Exclusões temporárias contra simulações de lesões e perdas de tempo: uma experiência na América

10 nov 2023, 09:11
Lesão em campo

Campeonato satélite da MLS serviu como rampa de teste para várias inovações nas regras, incluindo no combate ao desperdício de tempo. O Maisfutebol foi perceber como correu, com técnicos portugueses que viveram a experiência por dentro.

Passar muito tempo no chão pode implicar uma exclusão temporária do jogo. E demorar a sair quando se é substituído também. É assim na MLS Next Pro, o campeonato que é uma antecâmara da MLS e introduziu regras que reduziram drasticamente as paragens que quebram o ritmo do jogo. O Maisfutebol foi perceber como correu, com técnicos portugueses que viveram a experiência por dentro.

A MLS Next Pro é a liga satélite do principal campeonato norte-americano, onde competem as formações B das equipas principais e também alguns clubes autónomos. O treinador português José Tavares, que foi coordenador da formação do FC Porto e desempenhou vários cargos técnicos nos «dragões», orientou esta época a equipa de reservas do Charlotte FC, que compete na Next Pro como Crown Legacy. E começa por enquadrar ao Maisfutebol a lógica deste campeonato.

«A MLS criou esta Liga para expandir o seu mercado, para que haja mais oportunidade para os talentos domésticos serem retidos e se desenvolverem. E também para atrair mais talento internacional», observa: «Ao mesmo tempo, a MLS vai crescer imenso nos próximos anos. Agora tem 29 equipas e vai ter mais de forma gradual. Mas em vez de terem um campeonato com 50 equipas criaram este tier, este nível, que permite também que mercados sem capacidade para terem uma equipa na MLS tenham uma equipa de futebol profissional na Next Pro. É uma estratégia para a expansão do futebol americano muito bem conseguida.»

O Crown Legacy foi campeão da Conferência Leste e chegou às meias-finais de Conferência. Do ponto de vista desportivo, um «balanço positivo» para o clube, diz José Tavares. «Para um clube com dois anos e no primeiro ano na competição, que não tem por exemplo ainda uma academia montada, o trabalho foi muto bem conseguido, porque tivemos sucesso dentro do campo e fundamentalmente todos os jogadores começaram a jogar na equipa A. Temos jogadores que começaram connosco e terminaram a ser importantes, a marcar golos e a jogar muitos minutos na equipa A.»

Três minutos de fora se a equipa médica entrar em campo

Lançada em 2022, a MLS Next Pro tem sido utilizada também como competição piloto para testar algumas regras. Não tem empates, por exemplo. E tem outras singularidades, como a regra que define que um jogador que veja um cartão vermelho tem de cumprir castigo frente à mesma equipa.

Além disso, introduziu várias inovações que pretendem contribuir para o aumento do tempo útil de jogo e combater as interrupções que quebram o ritmo. A nível global, a principal tentativa de resposta a um problema reconhecido tem sido prolongar o tempo de descontos no final do jogo, uma tendência que começou no Mundial 2022 e se prolongou nas competições nacionais e internacionais. Em Inglaterra a Premier League já instituiu esta época uma regra para lidar com o tempo gasto com potenciais lesões, segundo a qual se um jogador sair para ser assistido só pode voltar ao fim de 30 segundos. Mas esta Liga norte-americana foi mais longe.

«A Next Pro tem o lado da inovação. Faz parte da cultura americana, estão à procura da inovação constante. Há um comité de inovação com pessoas da Liga e dos clubes, que discutem possibilidades de alterações de regras. Regulamenta e põe em prática essas regras para perceber o que vai acontecer e o que é que é possível experimentar na MLS», observa José Tavares.

No que diz respeito ao combate às perdas de tempo, a regra mais impactante tem a ver precisamente com as lesões. Chamam-lhe Regra de Tratamento Fora do Campo e determina que, se um jogador estiver mais de 15 segundos no chão com queixas físicas, entra em campo a equipa médica, para o avaliar e o tirar do terreno de jogo. A partir do momento em que sair, esse jogador só pode regressar ao fim de três minutos, deixando a equipa reduzida a dez enquanto o jogo prossegue.

Redução drástica nas paragens para assistência

«Esta regra aparece para combater o desperdício de tempo através da entrada das equipas médicas em campo», diz José Tavares: «Há ali uma temporização de 15 segundos em que o jogador pode ficar no chão. Mas se ele perceber que não é necessária a intervenção médica levanta-se e o jogo continua. Se for necessário, há esta punição. Ele tem de sair durante três minutos.»

