Jornalistas precários, mal pagos e esgotados: "Não sei quantos mais anos vou aguentar nesta profissão"

19 jan, 18:40

O retrato é feito pelo estudo "Precariedade no Jornalismo", apresentado no 5.º Congresso dos Jornalistas, e confirmado pelos testemunhos de muitos dos jornalistas. Numa situação de grande vulnerabilidade, "vivem em luta contra o tempo, em esforço constante"

São quase todos precários à força e não por opção, vivem numa situação permanente de instabilidade financeira, têm salários baixos e trabalham longas horas. "Muitos nem sequer têm um horário indicativo e, por isso, os chefes têm a expectativa de que estejam sempre disponíveis", explica a investigadora Alexandra Figueira. Não têm direito a folgas ou a férias e quando tiram folgas ou férias não ganham nada. "Vivem em luta contra o tempo, em esforço constante, com prejuízo para as famílias e para a saúde, sobretudo a saúde mental." Há até quem tenha outros empregos para se conseguir sustentar.

O retrato dos jornalistas precários em Portugal é feito por Alexandra Figueira, que apresentou esta sexta-feira no 5.º Congresso dos Jornalistas as conclusões preliminares do estudo sobre "Precariedade no Jornalismo" realizado por um grupo de investigadores da RIEJ - Rede Interuniversitária de Estudos sobre Jornalismo.

Simão Freitas, jornalista da Agência Lusa: "Todos os trabalhos que tive até 2019 quando passei a ter contrato foram trabalhos precários. Passei por jornais onde ou não me pagavam ou me pagavam 400 ou 500 euros por um trabalho full-time, com muitas horas a mais, pedidos estapafúrdios, horas desumanas. Num dos casos, recebia de três em três meses e era porque insistia. Foi-me dito que isto era o normal e eu acabei por interiorizar isto."

De acordo com um estudo do Obercom - Observatório da Comunicação, realizado em 2016, mais de 40% dos jornalistas trabalham em situação de precariedade: ou seja, como freelancer, com contrato a termo certo, colaborações com avença, colaborações à peça ou a fazer estágios profissionais ou curriculares. As suas vozes aparecem nos intervalos entre painéis, ao longo do congresso, e contam-nos histórias (algumas delas reproduzidas aqui) de pessoas com idades e experiências muito diversas.

Filipe Santa-Bárbara, jornalista da TSF, que subiu ao palco para a mesa-redonda sobre este tema, mostraria depois como o vínculo contratual "sem termo" não significa que não haja precariedade: os despedimentos coletivos que se tornaram cada vez mais recorrentes, assim como os programas de "rescisões amigáveis" e, em última análise, os salários baixos, a ausência de aumentos salariais e os atrasos nos pagamentos de salários são exemplos de uma precariedade que atravessa toda a profissão.

Filipe Santa Bárbara esteve presente no Congresso (Iris Moreno)

Margarida David Cardoso, jornalista do Fumaça, dizia, no vídeo de abertura do congresso, que ser jornalista tornou-se um privilégio: só é possível seguir esta profissão se se tiver uma rede familiar e algumas condições financeiras anteriores. Porque, neste momento, é muito difícil garantir a subsistência, quando mais uma vida confortável, se se viver apenas do jornalismo.

Mas há uns que são mais precários do que outros, diria a investigadora. E esses são os que, de facto, não têm um vínculo laboral mais fixo.

Rita Pereira Carvalho, jornalista desde 2017: "Já passei por várias redações e os problemas são sempre os mesmos. Vou fazer 30 anos, o ordenado não é muito diferente daquele que tinha quando comecei a trabalhar e o custo de vida só aumenta. Continuo a ter de dividir casa com mais duas pessoas. Neste momento, trabalho para pagar contas, sobra mês ao ordenado e estou cada vez mais cansada. E o meu cansaço agrava-se quando penso sobre aquilo que poderá ser o futuro. (...) Estou exausta. Não sei quantos mais anos vou aguentar nesta profissão que se transformou numa utopia."

A situação de vulnerabilidade tem consequências no trabalho que estes jornalistas realizam, confirma Alexandra Figueira, que foi também ela jornalista, até há dois anos, e sabe bem do que fala. Em primeiro lugar porque os obriga a trabalhar mais, privilegiando os trabalhos mais rápidos em detrimento dos trabalhos que precisam de mais tempo.

Essa situação foi bem explicada por Inês Linhares Dias, jornalista colaboradora da Antena 1 Açores. "O pagamento é igual quer seja uma notícia a partir de um comunicado, uma notícia própria ou uma reportagem. Quando faço trabalhos mais longos tenho de compensar o 'tempo perdido' com ainda mais trabalho nos outros dias", conta.

Além disso, "ainda que não seja dito por todos, a possibilidade sempre implícita de perder o trabalho e, com isso, a fonte de rendimento, influencia o trabalho dos jornalistas", explica a investigadora Alexandra Figueira. "A precariedade não faz com que não tenham muito presentes as suas obrigações éticas, mas torna-os mais vulneráveis a pressões e interferências." Sobretudo os jornalistas que trabalham fora das redações, de forma mais solitária, afastados dos centros de decisão, sentem que muitas vezes "são chamados a fazer os trabalhos que os jornalistas dos quadros não querem fazer".

Filipe Alexandre Gonçalves, 20 anos dedicados ao jornalismo: "Passei por vários órgãos de comunicação social e 12 anos foram exercidos de forma precária, a recibos verdes, sem direito a folgas ou férias. O período mais longo que passei sem descanso foram três meses. Três longos meses. Os dias pareciam não ter fim e, claro, ao chegar a casa o cansaço era extremo."

Em suma, os jornalistas precários "sentem-se invisíveis, discriminados, injustiçados e frustrados". No entanto, apesar de todos os problemas elencados, muitos deles permanecem na profissão - porque é a concretização de um sonho, porque sentem prazer e felicidade no jornalismo, porque sentem que estão a prestar um serviço à sociedade ou consideram que é um trabalho importante e necessário. 

"O jornalismo é para eles um ato de resistência", afirma Alexandra Figueira. A tal da "maldita paixão", de que falou Pedro Coelho na abertura do congresso. Só por isso, resistem às más condições de trabalho. "Vivem num dilema: fazem jornalismo não por causa disto tudo, mas apesar disto."

Débora Henriques, 40 anos, quase metade como jornalista na rádio e na televisão: "Recentemente despedi-me e suspendi a carteira profissional na sequência de um burnout. Decidi mudar de vida porque a profissão que escolhi se tornou um amor não correspondido e estava a matar a minha sanidade mental. A pressão, a ansiedade, a falta de tempo para pensar, para planear, para escolher as melhores palavras e a melhor forma de contar uma história, a falta de critério e de debate, tudo isto estava a matar-me. (...) A pressão, o stress e o desgaste são aceites como fazendo parte da profissão. Não aceito e não quero isso para mim."

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