Republicanos estão a tentar abrir caminho para um processo que possa destituir Biden. E para fazer cair Biden é preciso provar pelo menos um destes três acontecimentos - traição à pátria, suborno ou outras ofensas graves. Em tudo isto há "pouca substância" mas é substância que "pode enfraquecer" Biden sendo uma substância que se estivesse a acontecer a Trump "galvanizaria os apoiantes" dele
O líder republicano da Câmara dos Representantes dos EUA, Kevin McCarthy, pediu esta terça-feira a abertura de um inquérito de destituição ao Presidente democrata Joe Biden. No entanto, é pouco provável que o processo de impeachment seja aprovado pelo Congresso, consideram especialistas ouvidos pela CNN Portugal - trata-se sobretudo de uma manobra política dos republicanos que procuram interferir na campanha eleitoral para as presidenciais de 2024.
"A Câmara dos Representantes chegou à conclusão de que existe matéria para dar início a um processo de impeachment (impugnação). Agora, reúne-se uma comissão de investigação que vai olhar para as declarações de finanças da família Biden, para as empresas de Hunter Biden na Ucrânia e para os negócios que tem com a Rússia. Esta não é uma investigação civil, é só para apurar se a Câmara de Representantes considera que as falhas de Biden são suficientemente gravosas e se ele tem ou não condições para continuar na presidência", explica Diana Soller, especialista em Relações Internacionais.
Durante a investigação, a comissão pode realizar audiências, analisar documentos e ouvir testemunhas para determinar se as acusações são passíveis de impeachment.Terminada a investigação, se chegar à conclusão de que há indícios fortes de crime, a comissão pode decidir recomendar que o plenário da Câmara aprove uma ou mais acusações de impeachment contra o presidente.
"O impeachment tem de ser aprovado pela Câmara dos Representantes. Para isso, é necessária uma maioria simples (50%)", sublinha Diana Soller.
Se o processo for aprovado nesta primeira instância, o impeachment vai ser julgado no Senado, que é a "Câmara Alta". "Aqui é necessária uma maioria de dois terços para o presidente ser alvo de impeachment", sublinha Diana Soller. "Para deliberar a culpa do presidente é necessário que ele seja considerado culpado de um de três crimes políticos: traição à pátria, suborno ou outras ofensas graves. Basta ser considerado culpado de um dos crimes políticos para o presidente Biden ser destituído."
Entroncado com Trump
Apesar de os republicanos estarem em maioria na Câmara dos Representantes, Helena Ferro Gouveia, especialista em assuntos internacionais, tem "muitas dúvidas" de que o processo de impeachment seja aprovado. "Os republicanos têm apenas mais dois deputados do que os democratas, basta que alguns republicados tenham dúvidas para que o processo não avance." Neste momento, alguns republicanos mais moderados já manifestaram o seu desacordo em relação à impugnação de Biden.
No caso de o processo avançar para o Senado, os democratas, que têm a maioria aqui, não vão seguramente permitir que o impeachmente se concretize. Até porque, como afirma Helena Ferro Gouveia, não existem "provas sólidas" sobre a maioria das acusações. "Os republicanos têm vindo a reunir provas mas até agora não foram reunidas provas suficientes", diz. "Quando olhamos para a história, temos três presidentes que foram alvo de impeachment e nunca foram destituídos." Portanto, teria de ser um caso muito grave e muito bem sustentado, o que, na opinião de Helena Ferro Gouveia, não é o caso. "Que Hunter Biden usou o nome do pai para conseguir vantagens parece não haver muitas dúvidas, mas isto não toca diretamente o atual presidente. Parece-me que o processo tem pouca substância."
"Estas questões relacionadas com as finanças da familia Biden e com a corrupção de Hunter Biden não são novas", aponta Diana Soller. Vêm do tempo em que Biden era vice-presidente durante a presidência de Barack Obama. Então porque é que só agora surge o processo de impeachment?
