Ronaldinho: os casos na sombra do sorriso eterno

11 mar 2020, 09:36
Ronaldinho detido no Paraguai

Detido no Paraguai com o irmão Roberto Assis, por uso de passaportes falsos, antigo craque no meio de um caso ainda por perceber, mais um entre vários a que foi associado ao longo dos anos

«Está de bom humor, como o vemos na televisão, sempre a sorrir.» A descrição é do diretor da prisão no Paraguai onde Ronaldinho está detido, junto com o irmão, Roberto Assis, ex-jogador do Sporting e do E. Amadora, depois de os dois terem chegado ao país com passaportes falsos, num caso que tem outras implicações e é mais um de tantos que estiveram ao longo dos anos na sombra do eterno sorriso de Ronaldinho, no rosto e em campo.

Foi na quarta-feira passada que Ronaldinho chegou ao Paraguai com Roberto Assis, para participar em vários eventos ligados a uma fundação e na inauguração de um casino. Mas tinham passaportes paraguaios falsos, que segundo disseram lhes foram «oferecidos» à chegada pelo empresário brasileiro Wilmondes Sousa Lira, também ele detido. Ficaram inicialmente sob custódia num hotel, sendo depois presentes a tribunal. Primeiro a justiça paraguaia inclinou-se para não acusar Ronaldinho e Assis, depois de estes terem assumido o «erro», mas no dia seguinte decidiu avançar mesmo, decretando a sua prisão preventiva. As imagens de Ronaldinho escoltado pela polícia, a esconder as algemas sob uma camisola, correram mundo. Nesta terça-feira, um juiz recusou o pedido para que ficassem em prisão domiciliária.

A dimensão do caso ainda está por apurar, bem como o motivo para os dois irmãos usarem os passaportes paraguaios, quando a justiça do país fala em «indícios de outros crimes» associados à questão dos passaportes, nas palavras de Osmar Legal, o promotor público responsável pela acusação. «Eles são parte de uma investigação maior que estamos a fazer, que envolve outras pessoas e outros crimes com os quais eles poderiam ter vínculos. Não estou a investigar pessoas, mas sim um caso mais amplo. Eles por ora fazem parte dele e têm de provar o contrário se quiserem sair do país», disse, citado pela Folha de São Paulo, quando a investigação passa por várias outras suspeitas no Paraguai e pelas ligações de Dalía Lopez, a empresária que levou Ronaldinho ao país e sobre a qual existe agora um mandado de detenção.   

Na prisão Ronaldinho está «tão confortável quanto possível», disse à Reuters Blas Vera, o diretor do estabelecimento de alta segurança onde estão também detidos, numa outra ala, políticos e polícias suspeitos de corrupção ou traficantes de droga. No domingo recebeu a visita de Carlos Gamarra, antigo internacional paraguaio.

A visita de Gamarra na prisão

«Fui abraçá-lo e tentei dar um pouco de apoio. Ele estava bem, como sempre a sorrir e a atender a todas as crianças que lhe pediram autógrafos», disse o também ex-jogador do Benfica à rádio ABC Cardinal, contando ainda parte da conversa que tiveram. «Ronaldinho disse-me: ‘Eu vim de baixo, conheço o sofrimento, a única coisa que me preocupa é a minha mãe. Eu sou homem e tenho de suportar tudo.»

Ronaldinho sempre valorizou muito as relações familiares, ele que perdeu o pai quando tinha oito anos. João Moreira morreu afogado na piscina da casa para onde a família se tinha mudado quando Roberto Assis, o irmão mais velho, se tornou profissional no Grêmio. Em 2017, Ronaldinho escreveu no Players Tribune uma carta ao seu «eu» de oito anos a recordar esse desaparecimento do pai e a contar que ele foi a inspiração para o seu jogo: «O papai é quem dizia para você para usar e abusar da sua criatividade em campo; é ele quem dizia para você fazer o jogo bonito – para você apenas brincar com a bola. Ele acreditou em você mais do que qualquer outra pessoa», escreveu: «Há uma coisa que você sempre terá que lembrar dele. É uma foto de você e ele jogando futebol juntos. Você está sorrindo, feliz com a bola em seus pés. Ele está feliz em te ver. Quando o dinheiro vier, e a pressão, e os críticos, permaneça livre. Jogue como ele disse para você jogar. Brinque com a bola.»

