Mais irritados e com maior risco de AVC e enfartes. “A mudança de hora duas vezes por ano tem repercussões no ser humano”

28 out 2023, 13:27
Relógio (Getty Images)

Especialistas insistem que ter dois horários não é benéfico para a saúde. Mas garantem que, mesmo assim, a hora de inverno é melhor. Para não prejudicar a sua noite de descanso no domingo, madrugada em que se vai atrasar os relógios, deve manter as mesmas rotinas na ida para a cama e nas refeições, segundo a Associação Portuguesa do Sono

O que parece apenas uma simples mudança de hora pode, no entanto, ter efeitos graves na saúde. O alerta parte dos especialistas que não desistem de contestar a mudança de hora duas vezes por ano. A próxima ocorre já na madrugada deste domingo para se retomar o horário de inverno: vamos atrasar os relógios e dormir mais uma hora.

“A mudança de hora duas vezes por ano tem repercussões no ser humano", avisa o pneumologista Tiago Sá, explicando que “há sempre um desregulamento do sono em consequência destas alterações abruptas que mexem com o nosso relógio biológico e o relógio externo”.

O especialista alerta para a maior probabilidade de acidentes cardiovasculares, cardíacos, acidentes de viação e laborais.

“A mudança de hora interfere de forma aguda com o ser humano, porque existe um desajuste entre a nossa hora biológica e a hora externa”, reforça o especialista em medicina do sono, sublinhando que estes problemas agravam-se com a privatização de sono, mais concretamente na hora de verão.

O mesmo confirma Joaquim Moita, pneumologista e diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “O nosso sistema biológico fica afetado com a mudança de hora”, diz, acrescentando que pode produzir efeitos psicológicos: “A pessoa pode ficar mais irritada, sonolenta, com menos foco e concentração”.

O horário de verão, que começou a 26 de março, está prestes a terminar e vai dar lugar à segunda mudança de hora do ano. A adaptação a esta transição horária é variável entre as pessoas. Há, no entanto, algumas dicas que se podem seguir para que o sono não seja afetado nos próximos dias. Daniela Ferreira, presidente da Associação Portuguesa do Sono, diz ser fundamental cumprir os horários habituais da ida para a cama e das refeições.

“As rotinas e horários da alimentação são importantes porque representam sincronizadores externos e que nos ajudam a alinhar os ritmos e horários”, afirma.

Segundo Daniela Ferreira, quando se trata de crianças, para a preparar para a mudança de hora, é aconselhável, quatro dias antes, deitá-la 30 minutos mais tarde, deixando-a dormir mais 30 minutos na manhã seguinte.

Para que nada atrapalhe o sono, Anselmo Pinto, da Clínica do Sono AP, acrescenta a necessidade de se evitar a luz dos equipamentos eletrónicos antes de dormir. “Ao deixar as crianças com os dispositivos tecnológicos à noite, as ondas emitidas pelos telemóveis, computadores ou tablets correspondem à luz azul que estimula o cérebro a permanecer mais tempo ativo”, explica Anselmo Pinto, frisando que é essa luz azul que atrapalha o sono.

Já Marta Gonçalves, coordenadora do Centro de Medicina do Sono do Hospital da CUF, garante que “é mais fácil atrasar o nosso relógio biológico e dormir mais uma hora do que adiantá-lo”. Ou seja, esta mudança que ocorre já no domingo, 29 de outubro, tem menos impacto do que a alteração no período de verão em que se adianta a hora.

O horário de inverno é o mais benéfico

Aliás, para os vários especialistas há duas certezas: não se devia mudar de horário e a hora de inverno é mais benéfica. “A comunidade científica adota o horário de inverno como a hora natural, devia ser assim o ano inteiro”, assegura Joaquim Moita, pneumologista e diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. A partir de domingo, os dias vão passar a ser mais curtos e às 18:00 já começa a escurecer, o que pode aborrecer algumas pessoas na perspetiva dos profissionais. Contudo, “a escuridão no final do dia prepara-nos para o adormecimento, que idealmente deve ocorrer entre as 22:00 e as 23:00”, aponta Joaquim Moita.

