A Coreia do Norte (diz que) colocou em órbita um satélite espião. E isso pode ser mau para o resto do mundo

CNN , Brad Lendon, Gawon Bae e Yoonjung Seo
22 nov 2023, 14:30
Foguetão descola na terça-feira, transportando o primeiro satélite espião da Coreia do Norte, em imagens divulgadas pelos meios de comunicação social estatais. Rodong Sinmun

Analistas temem que Pyongyang esteja a tentar adquirir tecnologia de mísseis balísticos intercontinentais

A Coreia do Norte afirmou nesta quarta-feira ter colocado em órbita o seu primeiro satélite espião e prometeu realizar novos lançamentos para se defender contra aquilo a que chamou "as perigosas manobras militares dos seus inimigos".

Segundo os analistas, se a nave espacial funcionar, poderá melhorar significativamente as capacidades militares da Coreia do Norte, permitindo-lhe, nomeadamente, atingir com maior precisão as forças adversárias.

O satélite, denominado "Malligyong-1", foi lançado na terça-feira num novo foguetão, o "Chollima-1", segundo a Agência Central de Notícias da Coreia (KCNA), uma agência estatal.

"O lançamento de um satélite de reconhecimento é um direito legal da Coreia do Norte para reforçar o seu direito à autodefesa", refere a notícia da KCNA.

Nem a Coreia do Sul, nem os Estados Unidos, nem o Japão, que estão a viver tensões militares crescentes com a Coreia do Norte, puderam confirmar que o satélite tinha entrado em órbita.

Mas a Coreia do Sul considerou o lançamento uma "clara violação" de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que proíbe a Coreia do Norte de utilizar tecnologia de mísseis balísticos.

Na manhã de quarta-feira, o governo sul-coreano suspendeu parcialmente um acordo que tinha com a Coreia do Norte e que limitava as atividades de reconhecimento e vigilância do Sul ao longo da zona desmilitarizada (DMZ) que separa os dois países.

O líder norte-coreano Kim Jong-un celebra o lançamento do satélite na noite de terça-feira com trabalhadores, numa imagem fornecida pelos meios de comunicação estatais. Rodong Sinmun

O foguetão que transportava o satélite foi lançado na direção sul e terá passado por cima da prefeitura japonesa de Okinawa.

O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, condenou o lançamento, referindo-se a ele como "uma situação grave" que "afeta a segurança" das pessoas no Japão, reiterando o seu compromisso de continuar a trabalhar com os EUA e a Coreia do Sul para responder aos lançamentos de Pyongyang.

Em comunicado nesta quarta-feira, as forças armadas de Seul disseram ter acompanhado os preparativos para o lançamento em estreita cooperação com os EUA.

Segundo o comunicado, o sistemas de armas superfície-ar integrado da Coreia do Sul, dos EUA e do Japão foram destacados para acompanhar o lançamento e as informações sobre as especificidades do mesmo estão a ser analisadas de forma exaustiva.

O Ministro da Defesa japonês, Hiroyuki Miyazawa, afirmou que o seu país ainda está a tentar determinar se o satélite da Coreia do Norte atingiu a órbita.

Terceira tentativa de lançamento de um satélite

Pyongyang tentou pela primeira vez colocar um satélite em órbita no final de maio, mas a segunda fase do foguetão que transportava o satélite avariou e este caiu no mar.

Segundo a KCNA, "a fiabilidade e a estabilidade do novo sistema de motores" eram "baixas" e o combustível utilizado "instável", o que levou ao fracasso da missão.

Uma segunda tentativa falhou em agosto, quando se verificou "um erro no sistema de detonação de emergência durante o voo da terceira fase", segundo informou a KCNA na altura.

O foguetão partiu-se em várias partes antes de cair no Mar Amarelo, no Mar da China Oriental e no Oceano Pacífico, segundo as autoridades japonesas.

