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Jornalista,editor de Sociedade

José Miguel Júdice: quem quer ser mentiroso?

26 jul 2023, 12:14

Quando vivemos alarmados pelo lixo informativo que corre nas redes sociais, as chamadas "fake news" num espaço desregulado onde a mentira levada à exaustão passa impunemente por verdade, eis que uma descarga abjeta nos entra casa adentro pela televisão. E pela voz insuspeita e serena de um "senador", José Miguel Júdice. Em dois minutos, na SIC Notícias, conseguiu a proeza de sancionar e amplificar uma descarada e comprovada mentira sobre a TVI e os seus jornalistas e, ao mesmo tempo, ainda violar os princípios mais básicos que sempre simulou defender como velho advogado e antigo bastonário - a presunção de inocência de pessoas que Júdice até finge agora não saber que estão mais do que ilibadas de qualquer suspeita. É obra.

Ele próprio, note-se, antes de amanhar dois ou três disparates avulsos teve o cuidado de avisar o espectador de que não tinha a certeza de as coisas que ia dizer estarem relacionadas entre elas. Premonitório, porque o que se seguiu foi só miserável. 

Quanto à TVI, Júdice teve a desfaçatez de replicar uma notícia falsa do jornal SOL, tomando-a como verdadeira, depois de já ter sido desmentida com factos: nenhum jornalista da TVI contactou qualquer suspeito da Altice na véspera das buscas. Nenhum. E, ao contrário do que noticiou o SOL, nenhum dos suspeitos deu conta dessa mentira em tribunal. Mas Júdice decidiu cavalgar a mentira e, sem vergonha, foi sozinho por aí fora, insistindo que o telefonema foi feito por "algum jornalista mais atrevido ou distraído". Não, Dr. Júdice: mentiu o SOL e mente agora o senhor, por solidariedade.

Não contente com esta mentira, colou-a sabe-se lá porquê a outro disparate avulso, em que incluiu o meu nome enquanto jornalista da TVI e da CNN, talvez sugerindo, de forma cobardemente subtil, que tivesse sido eu a contactar o dito Armando Pereira da Altice. Terá sido esse o propósito, mas não se percebeu bem. Lembrou que fui acusado num conhecido processo de violação do segredo de justiça, em que partilhei o banco dos réus com outro jornalista, Carlos Rodrigues Lima, fingindo Júdice não saber que o tribunal nos absolveu porque não violámos nada nem ninguém - apenas cumprimos a nossa "missão de informar", de forma "legitima" e ao serviço do "interesse público", conforme frisaram três juízes de um coletivo. 

Fica a saber que fizemos desse processo, com orgulho, a defesa de liberdade de imprensa, valor essencial da democracia que Júdice conhecerá vagamente dos seus tempos universitários, nos anos 60, em que era um assumido dirigente estudantil do antigo regime, na comissão administrativa nomeada por Salazar para tomar conta da Associação Académica de Coimbra. De lá para cá moderou-se, e adaptou-se ao novo regime que sempre lhe pagou bem nos últimos 50 anos, no lago dos interesses que também se vai servindo de algum jornalismo.      

Por último, na SIC Notícias, cereja no topo do bolo para José Miguel Júdice, grande exemplo da advocacia, e enorme defensor dos direitos, liberdades e garantias, da presunção de inocência e de outros chavões que, pelos vistos, só se aplicavam aos clientes a quem sempre faturou dezenas e centenas de milhares de euros, como João Rendeiro: são princípios que, para Júdice, já não se aplicam, por exemplo, a quem, do lado da Justiça, investe a vida a perseguir burlões como o falecido Rendeiro, de quem o advogado terá saudades.

É aqui que entra o diretor da Unidade de Combate à Corrupção da PJ, Pedro Fonseca, lembrado por Júdice talvez de forma ressentida. Fonseca já não goza de presunção de inocência nenhuma, porque em tempos também foi acusado de violação de segredo de justiça - e, segundo o antigo advogado, foi nessa condição que a PJ o nomeou para diretor. Acontece que é mais uma mentira: Pedro Fonseca foi ilibado pelo tribunal há mais de um ano, coisa que Júdice finge não saber, e já foi na qualidade de inocente que tomou posse na PJ.

Entre mentiras descaradas e omissões, que a entrevistadora Clara de Sousa deixou passar como se lhe coubesse ali estar de corpo presente, o que é que todos os disparates acima descritos têm a ver uns com os outros? Nada, mas Júdice também avisou os espectadores da SIC para essa possibilidade. 

Rendeiro sempre tinha mais graça. Até eu já começo a ter saudades.

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