"Um impeachment só podia ter lugar num Congresso dominado pelos republicanos, o que só acontece há um ano", di< Diana Soller. "O que quer dizer que não se trata de um processo que vela pelo interesse dos EUA, é sobretudo um processo político."
Helena Ferro Gouveia afirma que, "antes de mais, temos de olhar para o calendário eleitoral e perceber o porquê desta agitação surgir agora". "Parece-me muito claro que isto faz parte da movimentação de campanha, é uma movimentação de cariz eleitorialista." A comentadora da CNN Portugal relembra que nos EUA a campanha eleitoral é "muito mais agressiva" do que na Europa e o Partido Republicano vai certamente tirar vantagem desta oportunidade para tentar descredibilizar Joe Biden.
"Temos de entender este processo dentro do timing eleitoral", concorda Diana Soller. "Este processo vai demorar alguns meses, a cobertura mediática do impeachment vai entroncar com a cobertura dos processos crime que Trump enfrenta e com a campanha eleitoral."
Um processo de impeachment a Trump "galvaniza o eleitorado dele", um processo de impeachment a Biden "pode enfraquecer a posição dele"
E como é que tudo isto pode penalizar Biden? "É dificil de prever", responde Diana Soller. "Os impeachments de Trump só deram ao presidente armas políticas para motivar o seu eleitorado, que é um eleitorado que desconfia das instituições americanas e que foi galvanizado pelas acusações. Mas o eleitorado de Biden é mais institucionalista. Temo que isto possa enfraquecer a sua posição."
Diana Soller ressalva que não acredita que este processo "influencie muito a forma como os americanos veem Biden" mas pode contribuir para "desmobilizar o eleitorado democrata" - é dessa maneira que a posição do Presidente dos EUA pode sair enfraquecida. "Quem ganha as eleições é o candidato que consegue mobilizar com mais eficácia a sua base de apoio. No caso de Trump, nas últimas eleições, apesar de todas as polémicas, ele acabou por ter mais votos do que tinha tido na primeira eleição. Veremos como é que a mesma estratégia resulta com eleitorados tão diferentes."
Mais do que o impeachment, Diana Soller acredita que a grande questão que se vai colocar em relação à reeleição de Biden são as dúvidas sobre a sua saúde. "Estes fatores todos juntos podem desmobilizar o eleitorado."
Também Helena Ferro Gouveia considera que o impeachment não deve ter muito impacto na reeleição de Biden. "Para aqueles que já não gostavam de Biden têm aqui mais um motivo, que se soma ao fator idade, essa sim vai ser uma grande questão durante a campanha eleitoral. Vai ser trazida e discutida, talvez até de forma pouco elegante, porque já há muita gente a questionar se Biden terá capacidade para cumprir mais um mandato." De resto, diz, "não há nada de novo aqui para discutir, pelo menos até agora."
O que irá fazer Joe Biden? "Não me parece que Biden possa ficar completamente calado", diz Diana Soller. "Mas veremos qual será a opção do Presidente - se vai falar o menos possível ou se vai optar por se defender - se pretende criar mais ou menos agitação em torno deste assunto."
Diana Soller alerta ainda para mais uma consequência deste processo: a "banalização da figura do impeachment". "O impeachment foi consagrado na constituição pelos pais fundadores dos EUA como uma medida extremamente excecional e só foi usado duas vezes em 200 anos - com Andrew Jackson - que foi o sexto presidente norte-americano e que foi ilibado - e com Ricard Nixon- que se demitiu antes de o processo acabar. Os outros processos acontecem nos ano 90 e 2000 - um com Bill Clinton (com o caso Lewinski) e dois com Donald Trump (devido a abuso de poder e incitação à insurreição). Ou seja, foi usado três vezes nos últimos dois anos. Isto torna o impeachment uma arma de arremesso político como outra qualquer. Os EUA correm o risco de ficar destituídos de uma instrumento importantíssimo."