Desligou em agosto? Um guia para se sintonizar na rentrée

ECO - Parceiro CNN Portugal , Joana Abrantes Gomes e André Veríssimo
1 set 2023, 10:43
António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia da tomada de posse dos novos secretários de Estado (Tiago Petinga/ Lusa)

Estes são os principais temas que dominaram agosto e que vão marcar os próximos meses, da economia à política, passando pelos acontecimentos internacionais

Agosto é o mês de férias por excelência, mas longe vai o tempo em que nada de muito relevante acontecia ao longo dos 31 dias do mês. Até a silly season na política foi este ano bem menos silly, com um veto presidencial ao grande pacote do Governo para resolver a crise na habitação.

A economia não está em crise, mas oscila entre a estagnação e uma recessão ligeira. Nas últimas semanas surgiram novos dados a demonstrar que o motor do euro gripou. Já a inflação continua longe do objetivo dos bancos centrais, agravando os dilemas da política monetária.

Na China, ao abrandamento económico juntou-se a ameaça de deflação. Na frente internacional, o Presidente Xi Jinping reforçou a influência junto das nações do sul global com a entrada de mais seis países no grupo dos BRICS.

Veto do Mais Habitação e o ataque fiscal do PSD

Marcelo Rebelo de Sousa levou “uma carrinha” de diplomas para analisar durante as habituais férias por praias algarvias e acabou mesmo por protagonizar mais um braço de ferro entre os palácios de Belém e de São Bento, ao vetar as leis mais polémicas para o setor da habitação, nomeadamente a que regula o arrendamento coercivo por parte do Estado e as novas regras do alojamento local.

A decisão do Presidente da República foi política, já que não enviou o diploma para o Tribunal Constitucional. Segundo Marcelo, mesmo depois das alterações, o Mais Habitação não é “suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo” nem “mobilizador” e “confirma” os “riscos” já levantados após o Governo ter apresentado a proposta de lei. Ainda assim, promulgou o decreto que autoriza a simplificação dos procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território.

PS fez logo saber que vai confirmar o diploma para o setor da habitação “tal como ele está“. Apesar de respeitar a “discordância” de Marcelo, o líder da bancada parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, afirmou que já em setembro o partido dará “os passos necessários para a confirmação” do Mais Habitação.

No mesmo dia em que anunciou o veto ao Mais Habitação, o Chefe de Estado deu ‘luz verde’ ao diploma que visa corrigir os efeitos assimétricos gerados pelos dois períodos de congelamento das carreiras dos professores, depois de ter negociado com o primeiro-ministro a inclusão de um parágrafo que figurasse “a ideia de que não se encerra definitivamente o processo” de recuperação integral do tempo de serviço dos docentes.

Agosto é também sinónimo de rentrée política para vários partidos. Foram os liberais a dar início às festividades, com o “A’gosto da liberdade”, mas foi a tradicional Festa do Pontal do PSD, no Algarve, a ter maior destaque. Os sociais-democratas propuseram uma “reforma fiscal para Portugal“, que inclui uma redução do IRS e incentivos à permanência dos jovens no país.

À esquerda, a proposta dos sociais-democratas foi recebida com críticas, mas o Chega (que também teve um jantar comício no sul do país) e a Iniciativa Liberal admitem viabilizá-la. Certo é que o programa, assente em cinco grandes medidas, será apresentado nas negociações do Orçamento do Estado para 2024.

Já as iniciativas do PS, PCP e Bloco de Esquerda para marcar a reabertura da época política decorrem todas este mês. Entre 1 e 3 de setembro, os comunistas reúnem-se na Quinta da Atalaia, no Seixal, para a habitual Festa do Avante. De 6 a 10, há a Academia Socialista em Évora, enquanto os bloquistas se encontram em Viseu nos dias 8, 9 e 10 de setembro.

As próximas presidenciais são só em 2026, mas já começaram a mexer. No último domingo, Luís Marques Mendes usou o seu espaço de comentário televisivo na SIC para sinalizar uma eventual candidatura às eleições presidenciais de 2026. Isto se, nas palavras do próprio, “houver utilidade para o país” e “um mínimo de condições para avançar”.

O antigo presidente do PSD rejeita ter qualquer decisão tomada neste momento ou um acordo com Luís Montenegro, atual líder social-democrata, mas deixou vincada a sua disponibilidade antes da Universidade de Verão, que conta com a presença de Paulo Portas e Durão Barroso, também vistos como presidenciáveis. Certo é que o tema pegou, pelo menos por uns dias.

Alemanha e China perdem gás. Juros com navegação à vista

El Niño levou os termómetros a bater recordes este verão. Já a economia europeia está a arrefecer, em particular a alemã. O motor europeu (ainda o é?) estagnou entre abril e junho, depois de contrair 0,4% e 0,1% nos trimestres anteriores. Os indicadores avançados apontam para novo mergulho entre julho e outubro.

O índice do inquérito aos gestores de encomendas (PMI, na sigla em inglês), um dos indicadores mais seguidos pelos economistas, caiu em agosto para os 44,7 pontos, o pior registo na Alemanha em mais de três anos (valores abaixo de 50 indicam uma contração da atividade). O país tem sido penalizado, sobretudo, pela quebra na indústria, castigada pela escassez de microprocessadores ou o arrefecimento da China e dos EUA, grandes clientes.

Um dado novo e preocupante que chegou em agosto foi que, além da indústria, também os serviços estão a entrar no vermelho. O PMI do setor desceu de 50,9 pontos em julho para 48,3 pontos em agosto. Os inquéritos deram ainda conta de um ressurgimento das pressões inflacionistas. A taxa de inflação homóloga na Zona Euro ficou estabilizada em 5,3% no mês passado. Face ao mês anterior acelerou 0,6%, de acordo com a estimativa preliminar do Eurostat.

A fragilidade da economia, combinada com uma inflação ainda demasiado elevada, coloca um dilema ao Banco Central Europeu (BCE), que foi visível no simpósio económico em Jackson Hole. Enquanto o governador do Banco de Portugal sublinhou que o banco central do euro “precisa de ser cauteloso”, a presidente do BCE, Christine Lagarde, alertou que as taxas de juro vão ter de estar “em níveis suficientemente restritivos pelo tempo necessário” para levar a inflação de volta para a meta de 2%. A expectativa dos economistas consultados pela Reuters é de que a autoridade monetária decida fazer uma pausa em setembro, admitindo, no entanto, uma nova subida até ao final do ano.

Do outro lado do Atlântico, a encruzilhada é a mesma. O presidente da Reserva Federal afirmou em Jackson Hole que a inflação continua “demasiado elevada”, mas prometeu que o banco central será “cuidadoso a decidir”. Um aspeto fundamental mudou. O curso deixou de estar definido. Com o impacto das subidas dos juros ainda a chegar à economia, serão os dados económicos a nortear os próximos movimentos. Os EUA continuam a dar sinais de resiliência, com a economia a crescer 2,1% no segundo trimestre.

O desalento com o crescimento da economia chinesa já existia antes do verão, mas acentuou-se com os dados divulgados o mês passado. As exportações caíram 14,5% em julho face ao mesmo mês do ano passado e a atividade industrial contraiu em agosto pelo quinto mês consecutivo. Se o ocidente se debate com a inflação, na China o que preocupa é a deflação, com o índice de preços no consumidor a registar uma queda homóloga de 0,3% em julho.

O diagnóstico não mudou. A economia está a sofrer o impacto do abrandamento europeu e norte-americano, da política ocidental de redução da exposição ao país liderado por Xi Jinping e da crise persistente no mercado imobiliário. A Country Garden, o maior promotor imobiliário do país, divulgou esta semana um prejuízo equivalente a sete mil milhões de dólares e confirmou que está à beira de entrar em incumprimento na dívida. Apesar deste cenário, o Presidente chinês tem resistido a avançar com estímulos mais amplos para robustecer a economia.

"Depois de estagnar no terceiro trimestre, a economia da Zona Euro vai registar provavelmente uma contração ligeira no quarto trimestre", Holger Schmieding

Economista-chefe do Berenberg Bank

Os mercados acionistas ressentiram-se com a incerteza sobre o rumo da economia e da política monetária. A tendência de alta foi interrompida no início de agosto, com as bolsas no vermelho durante quase todo o mês. A recuperação entretanto encetada não apaga as perdas. Nos EUA, o índice S&P 500 regista uma queda em redor de 1,5% e, na Europa, o Stoxx 600 fechou o mês a cair 1,81%. Já o petróleo esteve em alta (1,3%) e o euro em baixa contra o dólar (-1,4%), contribuindo para agravar o preço dos combustíveis nas bombas e puxar pela inflação.

As perspetivas não são animadoras, com os economistas a anteciparem que a maleita que vem afetando a economia persista nos próximos meses. “Depois de estagnar no terceiro trimestre, a economia da Zona Euro vai registar provavelmente uma contração ligeira no quarto trimestre”, antecipa Holger Schmieding, economista-chefe do banco de investimento alemão Berenberg, numa nota enviada aos clientes.

Espanha sem governo à vista e a incógnita da morte de Prigozhin

Na política internacional, passou agosto e o impasse político criado depois das eleições legislativas espanholas antecipadas de 23 de julho mantém-se. O rei Filipe VI concluiu a ronda de consultas com os partidos na semana passada e decidiu convidar o líder do Partido Popular (PP) a formar Governo. Alberto Núñez Feijóo propôs ao PSOE um governo de dois anos para evitar acordos com os independentistas, mas Pedro Sánchez rejeitou de imediato, ambicionando manter-se como primeiro-ministro.

O conflito na Ucrânia continua a ser notícia, sobretudo aquilo que acontece além-combate. Dois meses depois de ter comandado uma rebelião armada contra as forças militares russas, o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, morreu na semana passada quando o avião em que seguia caiu perto de Moscovo.

O acidente levantou a suspeita de se ter tratado de um ato criminoso. O Kremlin, que se apressou a negar o envolvimento na queda do avião, prometeu uma investigação e considera a possibilidade de uma “ação deliberada”, mas não permitirá a intervenção de autoridades internacionais.

No terreno, a contraofensiva ucraniana não tem tido o sucesso esperado. A meio de agosto, a Ucrânia — onde Marcelo Rebelo de Sousa esteve de visita na semana passada — só tinha conseguido reconquistar cerca de 210 quilómetros quadrados e, em muitas regiões, estava muito longe de atingir a principal linha defensiva russa. Entretanto, a Noruega, a Dinamarca e os Países Baixos comprometeram-se a fornecer F-16 a Kiev.

Já a “ofensiva” da China e Rússia junto do sul global teve progressos. Entre 22 e 24 de agosto, o grupo de economias emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) esteve reunido na África do Sul, onde debateu, entre outros temas, uma “emancipação” do dólar. Mas o grande resultado da 15.ª cimeira do bloco foi a entrada de seis países: Argentina, Egito, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Nos Estados Unidos, foi anunciada a data do julgamento de Donald Trump relativamente às acusações de tentar alterar o resultado das eleições presidenciais norte-americanas de 2020. Será a 4 de março de 2024, véspera do início do processo de nomeação do candidato do Partido Republicano para a corrida à Casa Branca.

 

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