Megatexto sobre o futuro de todos nós: lembre-se de Sharm el-Sheikh, a 27.ª tentativa para se evitar a 6.ª extinção de espécies (eis a COP)

Agência Lusa , AM
5 nov 2022, 09:00
COP27 (Associated Press)

É no Egito que o mundo - bem, parte do mundo - se reúne a partir deste domingo para, bem, tentar proteger o próprio mundo. Biden vai, Costa também, o Reino Unido nem por isso. COP27 - é preciso saber coisas sobre este evento. Muitas coisas mesmo. Em nome do nosso futuro

Decisores políticos, especialistas, académicos e organizações não governamentais reúnem-se a partir deste domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito, na 27.ª cimeira da ONU sobre alterações climáticas (COP27), para tentarem travar o aquecimento do planeta. As alterações climáticas são, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, o maior problema da Humanidade e vão afetar dramaticamente o futuro se nada de substancial for feito. As emissões de gases com efeito de estufa, que os países tentaram controlar no Acordo de Paris de 2015 mas que continuam a aumentar, estão já a afetar o clima e a natureza das mais diversas formas. O aviso foi feito primeiro pelos cientistas e hoje milhões de pessoas no mundo sofrem já os efeitos das alterações climáticas.

O que é uma COP?

A COP é a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e é o órgão supremo da tomada de decisões dessa Convenção da ONU. A COP27 realiza-se em Sharm el-Sheikh, Egito, entre este domingo e o próximo dia 18, prevendo-se a presença de mais de 35 mil pessoas.

Na cimeira anterior, em Glasgow, Reino Unido, participaram mais de uma centena de chefes de Estado e de Governo, o que não deve acontecer no Egito. A guerra na Europa decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia levou a uma crise energética e alimentar, a par de uma subida da inflação, o que pode ter desviando a atenção de muitos políticos.

Além de líderes políticos, entre eles o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a COP27 vai juntar milhares de outros participantes, de organizações não-governamentais a empresas e comunidade académica.

As especificidades da COP27

A COP27 realiza-se no Egito, um país que afirma, segundo a ministra do Ambiente, Yasmina Fouad, que as preocupações ambientais são um “luxo” que o país não pode pagar.

Ainda que o Egito queira ter 42% da sua energia de fontes renováveis até 2035 a organização Climate Action Tracker considera a ação do Egito na questão do clima como “altamente insuficiente”, não compatível com o Acordo de Paris, e alerta que apresenta metas de redução de emissões para 2030 que não vão melhorar nada.

O Egito, acrescenta a organização internacional, abandonou os planos de eletricidade a partir do carvão mas está a aumentar o consumo de gás natural e é responsável por mais de um terço do consumo total de gás fóssil em África, sendo o segundo maior produtor de gás do continente.

Organizações ambientalistas criticaram também a presença da Coca-Cola como patrocinadora da cimeira, por ser uma empresa muito poluidora através do plástico. E denunciam com regularidade a destruição de espaços verdes.

Organizações da sociedade civil têm criticado a organização da COP27, que dizem não permitir a realização de manifestações, acusando o Egito de ser uma ditadura.

As manifestações são proibidas no Egito e ativistas têm manifestado preocupações sobre a possibilidade de fazerem ouvir as suas queixas no âmbito da cimeira.

O Egito anunciou que permitirá manifestações em Sharm el-Sheikh mas apenas numa zona reservada para tal e sob vigilância policial. A detenção de ativistas tem sido noticiada ultimamente.

Redução de emissões

As emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente de dióxido de carbono (CO2), em consequência da ação humana têm vindo a aumentar, apesar das provas científicas que alertam para o efeito que isto tem no aquecimento do planeta. Na última década, as emissões aumentaram 20%.

Há uma semana, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) avisou que os níveis dos principais gases com efeito de estufa na atmosfera registaram novos recordes em 2021, alertando especialmente para um aumento sem precedentes da concentração de metano.

Segundo a ONU, era preciso que essas emissões baixassem 7,6% ao ano entre 2020 e 2030 para se conseguir um aumento de temperaturas que não ultrapassasse os 1,5 ºC.

Mas também segundo a ONU, num relatório divulgado na semana passada, as políticas internacionais atuais estão a dirigir a Terra para um aquecimento de 2,8°C até ao fim do século. A redução de emissões é sempre tema central nas COP.

