muitos séculos, este bispo ganhou notoriedade pela sua caridade ao distribuir oferendas aos mais necessitados.

Num artigo denominado "It´s a Wonderful Lie" ["É uma mentira maravilhosa", numa tradução livre] publicado na revista "The Lancet" em dezembro de 2016, os autores Christopher Boyle e Kathy McKay defendem que essa deve a verdade contada às crianças. Falando da sua experiência dececionante quando descobriram que a história mágica se tratava de uma mentira, Boyle e McKay advogam que o melhor é cingir-se a factos.

Ainda que não seja consensual a forma como o assunto deve ser abordado, os pais devem escolher o que sentirem ser o mais favorável para os filhos, defende a psicóloga Marta Calado.

“Se tu acreditas é porque para ti existe”

Para aqueles que crescem com a fantasia do velhinho barbudo que emerge nesta altura, é inevitável que chegue o momento em que as crianças percebem que se trata de algo inverosímil.

O próprio amadurecimento motiva o espírito crítico e a "perceção do mundo exterior", o que conduz a que certas evidências do dia-a-dia comecem a levantar dúvidas. Aliado a isso, o acesso fácil a redes sociais e a motores de busca como o Google, bem como conversas com colegas de escola podem rapidamente expor a realidade, enfatiza a psicóloga Marta Calado.

Por mais desafiante que pareça ser, a especialista nota que é um momento que é mais assustador para os pais do que para os filhos. Porém, os pais não deixam de desempenhar um papel fundamental nesta fase do processo, de forma a que a transição do mundo do faz-de-conta para o factual seja o mais suave possível. Um dos pontos mais importantes é não existir pressa para contar que o Pai Natal não existe. Tudo será mais fácil se a iniciativa partir da própria criança.

Se um colega revelou, se viu num vídeo que apareceu no Tik Tok, os pontos começam a não encaixar e tudo isso começa a criar um "puzzle" na mente dos mais novos que é difícil de decifrar, levando-os a recorrer a adultos de referência. Nesse processo, “os pais devem ser facilitadores. Devem contar a verdade a partir do que a criança já sabe”, defende a psicóloga, acrescentando ainda que a desmistificação deve ser feita em função de cada criança. O “discurso deve ser personalizado e individualizado” e em função do “nível de aceitação” de cada um, elucida.

A especialista salienta também que toda a situação “nada tem a ver com confiança ou honestidade”. “Não existe aqui uma quebra da confiança para com os pais”, acautela. O essencial é que exista sensibilidade e empatia. Não se pode simplesmente dizer abruptamente que não é real, diz Marta Calado. O adulto deve considerar qual é o estado emocional da criança e o que lhe "é mais favorável".

“Deve-se tentar perceber o que a criança sente, explorar os sentimentos e o que lhe vai na cabeça”, argumenta.

Como figuras importantes no quotidiano das crianças, as educadoras de infância acabam por também ter de desempenhar esse papel. "Se me aparecer um deles que me diz que o colega disse que o Pai Natal não existe, o que eu faço é fazer-lhes uma pergunta: o que é que o teu coração diz a respeito disso? O que é que tu sentes que é a verdade?”, conta Flávia Gomes. 

Joana faz o mesmo: “dou-lhes outra questão. Mas tu queres que ele exista?” e com um a resposta afirmativa, nada mais há a dizer que não seja “então ele existe”. “Se tu acreditas é porque para ti existe. O Pai Natal só existe para quem acredita”, diz Flávia Gomes dizendo que é a maneira como encara a questão, não só como educadora, mas também como mãe.

Contudo, importa destacar que ambas as educadoras de infância são da opinião que as crianças "não são tontas" e que se deve deixar que grande parte da história pertença somente à imaginação, estimulando-a e tornando a realidade uma mentira menor. É um momento que pertence apenas às crianças.

Flávia Gomes defende que as recriações na noite de Natal em que os familiares se mascaram destroem parte da magia que deve ser preservada. "Eles percebem. A entrega dos presentes deve acontecer de forma inesperada e surpreendente", deixando que esse momento seja idealizado por eles. 

Deve-se permitir a fantasia, mas não os deixar "cair em fábulas", clarifica também Joana Meneses Martins. 

“Com segurança e verdade, ele existe, mais que não seja no imaginário deles”, concretiza Flávia Gomes.

Existe uma idade certa para a verdade?

Eventualmente, as crianças acabam por sair desse mundo ilusório, o que pode desencadear alguma desilusão, como acontece com tantas outras descobertas relacionadas com as verdades dos adultos, diz Marta Calado. Ainda assim, a especialista frisa que a desilusão irá dar lugar à resignação e à adaptação à nova realidade.

Normalmente, acontece na transição para o primeiro ciclo, diz Flávia Gomes, contudo, defende que "não há uma idade certa para que saibam a verdade". 

A descoberta vai depender da motivação e maturidade da criança, afirma a psicóloga Marta Calado, acrescentando que não existe uma idade-padrão. "As crianças acreditam no Pai Natal enquanto lhes faz sentido", remata Joana Meneses Martins, que diz que, independentemente da idade, nunca é a portadora da frase "ele não existe". 

Marta Calado alerta, no entanto, que quando o espírito crítico da criança já está demasiado apurado e as dúvidas são levantadas poderá ser prejudicial insistir na mentira, por mais inofensiva que seja.

Portanto, a verdade deve ser revelada quando for notório que "é o mais favorável para criança", depois de ser analisado o que ela já sabe, qual o seu estado emotivo e a sua predisposição para o fim da fantasia.

"Deixar as crianças serem crianças"

Seja qual for a realidade em que vivam, o mais importante é o bem-estar e felicidade dos mais novos. Sejam crentes no Pai Natal ou noutra fantasia, o respeito é crucial e não é um problema deixá-los viver num mundo ilusório, enquanto assim o desejarem. "É necessário deixar as crianças serem crianças", argumenta a psicóloga, ao que Joana Meneses Martins acresce que é bom deixar que as suas pequenas mentes criem e imaginem, o que "infelizmente os adultos já perderam".

Independentemente da maneira como este momento é vivido, o fulcral é que a principal mensagem de Natal seja transmitida: devemos ser solidários principalmente com quem mais precisa, tal como foi o bispo São Nicolau e tal como o Pai Natal procura ser. "Todos nós podemos ser Pais Natais na vida de alguém", enaltece Flávia Gomes.

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