A ideia é combater a tentação dos jogadores para simularem lesões, aplicando em certa medida no futebol o conceito de «sin bin» - um castigo temporário, como já se faz noutros desportos. Embora, frisa José Tavares, a regra não seja definida dessa forma. «Não é um castigo, é uma condição: se necessitares de assistência tens de ficar de fora.»

O impacto na redução de paragens foi evidente, diz o treinador português: «Tem um impacto extremamente positivo naquilo que é a dinâmica do jogo. Porque o jogador é educado a só receber o tratamento se for extremamente necessário.»

Os dados da Liga confirmam essa sensação. A alteração foi introduzida a meio da temporada inaugural da MLS Next Pro, em 2022, e em época e meia houve uma redução de 80 por cento do tempo de paragem para tratamento de jogadores em campo, segundo números divulgados pela The Athletic. De seis paragens em média por jogo superiores a 15 segundos por eventual lesão, passou-se para 1.21, sendo que a esmagadora maioria delas se refere às tais situações de exceção. Ou seja, de acordo com a mesma fonte, só um em cada cinco jogos teve situações em que os jogadores precisaram de cumprir os três minutos de exclusão.

«A diminuição da entrada das equipas médicas foi drástica. A maior parte das vezes não entravam, o jogador levantava-se. Só entram quando é mesmo necessário», corrobora José Tavares.

Às vezes é mesmo necessário. E a regra tem exceções, como nota o técnico português: «Quando é um choque de cabeças, por exemplo, é automático e o jogador não é punido.» Também não há lugar a exclusão se as queixas do jogador foram motivadas por uma falta que deu origem a um cartão amarelo ou vermelho. Ou ainda se o jogador que sai for substituído.

A regra que «é positiva, mas não é perfeita»

José Tavares diz que a regra «está bem conseguida e é positiva para a essência do jogo.» Mas não é perfeita, acrescenta: «Tem os seus prós e contras. O princípio é não perder tempo. Mas se uma equipa está a perder e o jogador necessita realmente de receber assistência, a equipa fica duplamente penalizada, porque o jogador precisa de ser assistido e tem de sair durante três minutos.»

Já aconteceu ao Crown Legacy, nota por sua vez Pedro Mané, adjunto de José Tavares, que fala também com o Maisfutebol sobre este tema. «Nós tivemos uma situação deste género, em que nos vimos a perder. Se nós estamos a tentar ir em busca de um resultado não queremos perder tempo. E um jogador lesiona-se efetivamente e tem de sair durante três minutos.»

A regra não deverá ser alterada para atender a essa questão. «Não conseguiram encontrar um novo critério, porque a esse nível os dados foram insignificantes. Ou seja, não se justifica o facto de a equipa estar a perder para uma exceção à limitação de entrada da equipa médica», diz José Tavares.

Outra questão, mais profunda, tem a ver com o facto de ser colocada do lado do jogador a avaliação de uma lesão, nota o técnico do Crown Legacy. «O lado clínico é sempre perigoso. Porque o jogador sofre a pressão, sua e da equipa, para não sair. Eu já debati isso com eles. O futebol tem um histórico de as equipas médicas estarem presentes e ajudarem os jogadores. De um momento para o outro parece que não são precisos», diz José Tavares: «É preciso muita atenção ao lado da integridade física dos jogadores. Até onde é que a pressão social das equipas, de toda a gente, sobre aquele jogador naquele momento é positiva para a questão física dele? Ou seja, o jogador está-se a avaliar a ele próprio… Há aqui um lado deontológico que é preciso avaliar bem.»

Dez segundos para sair de campo numa substituição

A aplicação das regras é debatida periodicamente também com os representantes das equipas. José Tavares participou nessas discussões e levantou algumas dessas questões. «A educação para o cultivo do jogo e da não perda de tempo pode ser feita de outras formas. Até da educação dos árbitros, dos jogadores… Até onde é que nós já esgotámos tudo para que isto não seja necessário?

A outra regra destinada a combater as perdas de tempo na MLS Next Pro foi lançada esta época e é bastante mais linear. A chamada Regra da Substituição Cronometrada diz que se um jogador demorar mais de dez segundos a sair do campo quando é mostrada a placa o seu substituto só pode entrar ao fim de um minuto.

