BCE suspeita que os preços nos supermercados subiram demasiado devido às margens de lucro. Um conselho para si: use a calculadora nas compras

2 mar 2023, 22:00
Preço dos alimentos subiu muito acima do valor da inflação

O cabaz de alimentos essenciais está cada vez mais caro: custa hoje mais 45 euros do que há um ano. Os governadores dos bancos centrais europeus têm uma justificação para o aumento dos preços dos alimentos ser tão acentuado: a subida das margens de lucro dos supermercados. Há muito que Mário Centeno vem defendendo esta tese

Com a inflação existem consumidores que estão eles próprios a criar o seu registo da evolução dos preços. E a denunciar, por exemplo, junto da associação de defesa do consumidor DECO situações ilegais, como a existência de preços diferentes entre a prateleira e a caixa.

Nos contactos com a DECO, conta à CNN Portugal Ana Sofia Ferreira, coordenadora do gabinete de apoio ao consumidor desta organização, surge recorrentemente outra dúvida: porque estão os preços de certos bens alimentares a aumentar muito acima da inflação?

A resposta não é direta. Mas há uma teoria que, agora, recebe o reforço dos líderes do Banco Central Europeu: as subidas dos supermercados estão a ir muito além do real aumento dos custos de produção dos bens alimentares. Ou seja, para as margens. Quem fica a perder poder de compra é o consumidor.

Segundo um artigo desta quinta-feira da Reuters, esta tese foi trazida para um encontro de governadores de bancos centrais que decorreu no final de fevereiro na Finlândia, admitindo-se que a subida das margens de lucro das empresas é o fator que mais está a pesar no aumento dos preços dos alimentos. Uma posição que vem sendo vincada nos últimos meses pelo português Mário Centeno – que também esteve neste encontro.

Se as poupanças guardadas durante a pandemia permitiram às famílias responder ao impacto, elas começam agora a escassear. E o cenário promete agravar-se ainda mais, já que o Banco Central Europeu prepara novas subidas nas taxas de juro, no sentido de controlar a subida da inflação pela maior contenção na procura – com impacto, por exemplo, na subida do crédito à habitação.

Um estudo da Refinitiv, citado pela Reuters, dá conta de que as 106 empresas de bens de consumo da zona euro que foram alvo da análise registaram em 2021 uma margem operacional média de 10,7%. São mais 25% face a 2019, o último ano a não ser marcado pelos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia.

Conselhos para si: use a calculadora

Quando vai ao supermercado nota que o dinheiro lhe dá cada vez para menos? Mas, se não estiver atento, arrisca-se a perder ainda mais poder de compra.

“Como os consumidores estão mais atentos, apercebem-se de situações como a diferença entre o preço afixado e aquele que é pago na caixa. É uma prática que não é admissível”, diz Ana Sofia Ferreira da DECO. Muitas vezes, as diferenças são de poucos cêntimos. Mas cêntimo a cêntimo se engrossa a conta.

Portanto: use a calculadora do seu telemóvel. À medida que vai colocando os produtos no carrinho, vá atualizando o saldo. Assim, ao chegar à caixa, já sabe o que tem de pagar.

E se notar que há uma diferença, que existem produtos registados com valores acima do anunciado? “Aconselhamos a apresentar reclamação. Querendo denunciar à ASAE, podem escrever no livro de reclamações”, explica Ana Sofia Ferreira. Também as queixas que chegam à DECO são reencaminhadas para a ASAE.

“As reclamações serão muito inferiores ao número de consumidores lesados. Há muitos que não se apercebem. Por vezes, a diferença pode ser de cêntimos.”

Mas há outras dicas simples para não se deixar enganar: não comprar por impulso porque vê promoções. Se existirem promoções, leia bem as condições – porque o desconto pode depender, por exemplo, de ter de gastar determinado montante.

E do lado dos produtores? Com a falta de apoios, “alguém tem de pagar”

A pergunta repete-se na cabeça de muitos portugueses: se baixam os custos de produção, porque não baixam os preços em igual proporção? Uma vez mais, a resposta está longe de ser simples.

Da parte dos produtores de bens alimentares, chega o aviso: os produtos estão mais caros porque faltam os apoios públicos prometidos, que permitiriam conter a subida nos custos de produção - por exemplo, na energia e nos fertilizantes.