Assistência a países pobres

Em 2009, os países mais desenvolvidos prometeram trabalhar para angariar 100 mil milhões de dólares por ano até 2020, de forma a ajudarem os países mais pobres a enfrentar as alterações climáticas. Essa meta nunca foi atingida.

Esse compromisso foi de novo assumido na COP26, realizada em Glasgow, Reino Unido, no ano passado. Nunca foi concretizado.

Em Sharm el-Sheikh, os países mais pobres devem por isso exigir esse apoio, mas também apoio por perdas e danos provocados por fenómenos climáticos extremos decorrentes do aquecimento global.

No seguimento de cheias sem precedentes no Paquistão, ou em vários países africanos, a cimeira do Egito deverá centrar-se no debate entre países ricos - os principais responsáveis pelo aquecimento global - e os países pobres, os que mais sofrem com ele. O Paquistão, que sofreu recentemente cheias catastróficas, produz menos de 1% das emissões globais de gases com efeito de estufa (os países do G20 quase 80%).

Estará sobre a mesa a questão do apoio para a mitigação e adaptação mas também as perdas e os danos, mas também, segundo ativistas, indemnizações e perdões de dívidas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, já disse que a COP27 deve resultar em acordos sobre perdas e danos.

As consequências de nada fazer

O Acordo de Paris de 2015 prevê uma revisão das promessas dos Estados na redução de gases com efeito de estufa. Novas contribuições de cada país vão ser apresentadas em Sharm el-Sheikh, mas com a COP27 quase a começar não são conhecidas novas e mais ambiciosas contribuições para reduzir mundialmente a emissão de gases.

A guerra na Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro, levou a uma crise energética no ocidente e os planos de substituição das centrais a carvão foram adiados, ainda que estudos recentes indiquem que a crise energética leve a um aumento de investimento nas energias renováveis.

A crise alimentar e uma grande inflação e aumento da pobreza está a deixar para trás a luta contra as alterações climáticas, consideram organizações da sociedade civil.

Os custos de uma transição para sociedades sem emissões são muito altos, mas não fazer essa transição terá custos ainda maiores, como fenómenos meteorológicos extremos, crises de água e de produção agrícola, crises nos ecossistemas e na saúde. Atualmente, a falta de água afeta mais de mil milhões de pessoas e estima-se que esse número duplique em 2025 devido ao aumento das secas.

O que vai ser discutido

A COP27 acontece quando decorre uma guerra na Europa, que vai marcar a conferência da ONU. Os organizadores da cimeira já admitiram que as crises provocadas pela guerra podem afetar a reunião e os seus resultados.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Sameh Sukri, já disse esperar que a cimeira seja um marco na mitigação dos problemas de financiamento climático, especialmente para África, onde ficam os países mais prejudicados pelo aquecimento.

Na cimeira, os países devem rever as suas contribuições de redução de gases com efeito de estufa e devem criar um plano de trabalho para mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Serão debatidas outras questões dedicadas a temas como finanças, ciência, juventude, descarbonização, perda de biodiversidade, água, agricultura ou energia. E há depois mais 120 outros assuntos, juntando nos debates empresas, académicos e sociedade civil.

O momento em que acontece a COP27 pode não trazer grandes desenvolvimentos na redução de emissões, antes centrando-se na questão financeira, quando aumentaram em todo o mundo as catástrofes climatéricas.

Os países pobres, numa reunião no mês passado em Dacar, Senegal, já disseram que vão reclamar indemnizações pelas perdas causadas pelo aquecimento global, que os afeta especialmente. Os Estados Unidos, segundo o enviado especial para o clima, John Kerry, são favoráveis ao debate do tema das perdas e danos na COP27.

A OMM deve apresentar em Sharm el-Sheikh um plano para proteger a médio prazo os habitantes do planeta por um sistema de alerta contra fenómenos meteorológicos extremos decorrentes das alterações climáticas, que aumentaram cinco vezes entre 1970 e 2019.

Os protagonistas da COP27

A poucos dias do início da COP27, não é ainda claro que chefes de Estado e de Governo vão estar em Sharm el-Sheikh.

Do lado dos grandes emissores de gases com efeito de estufa está confirmada a presença do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Washington vai anunciar na COP27 o seu apoio a África em matéria de adaptação às alterações climáticas.

A União Europeia será também uma protagonista importante. O primeiro-ministro português, António Costa, vai estar presente em Sharm el-Sheikh.

