Incidente com a torre de controlo no aeroporto do Porto "foi falado em todo o mundo". "São três casos em dois anos. Isto é péssimo para a imagem do país"

7 jul 2023, 15:16
Aeroporto Francisco Sá Carneiro

Ex-comandante da TAP reconhece que o "o Porto tem mais tráfego hoje do que tinha há 20 anos" mas que isso não desculpa o incidente "grave" entre um Boeing da Ryanair e um Airbus da SATA. E isto "é péssimo" para a economia portuguesa, adverte

O incidente que ocorreu no passado dia 26 de junho no aeroporto do Porto "foi falado em Portugal e em todo o mundo" e pode trazer "danos à economia do país". Afinal, tratou-se de "uma falha grave", como descrito pelo ex-comandante da TAP José Correia Guedes, com origem na torre de controlo, que deu autorização para a aterragem de um avião da Ryanair ao mesmo tempo que uma aeronave da SATA se preparava para descolar.

A NAV Portugal admite a "existência de erro humano" e José Correia Guedes, que já havia alertado para potenciais "problemas estruturais" daquela torre de controlo, considera mesmo que "era impossível" chegar a outra conclusão.

"A NAV tem a consciência que aconteceu um erro grave", observa, em declarações à CNN Portugal.

A navegação aérea é suscetível a imprevistos, seja pelas condições atmosféricas ou por outras contingências, que por vezes obrigam os pilotos a efetuarem um procedimento designado "Go Around", que, em tradução livre, significa "dar uma volta" para ganhar tempo numa determinada situação. Mas este foi um "episódio raro", como descreve o ex-comandante da TAP, que evoca a sua carreira de quase 40 anos a pilotar aviões para elucidar precisamente o que distingue uma situação da outra.

"Que me lembre, [o procedimento Go Around] aconteceu comigo duas vezes, mas com diferenças substancias, desde logo o facto de que, em ambas as vezes, eu não estava autorizado a aterrar. Eu vinha em aproximação e o controlador disse-me "Go Around, já não pode aterrar", mas nunca me chegou a dar autorização para aterrar. Neste caso é mais grave porque envolve a autorização de aterragem. E isso é raríssimo", explica.

De acordo com o relatório preliminar da NAV Portugal, divulgado na quarta-feira, "não foi emitida autorização de descolagem" ao Airbus da SATA, que se encontrava na pista a aguardar 'luz verde' nesse sentido. Tal facto levou a uma "momentânea falha sobre a situação operacional" que resultou numa autorização para a aterragem do Boeing da Ryanair.

A torre de controlo do aeroporto Francisco Sá Carneiro tomou "consciencialização do erro" após o alerta do piloto do avião da Ryanair, que chamou a atenção para o facto de estar um avião na pista, e também do supervisor em turno. Depois disso, "a recuperação foi imediata, tendo sido instruído o procedimento de aproximação falhada àquela aeronave", refere o comunicado da NAV.

A gestora do tráfego aéreo garante que na sala de operações se “encontravam três controladores de tráfego aéreo em posições executivas e um supervisor operacional", algo que o ex-comandante da TAP assinala como uma evolução do caso anterior, de 27 de abril de 2021, quando só estava um controlador aéreo ao serviço numa altura em que um avião se preparava para descolar ao mesmo tempo que um veículo de manutenção ocupava a pista que ia ser usada. 

"Pelo menos ficámos a saber que há um progresso em relação ao incidente anterior, de 2021, em que só estava um controlador de serviço, e agora já estavam quatro, já está melhor", observa.

No mesmo relatório preliminar, a NAV Portugal assinala ainda que este incidente ocorreu "num cenário de tráfego de elevado volume e complexidade, correspondendo a um período de pico de procura no Aeroporto Francisco Sá Carneiro". Na perspetiva, de José Correia Guedes, esta justificação não passa de "uma boa desculpa".

"Claro que o Porto tem mais tráfego hoje do que tinha há 20 anos, mas ainda não tem o tráfego de Londres, nem é comparável sequer. Mas é uma boa desculpa", ironiza.

O ex-comandante salienta ainda os "danos reputacionais" decorrentes deste episódio, que "foi falado em Portugal e em todo o mundo", nomeadamente nos "sites de navegação aérea", e, por isso, José Correia Guedes chama a atenção para as "consequências económicas" deste evento para o país,

"Nós somos um país turístico, com dezenas, centenas de aviões a aterrar todos os dias. Isto é preocupante e pode trazer danos à economia do país", adverte. Mais ainda tendo em conta o facto de este ser o terceiro caso semelhante em dois anos, aponta o ex-comandante, recordando o momento em que um avião da TAP com 180 passageiros a bordo por pouco não colidiu com um veículo na pista quando se preparava para aterrar no aeroporto de Ponta Delgada, em maio do ano passado.

"São três casos em dois anos. Isto é péssimo para a imagem do país", insiste.

As preocupações de José Correia Guedes são sustentadas pelo relatório final de investigação do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), divulgado em dezembro, que concluiu terem ocorrido "falhas graves" no controlo de tráfego aéreo nos aeroportos do Porto e de Ponta Delgada, que autorizaram descolagens e aterragens quando ainda se encontravam viaturas a realizar inspeção ou manutenção da pista.

Contactada pela CNN Portugal, fonte da Ryanair resumiu o incidente mais recente numa única frase por escrito, na qual indica que o avião, procedente de Barcelona, "obteve autorização para aterrar por parte do aeroporto do Porto". "Contudo, quando outra aeronave entrou e se alinhou na pista, o piloto, de acordo com os procedimentos de segurança, realizou um Go Around e pousou normalmente 20 minutos depois", disse apenas.

A CNN Portugal tentou obter uma posição da SATA, mas a companhia aérea dos Açores não se quis pronunciar sobre o assunto enquanto aguarda pela investigação das autoridades competentes.

Também o Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo foi contactado pela CNN Portugal, sem que tenha respondido às questões colocadas.

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