Por outro lado, nota, ao contrário do horário de verão, no inverno a luz solar que nos desperta pela manhã ajuda a manter a concentração durante o dia, o que é favorável para as crianças e adolescentes que vão para as aulas e os adultos que se dirigem ao trabalho.

“Todos nós, essencialmente as crianças e jovens, precisamos de meia hora de exposição solar para acordar e estar recetivo à aprendizagem”.

O especialista dá o exemplo dos Estados Unidos. “Na Pensilvânia atrasaram o início das aulas e isso traduziu-se num benefício de rendimento escolar”, disse o pneumologista, destacando que, em Portugal, o município de Coimbra também aprovou uma medida em 2022 na qual as aulas passaram a iniciar às 09:00 da manhã, em vez das 08:00, o que teve um impacto positivo nos resultados dos testes de avaliação. A psiquiatra especialista em sono, Marta Gonçalves, confirma esta afirmação: "É mais importante ter luz de manhã do que ao fim do dia, porque a exposição solar é que nos dá ritmo".

Por isso, contestam o horário de verão que, dizem, rouba horas de sono ao ser humano. “A hora de verão está errada e trata-se da criação do homem, é artificial”, refere Joaquim Moita. Já Anselmo Pinto, sublinha: “O nosso cérebro mantém-se ativo enquanto dormimos, não repousa, tem uma atividade muito importante. O horário de inverno concede ao cérebro mais uma hora para fazer o seu serviço”.

“Quem dorme pouco tem maior probabilidade de ter doenças cardiovasculares, mortalidade precoce, maior propensão para a diabetes e cancro”, assegura, por seu lado, Joaquim Moita, reforçando que o nosso sistema é prejudicado pela falta de uma hora de sono.

“No verão, a sucessão de dias mais extensos faz com que o corpo vá dormir com mais energia, o que provoca o aumento do risco de enfartes”, avisa.

Ou seja, o risco para desenvolver certos problemas de saúde que os especialistas garantem existir fruto da existência das duas mudanças de hora por ano, ainda se agrava no horário que dura de março a outubro. "Como o horário de verão rouba uma hora torna a privação do sono cada vez mais frequente e é isso que desenvolve consequências negativas para a saúde", diz a psiquiatra especialista em sono, Marta Gonçalves, explicando que está em causa o aumento dos acidentes de viação, de acidentes de trabalho e de enfartes.

Menos testosterona nos homens e desequilíbrios hormonais nas mulheres

São vários os benefícios do sono. Enquanto dormimos, o cérebro está sempre a trabalhar e é nessa altura que se desenvolvem as memórias. “É durante o sono que há seleção e armazenamento das memórias mais importantes que ocorreram durante o dia”, relata Joaquim Moita, dando o exemplo das crianças: “No sono REM, considerada a fase mais profunda do nosso sono, as crianças revêem o seu dia e isso é relevante na aprendizagem”.

O sono também é importante para a saúde mental e domínio das emoções.

“Se dormir pouco, no dia seguinte irá estar mais irritado, o que pode gerar ansiedade ou, no limite, pode até gerar depressão”, alerta o pneumologista.

Além disso, é durante o sono que se regula o organismo. “Nos jovens e adultos que dormem pouco, há modificações no sistema hormonal”, avisa o especialista, explicando que a falta de sono provoca uma menor produção de testosterona nos homens, bem como desequilíbrios hormonais nas mulheres, particularmente a falta de estrogénio. O sono também reforça o sistema imunitário: "a falta de sono pode desenvolver doenças graves no ser humano".

Este domingo, às 02:00 em Portugal continental e na Madeira, os relógios passam a marcar 01:00. Nos Açores, por sua vez, a mudança é feita à 01:00 e os relógios passam a marcar a meia noite. Marta Gonçalves, psiquiatra especialista em sono, conclui que "esta mudança é vantajosa tanto para as pessoas matutinas, que se deitam cedo e podem na mesma acordar cedo, como também para as pessoas vespertinas que podem dormir mais tempo e não lhes é retirada nenhuma hora".

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