"Eu usei os partidos, nunca me usaram". Chamam "vira-casacas" ao político do Chega que mostrou o dedo do meio numa reunião camarária

7 mar, 08:00
Eduardo Miranda

LISTA DOS ÚLTIMOS | Eduardo Miranda já foi eleito pelo CDS, pelo PSD e pelo PS para cargos municipais no distrito de Vila Real. Em todas as ocasiões, terminou o mandato chateado com as direções dos partidos. Acabou no Chega, onde ocupou o último lugar das listas à Assembleia da República, em 2022 e é o terceiro na mesma lista este ano

Se a máxima de Warhol for seguida à risca, Eduardo Miranda já esgotou os seus 15 minutos de fama - e tudo por um dedo do meio à Agência Portuguesa do Ambiente gravado durante uma sessão camarária de Peso da Régua. No vídeo, que acabou no programa de Ricardo Araújo Pereira, o deputado municipal pelo Chega acusa os “gajos” (a APA) de “quererem enrabar” a população daquela região por ter chumbado a construção de um prédio de “quatro ou cinco andares” numa zona com risco de inundação.

“Passei-me dos carretos”, diz Eduardo Miranda à CNN Portugal, descrevendo o momento em que o presidente da câmara transmitiu a notícia. “Mas o nosso presidente é desautorizado por uma agência? Fuck you! Isto é um nojo!”. “Se o senhor for lá ao sítio onde eles queriam construir, vê que uma grande superfície chamada Intermarché está numa zona ligeiramente inferior”. Miranda, que não se arrepende de nada do que disse, sublinha que a única coisa que ainda não fez até hoje, mas que ainda quer, “foi escrever ou tentar chegar ao Ricardo" (Araújo Pereira) e dizer-lhe: "fica em minha casa, que eu mostro-te o sítio”. “Ele depois que faça o que entender”.

O médico de clínica geral, deputado municipal e último da lista pelo Chega em Vila Real nas legislativas de 2022, recebe quem o visita num consultório no quinto andar das galerias de São João. Para lá chegar, é preciso apanhar um elevador de esquina que abre vagarosamente num terraço com vista para o Douro. “Aqui na zona da Régua, se o Eduardo Miranda fosse em primeiro das listas, havia muita gente que não votava no Chega por medo de perder o médico”, sublinha enquanto um casal de porquinhos da índia entra e sai do espaço que deixa latente na roupa o cheiro a tabaco slim. No gabinete ao lado do seu, um gato tenta adormecer. “Fui em último, porque era preciso malta para encher a lista”.

O Chega, partido em que se inscreveu logo na sua origem, foi o quinto cartão de militante na sua história política, que começou no CDS. “Em 1982, assumi a presidência da Conselhia na Régua do CDS, porque me sentia verdadeiramente um democrata cristão”. Em 1986 “fui eleito pela AD presidente da Assembleia Municipal”. Em 1989 “concorri à Câmara e fui eleito vereador”; “Depois, mais tarde, fui eleito pelo PS, presidente da Assembleia Municipal de Mesão Frio… mantive-me lá dois anos, chateei-me com o presidente, vim-me embora. Depois fui candidato a Mesão Frio pelo PSD. Na tentativa de ser presidente da Câmara fui eleito vereador. Ao fim de oito meses chateei-me com o PSD. Vim-me embora”.

Eduardo Miranda no seu consultório em Peso da Régua

Há quem nos grupos de Facebook da região o chame de “vira-casacas”, confessa, mas Eduardo Miranda tem a resposta pronta. “Digo sempre da mesma maneira, eu tinha um projeto para a sociedade, naquele local, naquele momento, naquele tempo, e achei que a melhor forma de o conseguir era no circuito de poder que me permitia alcançar isso”. “Eu é que usei os partidos, eles nunca me usaram”.

Militante do partido de André Ventura desde a sua fundação, Eduardo Miranda diz que foi o Chega que o acordou de uma longa ausência de interesse pela política. Um hiato que o deputado municipal atribui à aproximação de Basílio Horta e de Freitas do Amaral ao PS. “Opá, essa merda deu cabo da minha paciência por completo. E eu passei a ser um desencantado da política partidária. E comecei a ser um fartista”.