Num discurso desafiador perante o Conselho de Segurança da ONU após o segundo lançamento falhado, o embaixador norte-coreano Kim Song insistiu que a prossecução do programa de satélites espiões estava dentro do "direito legítimo do país como Estado soberano". Negou que a Coreia do Norte estivesse a tentar adquirir tecnologia de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) através do lançamento do satélite.

A terceira tentativa da noite de terça-feira era amplamente esperada e sinalizada por Pyongyang, que na quarta-feira prometeu lançar mais.

A Administração Nacional de Desenvolvimento Aeroespacial da Coreia do Norte apresentou um plano para "assegurar a capacidade de reconhecimento da região sul-coreana (...) através do lançamento adicional de vários satélites de reconhecimento num curto espaço de tempo", indicou a KCNA.

Pyongyang afirmou que o facto de ter um satélite é uma medida legítima de autodefesa contra o que afirma ser uma série de provocações por parte dos EUA, da Coreia do Sul e do Japão.

No início desta semana, a Coreia do Norte denunciou os Estados Unidos pelas suas potenciais vendas de mísseis avançados ao Japão e de equipamento militar à Coreia do Sul, qualificando-as de "ato perigoso".

A Coreia do Norte afirmou ser "óbvio" a quem se destinaria e contra quem seria utilizado o equipamento militar ofensivo.

Um impulso militar para Pyongyang

Os analistas afirmam que mesmo um único satélite em órbita ajuda a Coreia do Norte a manter a sua posição militar.

"Se funcionar, melhorará as capacidades de comando, controlo e comunicações ou de informação e vigilância do exército norte-coreano. Isso melhoraria a capacidade do Norte para comandar as suas forças" em qualquer possível conflito, considerou Carl Schuster, antigo diretor de operações do Centro Conjunto de Informações do Comando do Pacífico dos EUA.

O "satélite dar-lhes-á uma capacidade que anteriormente não possuíam e que pode ajudá-los na definição de alvos militares, pode ajudá-los na avaliação de danos", observou Ankit Panda, especialista em política nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, think tank norte-americano.

E as lições aprendidas com o lançamento de terça-feira serão usadas no desenvolvimento de futuros satélites, disse Panda.

"Vão pegar no que aprenderam com este lançamento bem sucedido e aplicá-lo a outros lançamentos. Vão procurar ter uma constelação resiliente e redundante de satélites de observação da Terra e isso fará uma grande diferença para as capacidades globais de consciência situacional estratégica (da Coreia do Norte)", argumentou.

Mas outros alertaram para o facto de as capacidades reais do que Pyongyang lançou na terça-feira estarem ainda por conhecer. Alguns sugeriram que o Norte tinha mais a perder com o facto de o Sul ter retomado a recolha de informações ao longo da fronteira do que a ganhar com o lançamento do satélite.

"As operações com drones de vigilância que Seul poderá iniciar em breve ao longo da DMZ deverão produzir informações mais úteis do que o programa rudimentar de satélites da Coreia do Norte", antecipou Leif-Eric Easley, professor da Universidade Ewha, em Seul.

Ligação russa?

No domingo, o ministro da Defesa da Coreia do Sul, Shin Won-sik, afirmou que o Norte teria "quase resolvido" o problema dos motores dos foguetões "com a ajuda da Rússia".

Esta declaração foi feita depois de o líder norte-coreano Kim Jong-un ter visitado a Rússia em setembro, quando visitou o local de lançamento de foguetes espaciais russos ao lado do presidente Vladimir Putin.

Nessa reunião, Putin manifestou a sua vontade de ajudar a Coreia do Norte a desenvolver o seu programa espacial e de satélites.

Mas Panda alertou para o facto de não se poder presumir que a ajuda e os conselhos da Rússia tenham feito a diferença para o sucesso do terceiro lançamento.

"Dada a cronologia, parece-me improvável que os norte-coreanos já tenham recebido e implementado a assistência técnica da Rússia", afirmou. "Não esqueçamos também que os próprios norte-coreanos são extremamente capazes nesta altura."

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