O Reino Unido, que organizou a COP26, é outro dos protagonistas mas pela negativa, já que o novo primeiro-ministro, Rishi Sunak, anunciou que não estaria presente. O rei Carlos III também não participa.

Presentes ou ausentes serão sempre protagonistas países como a China, o maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo, ou a Índia, o terceiro, depois dos Estados Unidos.

O Egito já disse estar pronto para receber os líderes mundiais e espera que a COP27 seja “uma das maiores reuniões de atores climáticos”, com mais de 30.000 delegados inscritos.

Dicionário essencial da COP27

Glossário para ajudar a entender o que estará em discussão em Sharm El-Sheikh

Acordo de Paris – Tratado internacional adotado em 2015 na COP21 pela quase totalidade dos países para reduzir emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera e impedir que as temperaturas mundiais subam além de dois graus celsius (ºC) acima dos valores da época pré-industrial - e de preferência que não aumentem além de 1,5ºC. Até agora a temperatura global já subiu 1,1ºC acima dos valores de referência

Alterações Climáticas – Mudanças nos ciclos climáticos naturais da Terra atribuídas aos efeitos da atividade humana, especialmente às grandes quantidades de dióxido de carbono lançadas para a atmosfera pelo uso intensivo de combustíveis fósseis. As alterações climáticas manifestam-se em fenómenos como o degelo das calotes polares, a desertificação, a extinção de espécies, a destruição de ecossistemas, os incêndios florestais, a subida do nível do mar, as secas e as inundações extremas

Antropoceno – Nova época geológica proposta pelos cientistas para definirem a era atual, marcada pela ação da humanidade na generalidade do planeta, numa referência a épocas geológicas tradicionais, como Paleoceno, Eoceno, Oligoceno, Mioceno, Plioceno, Pleistoceno e Holoceno

Aquecimento global – Aumento da temperatura da superfície do planeta devido à atividade humana nos últimos cerca de 100 anos, especialmente pelo uso de combustíveis fósseis

Biodiversidade – O mesmo que diversidade biológica: a variedade de seres vivos, entre plantas e animais, que existem no planeta e que resultam de milhões de anos de evolução

Combustíveis fósseis - Combustíveis com grande quantidade de carbono, como o petróleo, o gás natural ou o carvão

Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas – Conferências de alto nível sobre a proteção do ambiente. A primeira realizou-se no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, quando foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC na sigla original). A Convenção estabelecia protocolos sobre as emissões de gases com efeito de estufa. O mais conhecido é o Protocolo de Quioto. A convenção instituiu a realização de reuniões periódicas, chamadas Conferência das Partes (COP). Até agora já se realizaram 26, sendo a de Sharm el-Sheikh a 27.ª

Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC, na sigla original. A contribuição a que cada país se propõe para baixar as emissões de gases com efeito de estufa e manter o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC. Decorrem do Acordo de Paris

Desenvolvimento sustentável – O que satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a possibilidade de futuras gerações também o fazerem. Caracteriza-se pela preservação da natureza e do meio ambiente

Economia circular – Modelo económico amigo do ambiente, prolongando a vida dos produtos e envolvendo a partilha, reutilização, reparação e reciclagem. Implica a redução do desperdício ou de resíduos

Emissões zero ou neutralidade carbónica – Quando se remove da atmosfera a mesma quantidade de gases com efeito de estufa que são emitidos pelas atividades humanas. Consegue-se reduzindo ou eliminando os principais fatores de emissão de gases e investindo em florestas, que consomem carbono para crescer. Se a quantidade de gases com efeito de estufa emitida for menor do que a absorvida fala-se de emissões negativas. A União Europeia e vários países do mundo já se comprometeram a atingir a neutralidade carbónica em 2050. Portugal foi o primeiro país do mundo a aprovar um roteiro para a neutralidade carbónica.

