Bloqueio no Mar Vermelho triplica preço dos transportes e atrasa encomendas até 15 dias

ECO - Parceiro CNN Portugal , Patrícia Abreu
8 jan, 07:16
Docas no porto iemenita de Hodeida, no Mar Vermelho (Getty Images)

O tráfego de bens no Canal do Suez caiu 28% nos últimos dez dias. O transporte de 3,1% do comércio mundial teve de alterar a sua rota

Os condicionamentos ao tráfego no Mar Vermelho provocados pelos ataques dos Houthis na região já estão a afetar o comércio mundial. Com as empresas de transporte forçadas a alterar rotas e a enviar os seus navios por percursos muito mais longos para evitar a região, os preços dos para as empresas portuguesas mais que duplicam e os prazos de entrega aumentam até 15 dias.

O mês de dezembro ficou marcado pela notícia de vários ataques realizados pelo grupo de rebeldes Houthi do Iémen a navios que se preparavam para iniciar a travessia no mar Vermelho, junto ao Golfo de Áden. Com as gigantes do transporte marítimo, como a CMA CGM, a Maersk, MSC ou a Mediterranean Shipping a decidirem suspender o tráfego por aquela região, começaram a soar os alarmes das principais economias, uma vez que cerca de 30% do comércio global e 10% dos produtos petrolíferos transportados via marítima passam pelo Canal do Suez. Trata-se de um bilião de dólares de bens transportados através do Mar Vermelho, por ano.

Mapa Mar Vermelho

Nos dez dias terminados a 2 de janeiro, o tráfego pelo Canal de Suez estava 28% abaixo do verificado um ano antes, segundo dados publicados pelo Fundo Monetário Internacional e citados pela Bloomberg. Os mesmos números mostram que 3,1% do comércio global já foi desviado desta rota. Mas porque custa tanto enviar os navios de mercadorias por outro local?

Evitar atravessar o Mar Vermelho e fazer a travessia para a Europa através do Canal do Suez implica contornar o Cabo da Boa Esperança e aumentar em 7.000 quilómetros a travessia, o que custa tempo e dinheiro, face aos maiores custos de combustível.

Segundo a Bloomberg, os custos para enviar mercadorias da Ásia para o Norte da Europa e para o Mediterrâneo mais que duplicam face a janeiro de 2019. No caso português, Mário de Sousa, CEO da Portocargo, estima uma triplicação do preço dos contentores desde o início desta crise, enquanto o percurso pelo Canal da Boa Esperança acresce, em média, entre 12 a 15 dias ao tempo de trânsito.

Miguel Ángel de la Torre, vice-presidente da Ocean Freight Iberia, detida pela empresa de transportes e logística DB Schenker, calcula um atraso adicional de 10 a 13 dias nas entregas, com o desvio pelo Cabo da Boa Esperança. “Há impactos relacionados com questões de serviços, como atrasos na chegada das mercadorias aos mercados finais, e também uma questão de custos, decorrente do aumento dos custos das companhias de navegação devido a vários fatores que afetam os seus custos operacionais“, sintetiza.

No entanto, para o mesmo responsável, “o mais relevante é mesmo a perturbação verificada nos circuitos de serviço das companhias de navegação, que têm agora de dispor de navios suplementares para compensar os tempos de trânsito mais longos, se quiserem manter a regularidade do serviço semanal”.

Tanto as exportações como as importações estão a sofrer um forte impacto negativo, quer quanto aos custos logísticos associados (percursos de transporte marítimo, independentemente da utilização do canal do Suez, ou outras rotas) quer quanto à disrupção causada pelos grandes atrasos ou desequilíbrio no equipamento.

Mário de Sousa

CEO da Portocargo

“Não esqueçamos que o aumento do tempo de trânsito causa demoras no abastecimento e também a diminuição na regularidade”, sendo que o maior consumo de combustível e a necessidade de mais equipamento provoca o aumento dos preços”, refere Mário de Sousa. Este agravamento de preços “poderá ser progressivo em função da consequente redução de capacidade disponível face à oferta de cargas”, acrescenta.

“Tanto as exportações como as importações estão a sofrer um forte impacto negativo, quer quanto aos custos logísticos associados (percursos de transporte marítimo, independentemente da utilização do canal do Suez, ou outras rotas) quer quanto à disrupção causada pelos grandes atrasos ou desequilíbrio no equipamento”, explica ainda o CEO da Portocargo.

Em relação à atividade da Portocargo, o CEO da empresa refere que “como qualquer outro operador logístico, independentemente da sua dimensão ou localização geográfica, são afetados tanto na produtividade como na rentabilidade. Muito mais trabalho para menor produtividade, acompanhado pela maior dificuldade em encontrar soluções capazes de satisfazer de forma adequada as necessidades de cada importador ou exportador”.

Impacto sistémico afeta toda a atividade económica

Em termos de impacto na economia, Mário de Sousa nota que, de forma transversal, todas as atividades económicas são afetadas. “Partindo do princípio que cerca de 80% das mercadorias viaja por via marítima, independentemente de falarmos de matéria prima, componentes ou produto acabado, origens ou destinos, todas as atividades económicas são afetadas”, esclarece. Assim, as atividades que não sejam afetadas diretamente pelo bloqueio no Mar Vermelho, sê-lo-ão por “impacto sistémico”.

Os riscos geopolíticos (nomeadamente o que tem estado a acontecer no Médio Oriente) têm consequências diretas no comércio internacional, nomeadamente no custo do transporte e em disrupções nas cadeias de valor globais.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da AEP

“Os riscos geopolíticos (nomeadamente o que tem estado a acontecer no Médio Oriente) têm consequências diretas no comércio internacional, nomeadamente no custo do transporte e em disrupções nas cadeias de valor globais, que poderão inverter as expectativas da descida da inflação. Os dados mostram já uma subida dos custos de transporte”, explica Luís Miguel Ribeiro. De acordo com o presidente do Conselho de Administração da AEP, “a diversificação de mercados de destino das exportações portuguesas de bens, como a AEP tem vindo a defender, é uma importante via, nomeadamente para mitigar riscos”.

Do petróleo, aos têxteis e aos automóveis

Segundo Mário de Sousa, através do Mar Vermelho chegam e saem do país produtos que vão desde matérias-primas a produtos acabados, de petróleo bruto aos produtos à base de petróleo, equipamentos domésticos e industriais, matérias têxteis e de calçado, pequenos e grandes aparelhos eletrónicos, veículos automóveis e componentes.

“Esta situação está a afetar todo o tipo de produtos que fazem parte do comércio asiático com Portugal, tais como retalho, peças para automóveis, eletrónica, alimentos, etc”, acrescenta Miguel Ángel de la Torre. O vice-presidente da Ocean Freight Iberia lembra que “o trânsito no Mar Vermelho constitui a rota mais curta e mais rápida entre a Europa e a Ásia através do Canal do Suez e os países europeus estão a enfrentar impactos semelhantes. Quer estejamos a falar de exportações ou de importações”.

A indústria têxtil é uma das atividades afetadas. Segundo Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), até agora não chegou à associação nenhuma queixa, mas o responsável admite que a manter-se a situação isto poderá resultar num aumento de custos e no atraso de receção de mercadorias.

O presidente da ATP destaca que a crise no Mar Vermelho “vem complicar a situação do setor têxtil”, na medida em que importa muitos fios da zona asiática. “Há muitas importações da Ásia, de produtos sintéticos, matérias-primas semi-transformadas”, detalha.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) não possui dados agregados sobre as mercadorias transportadas através do Canal do Suez. No entanto, segundo dados fornecidos pelo INE ao ECO, as trocas comerciais naquela região, com Arábia saudita, Israel, Egito, Iémen, Jordânia, Sudão e Jibuti ascenderam a 1.033,2 milhões de euros, em 2022, com óleos de petróleo ou de minerais betuminosos a liderarem a lista de produtos trocados (321,8 milhões), seguidos por hidrocarbonetos cíclicos e fertilizantes.

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