Rui Tavares navega pelo Tejo para tentar apanhar a "maré alta" que o há de levar ao Parlamento

24 jan 2022, 21:11

O líder do Livre esteve esta segunda-feira em Escaroupim, um pequena aldeia piscatória nas margens do Tejo. Para chamar a atenção para os problemas ambientais e apelar ao "verdadeiro voto útil" - no Livre, claro

Manuel tem 58 anos e nunca votou. "Nem uma vez, nem sei como se faz", declara. "Vêm aí os políticos com o carro a dar música, chegam ao rio, dão a volta e vão-se embora. Não querem saber da gente. Se eu achasse que valia a pena ainda me esforçava, mas só os vejo a prometer coisas e a dizer mentiras." Manuel é pedreiro, nasceu a poucos quilómetros dali, em Salvaterra de Magos, e mora em Escaroupim, uma pequena aldeia piscatória na margem do rio Tejo. Manuel também é pescador. "Aqui, somos todos pescadores. Comecei a pescar pequenino com o meu pai. Mas hoje não dá para se viver disso."

Escaroupim, onde esta segunda-feira o Livre fez uma ação de campanha, é uma "aldeia avieira". As primeiras informações sobre o local remontam ao século XIX quando as famílias de pescadores de Vieira de Leiria, tentando escapar à pobreza e à falta de trabalho durante os meses de inverno, migravam para esta zona do Tejo para pescar o sável, voltando a casa no início do verão. Os "nómadas do rio", como lhes chamou Alves Redol, começaram a fixar-se ali nos anos 30 e 40 do século XX dando origem a esta povoação. Das habitações em madeira dos pescadores, de cores vivas e assentes em estacas por causa das cheias do rio, resta apenas um exemplar que funciona como casa-museu.

E da vida dos pescadores desses tempos também já pouco sobra. Junto ao cais, encostados a uma parede, a aproveitar o sol da tarde de inverno, Manuel e o seu primo António, de 72 anos, recordam como a terra chegou a ter 300 pessoas e agora não chegam a 80. "Uns foram morrendo e outros foram-se embora", diz António, que viveu toda a vida embarcado - fosse nos barcos de mercadoria do Tejo em Lisboa, fosse nos barcos de pesca do Tejo em Escaroupim. Ainda entra no barco, sempre que possivel, para pescar sável, lampreia, saboga, enguias (o Festival da Enguia, em Salvaterra de Magos, realiza-se habitualmente entre maio e junho). Mas já não conseguiu passar a sua arte aos filhos e aos netos: "A malta nova quer é trolaró, para sofrer só os mais velhos".

Entretanto, Escaroupim aproveitou o rio para se dedicar ao turismo. No verão "nem tinha aí lugar para estacionar", garante Manuel, e para ir comer bom peixe ao restaurante ao fim de semana o melhor é mesmo marcar. Mas esta segunda-feira, o museu está fechado e o restaurante também, o frio aperta e é por isso com estranheza que os dois homens vêem chegar quase uma dezena de carros. "O Rui Tavares? Não estou a ver quem é", diz aquele que nunca votou. "É mais um igual aos outros", vaticina o primo que ainda não decidiu se irá às urnas no domingo. "Olhe, menina, eu tenho 72 anos e desde que nasci que estamos à espera da estrada alcatroada para os Marinhais, como é que eu hei acreditar nos que os políticos dizem? Eles querem lá saber se eu ganho 300 ou 400 euros de reforma."

Numa coisa temos de lhes dar razão. Não há muitos políticos a vir a Escaroupim e os que vêm estão mais preocupados em ver a vista do que em falar com as pessoas. Rui Tavares, do Livre, conhece bem a história de Escaroupim e conhece bem a região. Mas esta segunda-feira, em vez de distribuir panfletos pelas ruas, optou por fazer uma viagem de barco pelo Tejo - uma ação pensada exclusivamente para os jornalistas - porque considerou que seria um bom local para chamar a atenção para as questões ambientais e para a necessidade de pensar estes problemas com Espanha e com o resto da Europa: "Este rio, que é estruturante para o nosso país, está em certa medida doente", com "caudais mais fracos", diz o candidato, lembrando a necessidade de haver "um acordo estratégico com Espanha para a exploração dos recursos hidrícos" e o perigo da central nuclear de Almaraz: "O Livre defende não só um país mas uma Península Ibérica livre do risco nuclear", clarifica.

O Livre quer aproveitar a maré para chegar ao parlamento

Vamos, então, ao passeio. Ao leme do barco, está Rui Domingos, de 57 anos, dono da empresa Rio-A-Dentro, que desde 2010 trocou o trabalho em publicidade na capital do país pela paz da sua terra natal e o negócio dos passeios de barco. Tem três barcos e já há um quarto a caminho e não se cansa de elogiar a beleza do Tejo que nesta zona é ainda tão selvagem.

Já a bordo, o Rui Tavares historiador delicia-se a contar episódios relacionados com a região - como o facto de a família real se deslocar de barco, rio acima, para ir à ópera em Salvaterra - mas rapidamente dá lugar ao Rui Tavares político e aproveita a paisagem para dizer que “a evolução do Livre lembra um bocadinho as marés”: “Se a gente apanha a maré alta e sobe meio ponto, elegemos um grupo parlamentar. Se apanhamos a maré baixa e descemos meio ponto, repete-se 2015”, diz, recordando as legistalativas desse ano, quando o partido esteve perto, mas não conseguiu eleger qualquer deputado. Para o Livre “subir ou descer meio ponto é bastante mais relevante”. “Essa mudança da maré faz uma grande diferença para nós”, diz.

Por isso, na sua opinião, não só "todos os votos à esquerda contribuem para impedir um governo de direita" como o verdadeiro voto útil tem de ser no Livre, "o único partido que poderá levar para o parlamento uma nova maneira de fazer política".

Portanto, pede aos eleitores que queiram ver o Livre da Assembleia da República que não fiquem em casa no domingo: “As sondagens não elegem ninguém, as boas prestações nos debates não elegem ninguém, mesmo a enorme simpatia que sentimos todos os dias nas ruas é encorajadora mas por si só não elege ninguém, o que elege é votar”, alerta.

Ainda aproveitando as metáforas aquáticas, Rui Tavares apela à união da esquerda após as eleições: "A partir de dia 31 vamos ter de reconstruir muitas coisas em Portugal", diz. "Uma das coisas a reconstruir são as pontes à esquerda, que muita gente anda a querer dinamitar." Se fosse a sua vontade a prevalecer, não havia sequer lugar a dúvidas: “As coisas não se passam só entre Bloco de Esquerda e PS, precisam do contributo de toda a esquerda e é com toda a esquerda que vamos ter que falar a seguir”.

Nisto, já o sol está a baixar e a luz sobre as águas é magnífica. É tempo para deixar os discursos e apreciar a paisagem. No passeio não se viram as famosas garças, que podem chegar aos milhares na primavera, mas por entre os vários mouchões (pequenas ilhas) do Tejo avistam-se alguns cavalos selvagens. Não há mais metáforas, é altura de regressar a terra.

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