Canais de denúncia e quotas de género consagrados na lei, pelo desporto como «espaço seguro»

11 jan, 23:55
Mercado: jogadores e sombras (Foto FRANCOIS-XAVIER MARIT/AFP via Getty Images)

Diploma que introduz alterações ao regime jurídico das Federações foca-se ainda nas infrações que violam a ética desportiva, como o assédio. Iniciativa do PAN foi aprovada pelo Parlamento e espera aproveitar o «potencial do desporto na sensibilização para as questões da igualdade de género, do respeito, da tolerância e de discursos que não sejam de ódio»

O projeto de lei que prevê quotas de género para os órgãos das Federações e Ligas e canais de denúncia para infrações no âmbito desportivo, nomeadamente as que violam a ética desportiva, como o assédio, foi aprovado nesta quinta-feira em plenário da Assembleia da República. Iniciativa do PAN, a legislação introduz alterações ao regime jurídico das Federações.

«O desporto tem de configurar um espaço seguro para todas as pessoas, seja do ponto de vista do assédio seja do ponto de vista da não discriminação ou de fenómenos como a corrupção», diz ao Maisfutebol a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, defendendo que o objetivo do diploma é aproveitar o «potencial do desporto na sensibilização para as questões da igualdade de género, do respeito, da tolerância, de discursos que não sejam de ódio»: «Estamos a falar de uma área da sociedade que atinge milhões de pessoas, pelo que estamos aqui a conseguir chegar a essas pessoas com exemplos de boas práticas.»

No que diz respeito à representação de género, o projeto prevê que os órgãos de administração e fiscalização das Federações e das Ligas tenham uma proporção não inferior a 33,3 por cento de cada sexo, pretendendo com isso aumentar a representatividade das mulheres. «O mundo do desporto ainda é marcadamente masculino. As mulheres não têm as mesmas oportunidades salariais dos homens em matéria de competição, mas também depois na dimensão do pós-carreira», diz Inês de Sousa Real, considerando que a definição de quotas «promove não só um sinal de igualdade para mais oportunidades para meninas e mulheres num pós-carreira mas também de intervenção nos órgãos de tomada de decisão.»

A legislação inclui um período transitório para adaptação, prevendo que a proporção seja não inferior a 20 por cento numa primeira fase e atinja então os 33,3 por cento nos órgãos sociais eleitos a partir de janeiro de 2026. Uma moratória que, diz a porta-voz do PAN, tem também em conta as diferentes realidades nas Federações.

«Foi um processo fortemente participado, tivemos pareceres quer da Federação Portuguesa de Futebol quer do Instituto Português do desporto e Juventude, do Comité Olímpico. Todos os contributos foram essenciais para conseguirmos alterar a legislação e garantirmos que vai ao encontro da realidade. Incluindo das Federações mais pequenas e das realidades mais particulares, até do ponto de vista da representatividade», observa: «É por isso que este texto final tem uma moratória. Tem dois anos para uma adaptação dos cargos, porque sabemos que há mandatos que estão em curso, há Federações ou Ligas que têm neste momento uma dimensão mais pequena do ponto de vista da sua atividade e também da sua capacidade financeira.»

Quanto aos vários tipos de infrações no âmbito do desporto, o diploma alarga a todas as Federações e Ligas a criação de canais de denúncia. «Federações como a Federação Portuguesa de futebol ou de andebol já têm estes canais de denúncia em vigor, e foi através deles que se conseguiram tramitar processos quer de assédio quer de corrupção. Reunimos também com a Federação Portuguesa de Futebol, pudemos perceber de que forma é que funcionava o canal de denúncia e de que forma é que a nossa iniciativa podia ir ao encontro da realidade», diz Inês de Sousa Real: «Estamos a falar de boas práticas em matéria de transparência, como o combate à corrupção. Neste sentido, acompanhar matérias que já estavam na prática a ser promovidas por algumas federações, mas não por todas, era fundamental.»

Texto final não fala em assédio, mas «espírito do legislador é que esteja incluído»

O projeto de lei propõe-se consagrar o assédio como infração disciplinar no âmbito do regime jurídico das Federações, embora o termo assédio em concreto não esteja vertido no texto do diploma. Isso resulta de alterações introduzidas no documento final, explica a representante do PAN.

«Este texto sofreu alterações por propostas de outros partidos, nomeadamente o PS e o PSD. Na proposta de origem do PAN o assédio sexual era referido de forma expressa. Com as alterações que foram feitas pelo PS de facto deixou de constar essa palavra, mas a ética desportiva abrange esse tipo de condutas», afirma: «Tudo o que possa ser conduta que ponha em causa a ética desportiva recai nesta norma. E qualquer conduta que seja passível de configurar assédio sexual será tramitada ao abrigo desta nova legislação. O espírito do legislador aqui é sem dúvida que o assédio sexual esteja incluído. Aliás, foi partindo desse pressuposto que demos entrada desta iniciativa legislativa que se consagrou agora.»

O projeto de lei define ainda que o regulamento disciplinar das Ligas inclua medidas para sancionar a violação de normas relativas à ética desportiva, de acordo com o que está previsto no regime jurídico, que compreende infrações como violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia, bem como «quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo».

«Condutas como o assédio, a discriminação ou até mesmo os discursos de ódio ou a xenofobia não estavam previstos como infração disciplinar e através desta alteração o PAN conseguiu garantir que não só está introduzido com força de lei, como as Ligas profissionais têm de ter esta matéria como infração disciplinar e também promover a criação de canais de denúncia», diz Inês de Sousa Real, «de modo a que tudo o que configure matéria disciplinar seja tramitado nessa dimensão e, sempre que haja matéria criminal, existam protocolos de cooperação com a Polícia Judiciária, com o Ministério Público, para que de imediato sejam remetidas essas denúncias, por via dos canais.»

Nesse sentido, o projeto enquadra os canais de denúncia no âmbito da lei já existente que define o regime de proteção de denunciantes. O que permite, defende Inês de Sousa Real, «deixar claro que abrange as condutas de assédio e também as condutas que possam configurar crimes como o branqueamento de capitais, tráfico de influência, corrupção»: «Neste caso remetemos para a legislação já vigente, harmonizando assim com o quadro legal já em vigor.»

«É um passo histórico para o mundo do desporto, tendo em conta que estamos a partir de boas práticas, de exemplos positivos», conclui a porta-voz do PAN: «Acredito mesmo que num país que ainda é tão marcado por fenómenos como a violência doméstica, o abuso sexual, empoderarmos e capacitarmos as atletas, mas também darmos este exemplo tão positivo para tantas mulheres pode ter repercussões até sociais no combate a outros fenómenos já fora das quatro linhas do desporto.»

O projeto de lei foi aprovado nesta quinta-feira, na última sessão plenária da atual legislatura antes da dissolução do Parlamento, com votos favoráveis de todas as bancadas parlamentares à exceção do PCP, que se absteve. Aguarda agora promulgação pelo Presidente da República.

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