“Imagine-se que o Governo anunciava que tinha acabado com a comparticipação dos medicamentos. Quando a pessoa for à farmácia, o medicamento que custava 10 euros passa a custar 70 ou 80 euros. Alguém tem de pagar: o consumidor”, argumenta Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

Sobre as margens dos revendedores, este responsável não quer falar. Mas lembra que os preços de muitos bens alimentares, que subiram acima da inflação, não subiram tanto como os custos de produção.

“Além disso, houve uma seca brutal que fez diminuir a oferta. Com menos produção e produção mais cara, a conjugação dos fatores fez aumentar o preço, até na própria procura.” E fica uma garantia: “os agricultores não estão a ser mais bem remunerados por estarem a vender mais caro”.

Eduardo Oliveira e Sousa lembra que o ciclo produtivo dos alimentos que estão agora a chegar às lojas arrancou há quatro ou cinco meses. “É agora que esses efeitos estão a chegar aos preços dos produtos finais.”

Está tudo mais caro: o Governo sabe, tem um observatório, mas não apresenta medidas

Se vai às compras, já notou, mas aqui fica a verdadeira escala do problema: os dados da DECO/Proteste mostram que não há sinais de desaceleração no preço do cabaz de bens alimentares essenciais. O arroz carolino ou a polpa de tomate custam praticamente o dobro de há um ano.

O cabaz alimentar - com 63 produtos essenciais - ficou quase quatro euros mais caro na última semana: 230,38 euros, mais 24,4% que no período homólogo. Ou seja, paga mais 45,21 euros.

O Governo já veio admitir que existe um “aumento exagerado” de preços de alguns produtos alimentares básicos. “Faremos uma proteção intransigente do consumidor”, prometeu o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda.

Essa proteção passa agora pela fiscalização, não pela definição de tetos máximos nos preços, como tem vindo a ser defendido pela oposição à esquerda. Esta quarta-feira, por exemplo, 38 brigadas de inspetores estiveram no terreno, fazendo-se passar por clientes, para garantir que o preço na prateleira se mantinha na caixa. A ASAE acabou por identificar este cenário, bem como balanças avariadas. Foram abertos 10 processos-crime por especulação e 12 processos de contraordenação.

Em outubro, o Governo criou o “Observatório de Preços Nacional é Sustentável” para acompanhar a evolução dos preços. Um dos usos da recolha desses dados passaria, depois, pela adoção de medidas práticas. Até ao momento, não saíram conclusões palpáveis dessa recolha.

A CNN Portugal contactou os ministérios da Economia e da Agricultura mas não recebeu qualquer resposta até à publicação deste artigo.

Aumentos a dois dígitos: na inflação dos aliementos e nos lucros

Os dados do Eurostat mostram um aumento homólogo de 21,1% na inflação dos bens alimentares em janeiro. Portugal é apenas ultrapassado por países do leste da Europa, com subidas percentuais mais acentuadas.

E os dados nacionais apontam no mesmo sentido: apesar de a taxa de inflação estar a abrandar há quatro meses consecutivos (8,2% em fevereiro), a taxa de inflação dos produtos alimentares não param de subir: segundo o INE, atingiu 20,1% em fevereiro, o valor mais alto desde 1984. Frutas e legumes estão entre os bens com maiores subidas.

É possível comparar estes números da inflação dos bens alimentares com outros: os lucros das retalhistas, que seguem a um ritmo ainda superior. Até setembro de 2022, a Jerónimo Martins – dona do Pingo Doce – viu os lucros aumentar 29% para os 419 milhões de euros. Já a Sonae, dona do Continente, registou lucros de 210 milhões no mesmo período, mais 33% do que um ano antes.

Em novembro, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, alertava para a necessidade de se estar atento a uma eventual subida das margens de lucro das empresas. “É igualmente importante prestar a atenção ao papel das margens de lucro neste processo inflacionário”, afirmou.

O antigo ministro das Finanças argumentava que os preços estavam a subir “além do que se poderia esperar face às pressões inflacionistas vindas da oferta”.

Mas os empresários foram rápidos na resposta, afastando que a subida dos preços estivesse ligada às suas margens. Rui Miguel Nabeiro, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), defendia ao ECO que “ainda que possam existir casos de especulação em relação aos preços praticados que devem, naturalmente, ser fiscalizados e impedidos - não é aconselhável fomentar generalizações”.

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