opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

Os (bons) desejos de Natal

21 dez 2023, 12:45

Quando viajamos de avião é inevitável ouvir a conversa das pessoas que se sentam ao nosso lado. Foi o que me aconteceu há dias, numa viagem Sevilha-Porto em que, inadvertidamente, ouvi uma conversa entre dois amigos. Falavam sobre os propósitos para 2024. Sim, o Natal, o final do ano é uma época de balanço, uma altura propícia para formular bons desejos, querer alcançar objetivos. Às vezes, temos a experiência de que estes bons desejos raramente sobrevivem depois das primeiras semanas de janeiro. Penso que todos temos necessidade de educar os nossos desejos, ou seja, aprender a corresponder aos desafios de uma vida virtuosa, uma vida plenamente vivida na disposição adquirida de fazer o bem, que se aperfeiçoa com o hábito de praticar esse bem. Esta vida tem três componentes fundamentais: intelectual, emocional e volitiva (1).

  1. A dimensão intelectual diz-nos porque é que devemos fazer alguma coisa: porque é que devo ser leal, sincero, humilde… porque é que devo perder peso, ser mais arrumado, ser mais pontual… sorrir mais vezes, interessar-me pelas coisas dos outros... Conhecer estes motivos ajudar-nos-á a tomar boas decisões. No livro "Start With Why" (2) (uma boa sugestão para este Natal), Simon Sinek defende que só conseguimos concretizar uma ação quando entendemos a sua finalidade, o seu significado mais profundo. Lembrei-me daquele sábio conselho que nos deixou Saint Exupery, "Se quiseres construir um navio, não comeces por dizer aos operários para juntar madeira ou preparar as ferramentas; não comeces por distribuir tarefas ou por organizar a atividade. Em vez disso, pára e desperta neles o desejo do mar distante e sem fim. Quando esta sede estiver viva hão-de pôr mãos à obra para construir o navio" (3). Todos precisamos de razões para atuar e para motivar os outros a agir. 

  2. A componente emocional serve de detonador da ação. O conflito que se vive na Ucrânia ou na Terra Santa não deixa ninguém indiferente; ver o sofrimento de uma criança apela-nos à generosidade; sentir vergonha quando os nossos amigos vêm a desarrumação do nosso escritório anima-nos a arrumá-lo. Mas é provável que esse estímulo seja de curta duração. Se for um caso isolado, é fácil que nos esqueçamos; se for demasiado frequente, a rotina leva-nos a perder a sensibilidade. Para ser eficaz, a emoção deve ser traduzida em reflexão e, muito rapidamente, numa decisão. É por isso que a frase mais repetida nos portais de e-commerce é: "buy it now", "compre imediatamente"…, "telefone já…". Estas empresas não se preocupam que o seu call to action tenha uma continuidade. E esta é a verdadeira chave da vida virtuosa.

  3. A dimensão da vontade. Tantas vezes nos propomos fazer uma série de coisas que vemos claramente que temos de fazer… e não conseguimos. Falta a energia, o império da vontade. No livro Atomic Habits (4) (outra boa sugestão de leitura), encontramos alguns truques para vencer a procrastinação: escrever os nossos propósitos, revê-los semanalmente, pedir ajuda para fazer seguimento. Lembro-me que quando trabalhava na banca, conheci algumas pessoas que poupavam durante o ano para terem dinheiro para as compras de Natal, e faziam-no depositando o dinheiro numa instituição bancária com a instrução explícita de não lho devolverem antes de 15 de dezembro. É uma boa experiência estabelecer objetivos pequenos, muito concretos e a muito curto prazo. 

          Quer ser mais simpático? Pode ir agora mesmo ao escritório do lado e perguntar aos seus colegas como estão, o que vão fazer neste Natal, se estão todos bem em casa, se é preciso ajuda para organizar o jantar de Natal da empresa. E, depois, estabeleça outro objetivo para mais tarde, quando chegar a casa; e para mais tarde, quando tiver tempo para falar àquele primo com quem se incompatibilizou.

          O grande desafio é a continuidade. Sabemos que os bons desejos são como os iogurtes: têm prazos de validade muito curtos. Por isso, temos de começar tudo de novo. De novo. Muitas vezes. Sim, eu sei que já falhamos nas últimas vinte tentativas, mas recomeçamos. Porque — e é aqui que está a chave — podemos adquirir o hábito operacional do que quer que seja: ser gentil, perder peso, sorrir sempre, vencer a preguiça para acordar de manhã. Porque as nossas ações determinam-nos. Chegar pontual faz de nós pessoas pontuais, arrumar o armário sem que ninguém veja faz de nós pessoas organizadas, sorrir quando não nos apetece transforma-nos em pessoas amáveis. 

E, se fores crente, pede ajuda a Deus para seres firme, constante. Porque Jesus está muito interessado em que sejas melhor, não por ser um capricho Dele, mas por ser o que é bom para ti. Vemos isso em tantas passagens da Bíblia (este é o grande livro para este Natal (5)). Sabemos que somos mais eficazes quando contamos com a ajuda dos outros. E a ajuda de Deus é a melhor ajuda. Também vemos que o nosso esforço por sermos melhores ajuda outras pessoas. Quando venço a preguiça para me levantar, dou bom exemplo em casa. Quando chego a horas ao trabalho passo uma mensagem. Se tratamos muito bem os nossos familiares e amigos, o nosso esforço por ser melhores também os fará melhores a eles. 

Sim, o Natal é uma época de bons desejos. Mas alguns são eficazes e outros não. É a lei da vida. O importante é não desanimar. Porque é provável que morreremos desordenados, desatentos, mas seremos felizes, porque teremos passado a nossa vida a tentar ser melhores. E, ao contrário da Liga dos Campeões e dos Jogos Olímpicos, o prémio — a felicidade nesta terra, e depois no Céu — não é prometido a quem ganha tudo, mas a quem luta durante a vida toda. A felicidade não é um registo imaculado e, portanto, impossível, mas a humildade de tentar de novo todos os dias. E isso está ao alcance de todos.

No Natal, os cristãos recordam o nascimento de um Menino, que era — que é — Deus. O que ele nos trouxe não foi a promessa de sucesso, mas a certeza de que, se tentarmos uma e outra vez, como as crianças, acabaremos por conseguir. Aprenderemos a ser melhores, porque — e isto faz parte da mensagem que o Menino nos deixou — tornamo-nos melhores quando tentamos tornar os outros melhores.

Feliz Natal e bons desejos para 2024.

***

(1) Angel Rodríguez Luño, professor de Teologia Moral da Universidade Pontifícia da Santa Cruz (Roma) explicava nas suas aulas que a Ética pode-se definir com a educação do desejo. Pode-se aprofundar esta ideia neste artigo em português.
(2)  "Start with Why", Simon Sinek, Penguin Books, 2011.
(3) "Cidadela", Antoine de Saint-Exupéry, Livros do Brasil, 2017. Trata-se de uma obra póstuma do autor francês que resume em tom autobiográfico as meditações da sua  vida.
(4) “Atomic Habits: An Easy & Proven Way to Build Good Habits & Break Bad Ones”, James Clear, Avery, 2018.
(5) Aconselho a ler a versão da conferência episcopal portuguesa. Pelo menos os dois primeiros capítulos do evangelho de S. Lucas, que narram a história do nascimento de Jesus. Pode fazê-lo neste link.

Colunistas

Mais Colunistas

Mais Lidas

Patrocinados