«Essa é uma bela regra», considera José Tavares. «O jogador tem de sair pela zona mais próxima, mas há um limite de 10 segundos. Mesmo se estiver no meio do campo, equidistante das duas linhas laterais, ele consegue sair em 10 segundos. Se não cumprir é porque está a perder tempo. É uma regra para o bem do jogo, só depende do jogador e ele sabe que se não cumprir a equipa fica mesmo prejudicada durante um minuto.»

Do lado das equipas, a aplicação das regras passou por um trabalho com os jogadores. «Na pré-época tínhamos alguns árbitros a fazer os nosso jogos-treino e procurávamos utilizar já essas regras, para que depois quando estivéssemos a competir fosse mais normal, digamos», explica Pedro Neto.

A pressão adicional sobre os jogadores

José Tavares fala das ideias que foram passadas à equipa. «Os jogadores foram educados de duas formas. Primeiro, naquilo que é o conhecimento do corpo deles, para se protegerem – ou seja, se é necessária a intervenção médica eles têm de a pedir. Ponto final parágrafo. E só depois é que vem a gestão da equipa», diz. «Mas também a reconhecerem: ‘Ok, se calhar consigo levantar-me e continuar a jogar sem assistência.’ Nós tivemos as duas situações, jogadores em que foi necessária a intervenção clínica e outros que se levantaram na maior parte das vezes. A nossa experiência foi extremamente positiva a esse nível.»

Nem sempre é fácil para os jogadores gerir a situação, acrescenta: «Aquele tempo de perceber se a dor passa, se não passa, se é uma coisa soft. Com a pressão que existe dos adeptos, é difícil para eles. Se eles saírem e voltarem a entrar parece que ficaram ali a não proteger a equipa deles, a não querer lutar.»

Um balanço positivo... até nos shootouts

No fim de contas, José Tavares defende que o saldo das novas regras «é positivo para a fluidez do jogo». Pedro Mané tem a mesma opinião, embora também fale de «algumas arestas a limar». «Há sempre situações dúbias. Há equipas que podem estar a ganhar e querem perder tempo, e isto claramente evita isso. Mas há outras situações. O árbitro não é médico para perceber se o jogador está ou não lesionado. E quando um jogador está efetivamente lesionado é complicado. Porque se o árbitro não tem a sensibilidade suficiente para perceber, acaba por prejudicar o próprio jogador e a equipa.»

Mas no essencial, defende Pedro Mané, as novas regras fazem sentido. «Vão ao encontro daquilo que é uma das lutas dos treinadores, a questão da perda de tempo e do tempo de jogo. No nosso campeonato funcionou de forma interessante», diz.

Também será preciso, nota, contrariar uma resistência à mudança que é inerente ao futebol. «Tudo o que mexa ligeiramente com a dinâmica de jogo acaba sempre por, numa fase inicial, não ser bem aceite. Mas depois faz parte da evolução do próprio jogo. Eu não tenho dúvidas de que esta será uma regra interessante para ser aplicada no futuro, com alguns ajustes.»

Estas não foram as únicas inovações a que os treinadores portugueses tiveram de se adaptar na Next Pro. Uma das mais estranhas para quem está de fora são os «shootouts», as séries de penáltis para desempate após os 90 minutos que já foram usadas em tempos na Liga norte-americana e que esta competição recuperou. «As equipas que empatam e perdem no shootout têm direito a apenas um ponto, a equipa que ganha tem direito a dois», explica Pedro Mané: «De certa forma cria um pouco mais de competitividade, mas obviamente para nós que vimos de um contexto diferente é estranho estar-se a premiar uma das equipas e a castigar outra quando o resultado foi o empate. Mas compreendo a abordagem. De certa forma acabámos por nos habituar e foi um contexto interessante que nos permitiu também amealhar alguns pontos. Nós só perdemos um jogo no shootout, que foi logo o jogo inaugural.»

As regras já testadas na Next Pro poderão vir a ser adotadas pela própria MLS, cuja temporada 2023 ainda decorre, mas ainda não há uma decisão pública. Quanto à Next Pro, vai continuar a servir de balão de ensaio e na próxima época pode introduzir regras adicionais para limitar a perda de tempo, nomeadamente em relação aos guarda-redes.

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