Foi há 24 anos que Portugal entregou Macau à China, "um momento transcendente"

30 dez 2023, 18:01

Se os primeiros dez anos correram sem grandes sobressaltos, a chegada de Xi Jinping à liderança chinesa, em 2012, trouxe maior pressão política às duas regiões administrativas especiais que culminou na resposta aos protestos pró-democracia de 2019 em Hong Kong

Eram 23 horas e 57 minutos do dia 19 de dezembro de 1999 quando a administração de Macau passou oficialmente para as mãos da China. 

As horas e os minutos contam. Ainda no dia 19 fechou-se um ciclo, para logo a seguir, ao bater das zero horas do dia 20, iniciar-se um outro: a criação da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.

24 anos depois, o último governador recorda à CNN Portugal o momento em que a bandeira portuguesa é arriada do palácio do governo. “Foi um momento transcendente. Eu senti que quem estava ali eram gerações e gerações de portugueses que fizeram Macau, que viveram em Macau, se dedicaram a Macau e honraram Portugal”, diz Rocha Vieira.

Por esta altura, por mais incerto que parecesse o futuro para a população de Macau – habituada a mais de 400 anos de governação portuguesa – já havia um plano definido sobre o que ia acontecer a seguir à transferência de poderes.

"Um país, dois sistemas"

Muitos anos antes, líderes chineses e portugueses negociaram os termos da transferência. Foram oito meses de negociações que resultaram num acordo histórico entre Portugal e a China.

A Declaração Conjunta Sino-Portuguesa foi assinada em 1987, e lá ficou definido um período de transição de 50 anos até à integração total de Macau na China. Durante esse tempo, Macau teria um estatuto especial. O então líder chinês Deng Xiaoping propôs a Macau e a Hong Kong uma fórmula que tinha sido pensada – e entretanto rejeitada – para Taiwan: o princípio “Um País, Dois Sistemas”.

Macau passava a fazer parte de um Estado comunista, mas com um grau elevado de autonomia em relação a Pequim. Este sistema original foi implementado através da Lei Básica, a miniconstituição do território, que é onde estão salvaguardadas liberdades, direitos e garantias. 

Se os primeiros dez anos correram sem grandes sobressaltos, a chegada de Xi Jinping à liderança chinesa, em 2012, trouxe maior pressão política às duas regiões administrativas especiais que culminou na resposta aos protestos pró-democracia de 2019 em Hong Kong.

A pressão da China

Pequim impôs na região a implementação da Lei da Segurança Nacional e a partir desse momento iniciou-se uma perseguição sem precedentes a todos os movimentos pró-democracia no território, com dezenas de ativistas, advogados e deputados detidos. O regime fechou quase todos os meios de comunicação independentes, condicionou a independência judicial e suprimiu qualquer oposição.

A repressão política que se desenrolava em Hong Kong teve eco em Macau. Não com a dimensão a que se assistia na região vizinha, mas houve um aumento da censura aos jornalistas, foram proibidas manifestações e vários deputados pró-democracia foram afastados da Assembleia Legislativa. E se dúvidas houvesse sobre o caminho que Macau estava a tomar, foram esclarecidas quando as autoridades substituíram o chavão tantas vezes repetido “Macau governado pelas suas gentes”, por “Macau governado por patriotas”.

A pandemia da covid-19 e a política restritiva de zero casos - defendida e implementada a qualquer custo pelo regime chinês - veio só piorar a situação e contribuir para o desgaste social.

Em 2022 registou-se a maior saída de portugueses de Macau desde o fim da administração portuguesa, em 1999. Quase como um ciclo que parece acabar ainda antes de chegar ao fim.

Macau em Portugal

As marcas de Macau em Portugal persistem ainda hoje e não é preciso procurar muito. A réplica do ex-líbris de Macau – as ruínas de São Paulo – por exemplo, que foi a fachada do Pavilhão de Macau na Expo 98, faz parte do cenário do Parque da Cidade de Loures. Também os sabores do tradicional Yum cha [tradição cantonesa envolvendo chá chinês e dim sum].se multiplicam em restaurantes chineses espalhados por Portugal. 

Mas a casa mais completa para quem estuda a história de Macau e a relação entre a China e Portugal fica no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa. “Para além de ter a maior biblioteca com documentação sobre a Ásia existente em Portugal, faz investigação, damos formação, temos uma casa editorial, organizamos conferências e eventos sobre a Ásia e, claro, temos o Museu de Macau”, explica à CNN Portugal a investigadora e presidente do CCCM, Carmen Mendes.

No dia em que se assinalaram 24 anos da transferência de poderes, foi inaugurado o Fundo dos Governadores de Macau, “que pretende reunir documentação privada dos governadores de Macau que os próprios ou os seus familiares queiram doar”, acrescenta Carmen Mendes.

Rocha Vieira, que governou Macau entre 1991 e 1999, entregou sete mil pastas com 130 mil documentos sobre a última década da administração portuguesa em Macau. 

Deste espólio fazem parte documentos relacionados com as visitas do governador à República Popular da China e os contactos que manteve em Pequim, ao mais alto nível. Um registo documental do fim da história do império português a Oriente.

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