Energias alternativas ou renováveis – Que são provenientes de recursos naturais que se renovam, como o sol, o vento ou as marés, entre outras

Época pré-industrial – Época anterior à revolução industrial, que começou em Inglaterra. Consensualmente aponta-se para a época que começa na segunda metade do século XVIII (1750) e vai até ao início do século XIX, altura em que se generalizou o uso da máquina a vapor, em que as cidades tiveram um grande crescimento e em que aumentou exponencialmente a produção de bens de consumo

Extinção – Processo que afeta muitas espécies de animais e plantas e que coloca em causa a sua sobrevivência, especialmente por efeito da ação humana. Alguns cientistas afirmam que a humanidade caminha para a sexta extinção porque, desde o início da vida na Terra, há cerca de 4.000 milhões de anos, já aconteceram cinco momentos de extinção em massa de espécies. Estimativas indicam que metade das espécies podem desaparecer até ao fim do século por efeitos da ação do Homem

Fenómenos Climáticos Extremos – Situações anormais que os cientistas dizem que existirem ou são mais frequentes devido à influência humana no clima, como temperaturas recorde (ondas de frio e de calor), chuvas de uma intensidade nunca antes medida, secas severas e persistentes, ventos excecionalmente violentos e furacões de grande intensidade ou inundações no litoral. O IPCC e a ONU avisam que os fenómenos climáticos extremos vão aumentar em frequência e intensidade

Gases com efeito de estufa – Gases que absorvem as radiações infravermelhas emitidas pelo planeta e impedem que elas se dissipem para o espaço, aquecendo a Terra ao provocar um efeito de estufa. A produção desses gases é também natural mas foi exponencialmente aumentada pela atividade humana, sendo a queima de combustíveis fósseis a mais perigosa. O principal gás é o dióxido de carbono. O metano é também um gás, cuja concentração tem aumentado na atmosfera na última década e que aquece a Terra 80 vezes mais rapidamente do que o dióxido de carbono. Cerca de 60% do metano emitido para a atmosfera resulta da atividade humana e grande parte provém da agricultura. Também os gases fluorados com efeito de estufa - os mais conhecidos são os HFC (para refrigerar, por exemplo) - têm um potencial de aquecimento global muito superior ao dióxido de carbono. Investigadores dizem que são 23 mil vezes piores do que o dióxido de carbono

Lei europeia do clima – Lei aprovada pela União Europeia em maio de 2021. Propõe que até 2030 haja uma redução de pelo menos 55% da emissão de gases com efeito de estufa

Mercado de carbono – Ou comércio internacional de emissões. Tem origem no Protocolo de Quioto. Estabelece metas para cada país de redução de emissão de gases com efeito de estufa mas que podem ser negociadas com outros países menos emissores, ou seja, os que têm créditos de carbono por cada tonelada que não produziram (e que podiam)

Mitigação e Adaptação às Alterações Climáticas – As ações da população mundial para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa destinam-se a limitar e mitigar as alterações climáticas, pelo que é preciso reduzir essas emissões em 50% a nível global até 2050, comparando com 1990. Ao mesmo tempo, os governos estão também a preparar-se para essas alterações, adaptando-se para reduzir as consequências. Por um lado atua-se nas causas e procura-se minimizar efeitos, por outro trabalha-se para ser o mais resistente possível a essas alterações

Painel Intergovernamental Sobre Alterações Climáticas – IPCC, na sigla original. Organização que junta centenas de cientistas de todo o mundo criada em 1988 sob os auspícios da ONU e que produz informação científica sobre as alterações climáticas, para que os países possam tomar decisões políticas. Já divulgou relatórios sobre as consequências do aumento da temperatura e sobre os impactos nos oceanos e no meio terrestre

Pegada carbónica – Medida que indica a emissão de dióxido de carbono causada por ações de pessoas, empresas, organizações ou Estados. O Acordo de Paris pretende limitar a pegada carbónica dos países

Protocolo de Quioto – O primeiro tratado jurídico internacional para limitar as emissões de gases com efeito de estufa. Aprovado em Quioto, no Japão, em 1997, e que entrou em vigor em 2005. O Protocolo preconiza diferentes metas de redução de gases com efeito de estufa para os países, que resulta numa redução estimada média de 5% em relação a 1990. Não foi eficiente e muitos países grandes emissores de gases demoraram a ratificá-lo

Sumidouros de Carbono – Absorção natural do carbono da atmosfera, através, por exemplo, das árvores e de todas as plantas pela fotossíntese. Os oceanos também são um sumidouro de carbono e as algas absorvem ainda mais do que as plantas em terra. Em ambos os casos, o carbono é essencial para o crescimento. Florestas saudáveis e preservadas e a plantação de árvores (não destruindo as que existem) são fundamentais para baixar os níveis de carbono, segundo os cientistas. Já existem experiências e casos de sumidouros de carbono artificiais

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