Estado revogou apoio de 4 milhões de euros a sócio de Isabel dos Santos para construir hotel no Porto

20 mar 2023, 07:00
Palácio São Bento da Vitória

Empresa detida por Fernando Teles, antigo administrador do banco BIC, concorreu a fundos da União Europeia para construir um hotel num palácio que tinha comprado ao Estado. Projeto chegou a avançar, mas o imóvel acabou por ser posto à venda por 14 milhões de euros

O Estado revogou os apoios que tinha dado a Fernando Teles, sócio de Isabel dos Santos e antigo presidente do Conselho de Administração do BIC, para construir um hotel de quatro estrelas no centro do Porto. Em causa, estavam mais de 4 milhões de euros vindos de fundos europeus do Portugal 2020.

Fernando Teles, que detém juntamente com um outro sócio a empresa Próximo Quadrado - Lda, teve a sua candidatura aprovada pelo Governo para receber 4.034.357 euros vindos do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. O projeto, que se iniciou em 2017, ganhou o título “Criação do Hotel São Bento da Vitória - 4 estrelas” e deveria ser cumprido até julho de 2019.

O plano seria converter um imóvel devoluto que Fernando Teles e o sócio na 'Próximo Quadrado', Eurico da Fonseca, adquiriram ao Estado em 2015 por 2,65 milhões de euros. Tratava-se do Palácio de São Bento da Vitória que, com cerca de 200 anos de história foi, até 2014, a sede do Tribunal de Instrução Criminal do Porto.

Na ficha de candidatura aos fundos comunitários, é descrito que este novo hotel deveria vir a ter “uma capacidade de 75 unidades de alojamento” - com 58 quartos duplos, 9 triplos e 8 suites triplas -, “bar, esplanada, miradouros, sala eventos e sala de reuniões”. 

O custo elegível total para a operação seria de 6,7 milhões de euros, sendo que o cofinanciamento vindo da União Europeia foi de 64%, segundo os valores que constam na ficha do projeto, que integra a “lista de operações aprovadas” do Portugal 2020, com reporte até 31 de dezembro de 2022.

Em 2019, o mesmo ano em que se perspetivava a conclusão do projeto, Fernando Teles e o sócio acabaram, no entanto, por colocar à venda o imóvel. Pediam 14 milhões de euros, cerca de seis vezes mais do que o que tinham pagado ao Estado em 2015. 

 

Na altura, segundo explicações dadas ao jornal ECO, alguns investidores estariam a analisar o negócio que a imobiliária contratada para o promover, a Predibisa, classificou como um “investimento seguro”. Aliás, na campanha que fizeram, descreveram o edifício como estando “em excelente estado de conservação, com vistas sobre a Ribeira e o Rio Douro” e como tendo “uma área bruta de 6148 m2”.

Contactado pela CNN Portugal, João Leite Castro, administrador da Predibisa, disse que, segundo as informações que dispõe, este palácio “ainda não foi vendido”. 

Já fonte oficial do COMPETE, a entidade do Ministério da Economia e do Mar que gere os projetos que receberam fundos da União Europeia, revelou à CNN Portugal que, “em relação ao projeto em questão”, “o mesmo foi revogado e não foram efetuados quaisquer pagamentos à empresa promotora”. Questionada sobre quais os critérios que levaram a esta revogação, a mesma não se pronunciou em tempo útil.

De acordo com a legislação em vigor, os fundos podem ser revogados em caso de incumprimento dos objetivos previstos na candidatura, da não execução integral da candidatura, ou da interrupção não autorizada da operação por mais de 90 dias. Se existirem fundos recebidos indevidamente, os beneficiários ficam em dívida e devem repor o montante num prazo de 30 dias úteis. 

Para Miguel Torres, advogado especialista em Direito Fiscal e Societário, a venda de um projeto imediatamente a seguir a ter recebido fundos europeus só é possível caso essa indicação esteja consagrada no contrato de financiamento. “Depende do contrato celebrado”, afirma, acrescentando que “normalmente o contrato obriga a exploração por parte da entidade durante alguns anos”.

Fernando Teles deixou a presidência não executiva do banco BIC em 2016, tendo sido substituído por Diogo Barrote, ainda assim manteve-se ligado ao banco até novembro de 2020 como administrador não executivo.

O anúncio que o palácio tinha sido posto à venda coincidiu com os últimos anos de Fernando Teles como administrador do EuroBic, cargo que deixou a 24 de novembro de 2020 - ano em que foi revelado o caso Luanda Leaks que obrigou Isabel dos Santos a sair da estrutura acionista da instituição. Teles continua a ser, por outro lado, o segundo maior acionista do EuroBic, segundo dados do banco, com 20% do capital.

No final do último ano, o sócio de Isabel dos Santos no BIC, viu-se envolto numa polémica relacionada com o livro ‘O Governador’, de Luís Rosa, que relata os anos de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal. No livro, o antigo governador adianta que sentiu pressões de António Costa para não afastar a filha de José Eduardo dos Santos, mas que mesmo assim forçou a saída de Isabel dos Santos e de Fernando Teles da administração do BIC. “Era essencial que Isabel dos Santos e Fernando Teles fossem substituídos por administradores efetivamente independentes dos acionistas”, lê-se no livro.

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