A leste nada de novo

22 mai 2023, 16:38

É no pequeno mar Egeu, na costa leste da Grécia, que as autoridades europeias são novamente captadas a expulsar migrantes e refugiados de forma ilegal e desumana. Desta vez, o jornal norte-americano The New York Times divulgou imagens de um grupo de pessoas, um bebé incluído, a ser expulso do espaço europeu: estavam em terra firme, são levados numa carrinha, depois transferidos para uma embarcação e de seguida colocados em insufláveis sem motor, à deriva no meio do mar. Este tipo de ações representa uma violação da lei internacional, do direito ao asilo e de todas as convenções que protegem quem pretende pedir asilo na Europa. É uma prática comum, denunciada também no documentário original da CNN Portugal “A Última Fronteira”, que revelou imagens da guarda costeira grega a disparar armas de fogo contra barcos com migrantes no Egeu, a bloquear a passagem para águas europeias e a tentar furar a borracha dos botes que transportavam pessoas aos gritos em desespero. Também várias organizações não-governamentais avançaram com reportes detalhados de ações como estas: desde a Aegean Boat Report à Mare Liberum ou Forensic Architecture. Há nos detalhes dos mapas, geolocalizações, vídeos e fotografias um número impressionante: 27 mil pessoas expulsas ilegalmente só na Grécia.

Hoje, a comissária europeia Ylva Johansson decidiu repudiar qualquer ato de deportação ilegal de pessoas, relembrando os avisos que já terá feito, há um ano, num encontro com o governo grego para discutir a gestão de fronteiras. A responsável da União Europeia para os Assuntos Internos, que inclui as migrações, ordenou agora que fosse instaurada uma investigação independente. O problema é que Ylva Johansson já sabe de casos como estes desde dezembro do ano passado, quando a entrevistei no seu gabinete em Bruxelas e expus estes mesmos casos. Porque atuou apenas agora, mais de seis meses depois?

Se no mar é assim, em terra não é diferente. Hoje recebo a informação de que na quinta-feira, em vésperas das eleições gregas, houve uma ordem para que as organizações humanitárias fossem impedidas de fornecer água e comida aos migrantes que estão no campo de Mavrovouni, na ilha de Lesbos. Esta é mais uma violação de um direito humano consagrado na lei internacional perpetrada por uma Estado-membro da União Europeia. Os voluntários estimam que mais de 500 pessoas acabem por fugir do campo onde estão retidas e se tornem sem-abrigo, agravando ainda mais situações já muito frágeis.

A Grécia não está sozinha na gestão das suas fronteiras. Tem a parceria inabalável da Frontex, a agência que controla as fronteiras externas da União Europeia e que com ela convoca para o mar Egeu todas as forças, incluindo a Polícia Marítima portuguesa. Curiosamente, quando questionei um dos responsáveis das missões sobre estes mesmos casos obtive uma resposta absoluta: 27 mil casos? Isso é impossível. Porém, insistindo no escrutínio jornalístico para aferir, afinal, qual é a prática-patrão, fiquei a saber que existe um objetivo claro de evitar que estas pessoas entrem em águas gregas através de passagem de informação às autoridades da Turquia, de forma a que guarda costeira turca intercepte os botes antes de passarem para águas europeias. Isto é dito sem pudor. Ou seja, o objetivo é impedir que qualquer pessoa, incluindo um refugiado, consiga pedir asilo num país da União Europeia, sejam eles da Somália, arrasada por terrorismo, ou da Síria, onde Vladimir Putin bombardeou cidades como Alepo ou Homs. O que aconteceria se houvesse um mar entre a Europa e a Ucrânia?

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