E fartista ficou até ouvir os primeiros discursos de André Ventura sobre “a excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas” (julho, 2017) e a crítica feita à política de imigração europeia do “entrem, usem e abusem" (maio, 2019).

“Eu sou um tipo que defende que não deve haver uma imigração de portas abertas”, aponta Eduardo Miranda. “Defendo que é necessário aceitarmos imigrantes, mas imigrantes com uma determinada qualificação para aquilo que for necessário para as necessidades do país”. 

Ou então, argumenta já de dedo em riste, “até imigrantes que não sejam muito qualificados, para a agricultura, que a falta de mão de obra é um problema que se vive muito acentuadamente na região demarcada do Douro”. Mas, declara ainda, só aceita “essa imigração” se “essa gente vier com um contrato de trabalho, se os contratadores assumirem as responsabilidades mais básicas pela permanência deles num local de trabalho, que é salário, desconto para a segurança social e habitação digna”. “Se é para repetirmos sucessivamente problemas como os exemplos da mouraria ou como os exemplos de Odemira, opá, eu não aceito”, acrescenta.

Eduardo Miranda começou, então, a militar no Chega em 2019, ano em que foi condenado a dois anos de pena suspensa por burlas ao SNS pelo Tribunal de São João Novo. 

Quando chegou ao partido, conta, arregaçou de imediato as mangas. De tal forma que, argumenta, não passa um dia sem fazer campanha ao partido. “Desde que sou militante que, no carro que levo para o trabalho, um Fiat Abarth, tenho autocolantes laterais e um aileron com o símbolo do Chega”. “Isso tem um grande impacto”, explica, “porque eu, para além das consultas que dou na Régua, dou também consultas em Resende, Vila Real e Alvarenga e, portanto, as pessoas reconhecem-me e reconhecem o partido, no carro”.

Dúvidas existissem, insiste também, “o investimento em propaganda do Chega não é só estético, também é monetário”, já que “o partido não se chega à frente”. “Naquelas legislativas, dois cartazes enormes de seis metros que existiram na Régua fui eu que os paguei do meu bolso e desta vez se calhar vai acontecer outra vez, mas eu vou continuar nisto”. 

Essas legislativas a que se refere deram maioria absoluta ao PS, “muito traumática para o partido em Vila Real”, e foram também aquelas em que Eduardo Miranda integrou o último lugar das listas. “Aceitei ser o último para encher a lista”. “Porque eu não tinha, nem tenho, nem vou ter ambições políticas a coisa nenhuma”. 

Mas há ainda outro fator para não colocar como hipótese, sequer, ficar num lugar elegível para a Assembleia da República. “Aqui no Peso da Régua, se o Eduardo Miranda fosse em primeiro, havia muita gente que não votava em mim por causa do medo de perder o médico”. 

“Isto passou-se, isto foi-me confessado”, teima, “Quando eu me candidatei à Câmara da Régua, eu tive dois mil duzentos e tal votos. Votaram em mim comunistas, pá! Andaram na minha campanha comunistas, na minha caravana comunistas. Mas houve muita gente que não votou. Que não queria perder o médico”.

Eduardo Miranda, que este ano integra as listas do Chega a Vila Real em terceiro, crê que o seu partido vai ter um crescimento exponencial, “se calhar mesmo 40 deputados”. No entanto, ainda não vê nele organização suficiente para que possa fazer parte de uma solução de governo à direita.

“Lamento confessar-lhe que neste momento o Chega, pá, ainda não tem uma organização interna suficientemente válida”, critica, dando o exemplo de como tentou, no final do ano passado, chegar ao contacto com Rita Matias. “Eu tive acesso ao e-mail do pai dela e mandei-lhe um e-mail para falar com a filha para que ela me mandasse documentos sobre políticas do Chega para a juventude”. “A minha ideia era sintetizar aquilo numa folha A4 e eu e mais uns amigos distribuirmos nas escolas, mas não tive sequer resposta”. 

“Falta-lhes uma cabeça organizadora para comunicar com quem está fora da cúpula”, acrescenta, referindo que “fica um bocado a ideia de que caminhamos para ser um partido que é mais o mesmo".
 

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