Rui Tavares no Teatromosca ou porque “uma mosca sem valor pousa com a mesma alegria na careca de um doutor como em qualquer porcaria”

24 jan 2022, 16:04
Rui Tavares partcipa numa sessão pública (ANTÓNIO COTRIM/Lusa)

Deve o nome a um poema de António Aleixo, este local que já foi igreja da IURD

Entra-se no Centro Comercial do Cacém e é como fazer uma viagem aos anos 80. Inaugurado em 1979, aquele que terá sido o primeiro shopping do país tinha um jardim interior originalmente desenhado pelo arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, uma sala de cinema, o Estúdio Flores, e dois pisos de lojas com paredes de vidro e uma profusão de cores. Entretanto, do jardim só restam alguns canteiros já que as palmeiras e as bananeiras tiveram de ser arrancadas porque as raízes punham em risco a construção, das lojas nem todas sobreviveram – há montras tapadas com papel mas ainda há muitas lojas de roupa e telecomunicações, ateliers de unhas, cafés e restaurantes, uma cabeleireira e uma “barber shop”, entre outras – e a sala de cinema já foi igreja da IURD e é, desde 2003, Auditório Municipal António Silva, propriedade da Câmara Municipal de Sintra. E foi aí, precisamente, que Rui Tavares, candidato do partido Livre, se encontrou esta manhã com Pedro Alves, o diretor artístico do Teatromosca.

Fundado em 1999, o Teatromosca chama-se assim porque, ao princípio, os artistas andavam “por aí, a saltitar de um lado para o outro”, diz Pedro Alves. E também por causa do poema de António Aleixo: “Uma mosca sem valor pousa com a mesma alegria na careca de um doutor como em qualquer porcaria”. “É como nós”, brinca.

Há mais de 20 anos a trabalhar na linha de Sintra, na “periferia” como diz quem é de Lisboa, o Teatromosca arrendou o auditório e é, desde 2017, responsável pela programação do espaço.  “É um desafio brutal, tínhamos uma companhia essencialmente de itinerância e agora temos esta responsabilidade”, conta. “Programamos teatro, dança, música, fazemos um trabalho com a comunidade – com os jovens, as escolas, as associações do concelho – que era algo que já fazíamos antes mas agora com mais consistência e regularidade.” Existe também um esforço da divulgação das criações pelo país e e na internacionalização. “A pandemia trocou-nos as voltas mas estamos a tentar voltar.”

A companhia orgulha-se de ter onze pessoas, todas contratadas, e de não trabalhar com recibos verdes. “Todos os artistas que trabalham connosco fazem-no com contrato”, garante Pedro Alves. Uma teimosia ética que lhes sai cara: dos 400 mil euros de orçamento anual, metade é completamente engolida pela estrutura, com gastos com ordenados, renda e despesas fixas. Fica o resto para a criação. Mas o esforço compensa: “Ter um espaço dá-nos mais autonomia e permite-nos ter outras condições de trabalho”. E o auditório, com 188 lugares, está bem equipado e é confortável. “Um espaço destes em Lisboa estaria sempre cheio”, lança o encenador. Ali, consegue ter uma média de 90 espectadores por sessão, o que o deixa bastante satisfeito.

“Estamos a 15 minutos de Lisboa mas as pessoas ainda acham que Agualva-Cecém é muito longe e não acreditam que aqui se possa ter uma programação de qualidade, mas isso é um preconceito”, lamenta Pedro Alves, deixando a crítica aos responsáveis da cultura, aos políticos e aos órgãos de comunicação social que nunca ali aparecem. “A não ser quando cá vem algum candidato, o que também é raro”, diz.

Foi também por isso que Rui Tavares quis vir, diz o líder do Livre. Chega pouco depois das 10.30 e não tem pressa. Vem com tempo para subir até ao palco, para fazer perguntas sobre a companhia e as dificuldades que enfrentam. “A cultura não é só cultura. A cultura é coesão, é inclusão, é criatividade”, diz Rui Tavares. E é também economia: contribui para o turismo, para a dinamização dos centros das cidades, gera emprego e faz mexer a economia de diversas formas. “Todos os governantes, depois de governarem, lamentam não ter dado mais atenção à cultura”, diz. Daí que considere que pedir 1% do Orçamento do Estado para a cultura não é pedir muito: “É um investimento hoje que significa arrecadação de mais impostos, de diferentes formas, no futuro”.

A principal proposta do Livre nesta área prende-se com a criação do Estatuto do Trabalhador Independente na área da cultura, que tenha em conta “a irregularidade do trabalho nesta área, para que possam fazer descontos maiores quando há mais trabalho e auferir de um subsídio de desemprego quando não há”. Algo que está relacionado com a implementação de um rendimento mínimo garantido para todos os trabalhadores independentes: “É preciso não misturar os falsos recibos verdes, que devem ser contratados, com os verdadeiros trabalhadores independentes”, defende.

Outra ideia é a criação de Balcões de Apoio para os trabalhadores terem ajuda na sua relação com o Estado e no pedido de apoios, por exemplo à União Europeia. E explica: “Sei por experiência própria como é difícil sermos o nosso próprio gestor, contabilista, advogado… e como é complicado orientarmo-nos no meio de todas as burocracias”.

 

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