Presidente eleito do Brasil viajou num jato privado para um evento ambiental. Não é o único problema - o dono da aeronave é polémico
O presidente eleito do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, deparou-se com a primeira polémica desde que conseguiu derrotar Jair Bolsonaro no final de outubro. Para assegurar a participação brasileira na COP 27, a cimeira do clima da ONU que se realiza em Sharm el-Sheik, no Egito, e assegurar que quer preservar a floresta amazónica, Lula apanhou boleia no jato de um empresário brasileiro, mas a viagem não foi bem vista pelos seus adversários nem mesmo pelos próprios aliados do presidente eleito.
O porta-voz de Lula não quis comentar o tema e foi o vice-presidente eleito, Geraldo Alkmin, quem falou sobre o assunto numa conferência de imprensa sobre a transição do governo: "A informação que eu tenho é que [o avião] não é emprestado. O proprietário está indo junto para a COP, então ele também vai participar da COP, está indo junto, não tem empréstimo", disse Alckmin, que ainda destacou que mais pessoas se juntaram no mesmo voo para o Egito: "Ex-governador, lideranças políticas, ambientais. Enfim, todos juntos", declarou o vice-presidente eleito, citado pela Folha de São Paulo.
A imprensa brasileira assinala que os aliados do presidente, ainda que considerassem que havia um custo político associado à viagem de jato privado, terão admitido que se tratava de uma questão de necessidade: as deslocações de um presidente eleito durante a transição não estão previstas no orçamento e, por já ter terminado o período eleitoral, não é possível recorrer ao fundo de campanha. O próprio partido de Lula, o PT, não terá recursos para financiar esta e outras viagens que o presidente eleito tem previstas até à tomada de posse, em janeiro, nomeadamente a Portugal no final desta semana. Por questões de segurança, foi descartada a hipótese de Lula viajar num voo comercial até ao Egito ou o pedido de um avião ao governo de Bolsonaro.
"O Lula foi no mínimo ingénuo", disse sob anonimato um assessor do presidente eleito, citado pelo Globo. Um ex-ministro do segundo governo Lula, que também não se quis identificar, disse ao mesmo jornal que, apesar de não ser ilegal, seria uma boleia "a evitar": "Ele não liga para essas coisas, mas deveria", sublinhou.
Dono do jato foi acusado de corrupção
O problema, porém, não foi apenas a viagem de jato, altamente poluidora, para um evento em nome da defesa do clima e que procura travar as alterações climáticas: o dono do jato onde Lula viajou é José Seripieri Filho, que já foi acusado de corrupção e branqueamento de capitais e chegou a ser detido na sequência da Operação Paralelo 23, que em 2014 investigou pagamentos à campanha para o senado do atual senador de São Paulo, José Serra, do PSDB. Em 2020, Seripieri chegou a acordo com a Justiça brasileira para o pagamento de 200 milhões de reais aos cofres do Estado brasileiro, ou seja, cerca de 36 milhões de euros à taxa de câmbio atual.
A Folha de São Paulo, que revelou a viagem de Lula no jato do empresário, refere que o presidente eleito e Seripieri são amigos há dez anos e que o empresário, fundador da Qualicorpo e da QSaúde, a operar na área dos seguros de saúde, foi um dos primeiros que se reuniram com Lula durante a campanha eleitoral, tendo feito generosas doações à candidatura presidencial do então candidato do PT.
Já o jato privado de modelo Gulfstream Aerospace GVII-G600, que tem quase 30 metros de comprimento e capacidade para transportar até 18 passageiros e dois tripulantes, estará registado nos Estados Unidos e custa cerca de 58 milhões de euros, tendo capacidade para fazer sem escalas a viagem entre o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e Sharm el-Sheik, no Egito. Na comitiva com Lula da Silva viajaram a mulher do presidente eleito, a socióloga Rosângela Silva, e o antigo presidente da câmara de São Paulo Fernando Haddad, apontado como ministeriável no próximo governo Lula.
Na COP 27, Lula da Silva anunciou já esta quarta-feira o seu desejo de organizar a conferência do clima da Organização das Nações Unidas COP30, em 2025, na Amazónia brasileira. “Vamos conversar com o secretário-geral da ONU e pedir que ele leve a COP30 para a Amazónia”, disse Lula, num evento organizado num espaço dedicado aos governos.
Após a COP, o presidente eleito do Brasil tem prevista uma deslocação a Portugal já esta sexta-feira, onde se vai encontrar com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa.