Marcelo diz que vai estar “mais vigilante” e “mais interventivo”. O que podemos esperar do Presidente? “Vai ser o provedor dos descontentes”

5 mai 2023, 17:00

Politólogos ouvidos pela CNN Portugal recordam que, num regime semipresidencialista como o que vivemos, os poderes do Presidente podem ir desde a dissolução da Assembleia da República ao simples uso da palavra. A dissolução deverá ser um cenário muito remoto, mas a palavra do Presidente “tem muito poder”

Numa declaração ao país demolidora para o Governo e sobretudo para o primeiro-ministro António Costa e para o ministro das Infraestruturas, João Galamba, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu estar “mais vigilante” e ser “mais interventivo”. Mas o que podemos realmente esperar de um Presidente cuja capacidade de intervenção já lhe conhecemos tão bem? Na prática, o que pode Marcelo fazer para travar iniciativas governamentais que considere prejudiciais ao país?

O politólogo José Fontes considera que a palavra do Presidente tem “muito poder” e que Marcelo Rebelo de Sousa passará a ser “a voz dos descontentes”. “Está criado um ambiente para que o PR possa ser a voz dos descontentes. Será o provedor dos descontentes, não tenho dúvida disso”, resume.

“Não precisa de fazer grande coisa. Não precisa de vetos. Basta-lhe ser a voz dos descontentes. Basta-lhe, quando os professores estiverem em luta, solidarizar-se com eles. Pode ir visitar os hospitais e constatar o caos em que está o Serviço Nacional de Saúde. Basta-lhe ir visitar um centro de saúde e mostrar as pessoas que estão lá na fila desde as 05:00 para conseguir uma consulta”, exemplifica o especialista.

Depois, o “desgaste e a degradação” do Governo farão o resto. José Fontes lembra que António Costa tem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP para gerir, “um cancro que se está a metastizar no Governo”. “Ainda falta ouvir João Galamba e o ex-assessor. Ainda falta ouvir muita gente. A CPI à TAP já não é sobre a TAP. É sobre o Governo. É ali que pode estar a verdadeira moção de censura ao Governo”, analisa o politólogo.

“Marcelo é a essência da política”

José Filipe Pinto sublinha que Marcelo “sempre esteve muito atento e sempre foi muito interventivo”. Acrescenta que, ao não aceitar a demissão de João Galamba, “António Costa atirou o ónus da dissolução do Parlamento para Marcelo Rebelo de Sousa e, com o discurso de ontem [quinta-feira], o Presidente da República devolveu-lhe esse ónus”.

“Está instalado um clima de Guerra Fria entre os dois órgãos de soberania. E, sempre que houve um clima de Guerra Fria entre Governo e Presidente, ganhou sempre a Presidência. António Costa é um animal político, um taticista. Mas Marcelo é a essência da política”, considera José Filipe Pinto.

O politólogo e professor universitário não adivinha que Marcelo Rebelo de Sousa possa vir a socorrer-se mais do veto presidencial para afetar o Governo. Até porque o veto é uma espécie de inevitabilidade e o Presidente da República terá sempre de enviar ao Tribunal Constitucional qualquer diploma que lhe suscite dúvidas legais. Mas o veto político de pouco adiantará a Marcelo, dado que o Governo tem maioria parlamentar e um diploma devolvido pelo Presidente ao Parlamento poderá acabar sempre aprovado.

“Marcelo domina este jogo na perfeição e nunca vai tomar uma jogada que sirva para fragilizar a sua posição. Ele preocupa-se muito com a sua popularidade, mas preocupa-se também muito com o interesse nacional”, acrescenta.

“O Presidente vai provavelmente falar mais sobre aquilo que será o desenvolvimento da prática governativa. Já tinha prometido que ia estar muito atento ao PRR, por exemplo. E, cada vez que ele entender que há um desvio, vai informar os portugueses, vai falar ao país. Vai manter o Governo em lume brando”, adivinha José Filipe Pinto.

Para o especialista, “Marcelo Rebelo de Sousa, em vez de lançar a bomba atómica, lançou uma granada”.

“Poder relativamente limitado”

Paula do Espírito Santo duvida que o Presidente da República venha a recorrer à bomba atómica e dissolva o Parlamento. “Ele disse que vai ser o garante da estabilidade política e que, pelo menos para já, não vai dissolver a Assembleia da República”, recorda.

“Quando o Presidente diz que vai estar mais vigilante, significa o recurso de forma mais veemente do poder da palavra, no sentido da magistratura de influência que tem sobre as instituições democráticas e sobre o Governo. Mas, dentro dos poderes e da competência do Presidente, é um poder relativamente limitado (…). Pode ser mais assertivo na sua comunicação e, nas reuniões semanais com o primeiro-ministro, os assuntos serem aclarados e haver aqui um diálogo institucional”, explica.

Paula do Espírito Santo diz ainda que podemos esperar “um Presidente mais vigilante, mais questionador e mais interventivo do ponto de vista dos fundamentos dos diplomas que venham da parte do Governo”. Mas “a coabitação institucional, a ancoragem e a quase proteção política do Presidente face ao Governo, já não será uma prioridade para Marcelo Rebelo de Sousa”.

“Podemos dizer que ele será mais livre e é bom para a Democracia que assim seja”, finaliza.

Relacionados

PR Marcelo

Mais PR Marcelo

Patrocinados