A passagem por Alvalade de Assis, ídolo de Ronaldinho

Nesta carta, Ronaldinho conta ainda como sempre idolatrou o irmão, 10 anos mais velho: «Ele não será apenas seu irmão, ele será como um pai para você. E mais do que isso: ele será seu herói.» Roberto tornou-se presença constante ao lado de Ronaldinho, também agente e responsável pela gestão da sua carreira.

Foi quando Ronaldinho começava a afirmar-se ele próprio na formação do Grêmio que Assis, médio talentoso assim conhecido na altura, chegou a Portugal. Vindo do Sion, assinou pelo Sporting então de Carlos Queiroz e presidido por Pedro Santana Lopes no mesmo dia que Ouattara. Fez oito jogos em 95/96, mas seria emprestado, primeiro no Brasil e depois de novo no Sion. Voltou para fazer a segunda metade da época 97/98, fazendo mais oito jogos e marcando dois golos, um deles num belo livre numa vitória sobre o FC Porto em Alvalade.

Saiu do Sporting para o E. Amadora, onde fez 12 jogos na época 1998/99 e marcou quatro golos. Vem desse tempo a história de que Assis quis levar o irmão, o então adolescente Ronaldinho, para a Reboleira, mas que este foi rejeitado depois de um teste. Algo que eles desmentiram.

Entretanto Ronaldinho crescia, talento único, alegria pura em campo a cada finta, a cada passe, a cada golo. Estreou-se na seleção do Brasil em 1999, quando ganhou a Copa América, já depois de ter sido campeão do mundo sub-17. Despertou cedo a atenção da Europa mas só deixou o Brasil em 2001, para assinar pelo PSG. Com polémica já à mistura, depois de assinar com o clube parisiense em janeiro de 2001 sem conhecimento do Grêmio, alegando que estava em final de contrato. O caso acabou em tribunal e na justiça desportiva, Ronaldinho esteve vários meses impedido de jogar, mas a partir de agosto desse ano voltou ao ativo.

Estava no PSG quando foi campeão do mundo com o Brasil, em 2002. Saiu em 2003 para o Barcelona e foi lá que sublimou o génio, eleito melhor do mundo duas vezes em 2004 e 2005, campeão europeu em 2006. Seguiu-se o Milan a partir de 2009 e depois o regresso ao Brasil, para o Flamengo, em 2011, para uma passagem de ano e meio que terminou com uma rescisão polémica em que alegou quebra de contrato. Livre, rumou ao Atlético Mineiro, onde venceu a Libertadores em 2013. No final de 2014 ainda assinou pelo Queretaro, do México, e ao fim de nove meses voltou ao Brasil, para mais um processo conturbado em que falou com vários clubes, para acabar a assinar pelo Fluminense, onde fez ao todo nove jogos.

Crime ambiental, penhoras e processos 

Ronaldinho retirou-se oficialmente em janeiro de 2018, mas já não jogava desde setembro de 2015. Desde então, sempre ao lado de Roberto Assis, tem aparecido associado a várias iniciativas comerciais, além de se ter envolvido na política como apoiante de Jair Bolsonaro, mas também em problemas com a justiça. O principal caso partiu de uma multa por danos ambientais, devido à construção no Lago Guaíba, em Porto Alegre, de um ancoradouro e uma plataforma de pesca junto à sua casa, considerados ilegais numa zona de proteção ambiental.

Foi condenado a uma multa, mas por falta de pagamento a justiça arrestou os seus bens. É dessa altura a informação de que tinha apenas 24 reais, menos de cinco euros, numa das contas bancárias. Teve 57 imóveis bloqueados e quatro deles penhorados, segundo noticiava há um ano a Folha de São Paulo. Por causa disso também teve, tal como o irmão, o passaporte retido, o que o impediu de estar em novembro de 2018 em Portugal, para a Web Summit. Convidado regular para o evento tecnológico anual que decorre em Lisboa, voltou a estar presente em 2019.

Também teve problemas com a autarquia de Porto Alegre pelo não pagamento de impostos, além de estar envolvido num processo associado a outra empresa, a 18kRonaldinho, que comercializava criptomoedas e é agora acusada de um esquema de pirâmide financeira. Ronaldinho disse que a sua imagem estava a ser usada sem o seu consentimento e esse processo ainda decorre.

Patrocinados