Homem que enviou bala a Marcelo justifica ameaça com desequilíbrio da medicação e diz que única intenção era assustar o primo

Vânia Ramos , com Lusa
19 out 2023, 12:27
Marcelo Rebelo de Sousa em Bruxelas (LUSA/JOSÉ COELHO)

Para explicar “a animosidade” contra o primo, recordou ainda um episódio familiar de 2021, no qual Valter Silva entrou em contacto com a mãe do arguido, discutindo e ameaçando fazer queixa de Marco Aragão à Polícia Judiciária por este ser supostamente traficante de armas.

O homem que ameaçou matar o Presidente da República justificou esta quinta-feira o envio de uma carta com uma bala a Marcelo Rebelo de Sousa com um desequilíbrio na sua medicação e a intenção de prejudicar um primo.

No arranque do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, Marco Aragão explicou ao coletivo de juízas o que o levou em outubro de 2022 a escrever a mencionada carta e a colocar os dados do primo Valter Silva, salientando uma declaração da sua mãe a dizer que o primo devia sofrer tanto quanto fez sofrer a sua família.

“Essa frase fez-me despistar. Sentei-me nesse mesmo dia ao computador e escrevi uma carta a ameaçar o Presidente da República a exigir uma quantia astronómica. Coloquei os dados do meu primo Valter, tudo isto no sentido de prejudicar o meu primo Valter, para que ele tivesse problemas com a justiça”, afirmou, continuando: “Deveu-se a uma animosidade contra o meu primo Valter, espoletada por um desequilíbrio da minha medicação”.

Segundo Marco Aragão, em 2021, o primo terá contactado a sua mãe e ameaçou quer o arguido quer a mãe deste.

“Em 2021, o meu primo Valter Silva ligou à minha mãe, a discutir e a ameaçar a minha mãe e a mim. Disse que era traficante de armas e que eu ia ser preso. Eu fiquei muito desagrado", relembra, acrescentando que em maio de 2022 fez uma tentativa de suicídio e foi medicado e que, atualmente, tem o "raciocínio mais rápido, mas mais confuso". 

Marco Aragão, que ficou desde janeiro em prisão preventiva no Hospital Prisional de Caxias, descreveu ter uma perturbação esquizoafetiva - caracterizada como uma combinação dos sintomas psicóticos da esquizofrenia e os estados extremos da bipolaridade -, assegurando agora encontrar-se “calmo e normal” e de acordo com a medicação que lhe é administrada.

“Consigo perceber que o meu primo se sinta prejudicado. Na altura não tinha essa noção, talvez devido aos efeitos da medicação”, argumentou.

No entanto, justifica que decidiu implicar o nome do primo porque a mãe ficou afetada com o telefonema do primo e depois desta lhe ter dito que "só queria que ele passasse o que passamos".

“Escrevi carta dirigida ao senhor Presidente da República, na qual o ameacei e pedi uma astronómica quantia de dinheiro. Meti o IBAN do meu primo Valter para prejudicar o meu primo Valter, para que ele tivesse problemas com a justiça. Nunca pretendi prejudicar o Presidente da República, nem extorquir qualquer dinheiro para mim. Já não tenho armas, foram apreendidas. As munições que encontraram em casa eu nem sequer sabia que as tinha. Ia uma munição. Era a única que eu tinha conhecimento que tinha casa. Mandei-a para colocar a ameaça do meu primo Valter mais séria. Neste momento eu consigo perceber que ele (Valter) se sinta prejudicado. Na altura, não tinha essa noção. Talvez devido aos efeitos da medicação”, afirmou Marco Aragão em tribunal.

Perante o coletivo de juízas, o arguido disse ainda que "nunca" pensou as autoridades pudessem chegar até ele e reafirmou que o seu único intuito era assustar o primo.

“Nunca pensei que pudessem chegar a mim. Eu queria simplesmente que ele tivesse problemas com a justiça. Que ficasse assustado”, afirmou, acrescentando que não concorda com o valor da indemnização.

O arguido explicou ainda que tem "uma mistura de esquizofrénico com bipolar". "Significa que posso ter surtos e depressões de um momento para o outro. Mas agora tomo medicação e não tenho nada disso". Garantindo que toma a medicação e que "através da DGRSP" pode apresentar um comprovativo mensal em como que toma os medicamentos, Marco Aragão afirmou às juízas que está disposto a tomar a medicação e a que o tribunal acompanhe o controlo da medicação.

Carta a Marcelo não foi a primeira

Apesar de garantir que a carta que enviou a Marcelo foi enviada porque uma "animosidade" com o primo, Marco Aragão já tinha sido condenado por um crime do mesmo género.

Questionado em tribunal sobre o que aconteceu, o arguido explicou que "na altura achava que estava a ser perseguido pelo SIS e pela PJ" e que, por isso, entrou "na base de dados da segurança social onde era estagiário".

"E tirei os dados dos espiões e dos inspetores da PJ e mandei ao Luís Neves. Na altura não era medicado”, recorda.

Também Luís Neves, diretor da PJ foi ouvido em tribunal, e afirmou que Marco Aragão "foi militar e tem apetências para utilizar armas". 

"Quando a pessoa está medicada é um cidadão normal e afável, eu próprio presenciei isso. A posse de armas, as munições a forte coação de facto, há aqui um elevado grau de perigosidade. Para além do que é escrito há perigosidade", afirmou, acrescentando que é “a perícia médico legal que diz que a perigosidade é patente nos momentos em que falta a medicação”.

Sobre a ameaça presente na carta enviada ao Presidente da República, Luís Neves afirma que a Polícia Judiciária "não só não deixou de investigar como acelerou a investigação".

"Pelo grau de ameaça no momento daqueles leva a que a PSP tivesse que estar mais atento e mexeu no esquema de segurança do mais alto magistrado da nação. Isto nunca aconteceu. Trabalho na polícia há 34 anos", referiu, considerando que a PJ considera que "havia" perigo e continua "a achar que há" para Marcelo Rebelo de Sousa. "Há uma fixação”.

O Ministério Público (MP) acusou em agosto o arguido dos crimes de coação agravada na forma tentada, extorsão agravada na forma tentada, detenção de arma proibida, acesso indevido e desvio de dados, considerando que Marco Aragão devia “ser declarado inimputável, por anomalia psíquica grave, e sujeito à medida de segurança de internamento”.

As ameaças de morte a Marcelo Rebelo de Sousa surgiram em outubro, numa carta enviada para a Casa Civil da Presidência em que alegadamente era exigido o pagamento de um milhão de euros para não matar o chefe de Estado – com indicação da conta bancária para onde deveria ser feita a transferência do dinheiro - e que incluía ainda uma bala.

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