Adeptos rivais unidos no ódio a este homem: o que está em causa

3 mar 2020, 09:53
Diermar Hopp

Incidentes no Hoffenheim-Bayern Munique são o culminar de uma contestação que vem de trás contra Dietmar Hopp, visto como símbolo do afastamento do futebol alemão da sua raiz popular

As imagens desconcertantes do Hoffenheim-Bayern Munique, com os jogadores a limitarem-se a trocar a bola nos minutos finais, depois de duas interrupções, representam o culminar de um conflito que vem de trás. Voltou agora em força e a causa próxima foi um castigo aplicado aos adeptos do Dortmund, com o qual se solidarizaram «ultras» de muitos outros clubes alemães. O que une os adeptos rivais é a contestação a Dietmar Hopp, o dono do Hoffenheim, visto como símbolo do afastamento do futebol alemão da sua raiz popular.

A 21 de fevereiro, há menos de duas semanas, o tribunal desportivo da Federação alemã decidiu impedir os adeptos de Borussia Dortmund de assistir aos jogos em casa do Hoffenheim durante dois anos, por insultos a Dietmar Hopp. Uma sentença anterior tinha aplicado pena suspensa, mas a reincidência no jogo de dezembro com o Hoffenheim levou a Federação a torná-la efetiva, multando ainda o clube em 50 mil euros. A decisão indignou os adeptos contestatários por várias razões. Entre elas, por considerarem que a Federação quebrou o compromisso, assumido em 2017, de não aplicar castigos coletivos a adeptos.

E eles reagiram, endurecendo a luta. Logo no dia seguinte à suspensão aos adeptos do Dortmund os cartazes gigantes com um alvo no rosto de Hopp voltaram a aparecer, no jogo entre o Borussia Moenchengladbach e o Hoffenheim. E no sábado os ultras do Bayern foram mais longe, assumindo o insulto na tarja com a palavra «Hurensohn», «Filho da p…»

Não foram só eles, à mesma hora também o Dortmund-Friburgo esteve interrompido por momentos, enquanto na instalação sonora se pedia que parassem os cânticos contra Hopp, o que se repetiu no Colónia-Friburgo. No domingo os adeptos do Union Berlim replicaram a tarja «Hurensohn» no jogo com o Wolfsburgo, junto com outras que enquadravam um pouco mais a luta, precisamente com a referência ao tal compromisso que consideram quebrado pela Federação alemã.

A hostilidade contra Dietmar Hopp é desde há muito uma das frentes de batalha do movimento «ultra» alemão, que tem assumido um papel ativamente militante em nome da defesa dos direitos dos adeptos, o qual passou também pela contestação dos jogos à segunda-feira ou pelas recorrentes críticas ao aumento dos preços dos bilhetes. O pano de fundo é a contestação a uma lógica subordinada aos interesses comerciais que, defendem, põe em risco a essência popular do jogo.

Princípios que levam também à contestação ao RB Leipzig. O clube associado à Red Bull, com a sua ascensão vertiginosa, foi o principal foco de contestação nos últimos anos e pareceu deixar em segundo plano a figura de Dietmar Hopp. Mas ele nunca deixou de ser visto como o símbolo de tudo o que os adeptos críticos contestam.

Quem é Dietmar Hopp, o bilionário filho de um nazi

Dietmar Hopp é muito rico, está em 96º lugar na lista de bilionários da Forbes. Antigo funcionário da IBM, passou quase incógnito como jogador pelas camadas jovens do Hoffenheim e prosperou com a empresa de software digital SAP, de que foi um dos fundadores e da qual é ainda hoje um dos principais acionistas.

Hopp, de 79 anos, é filho de um antigo membro das forças paramilitares da Alemanha nazi, um antecedente familiar que contribui para aumentar a hostilidade de muitos adeptos. E que tem contornos desconcertantes, relatados num documentário de 2009. Conta a história de Menachem e Fred, dois irmãos alemães de origem judia, que em 1938 foram expulsos de Hoffenheim por uma milícia comandada por Emil Hopp, o pai de Dietmar. Deportados, viveriam separados durante décadas, até ao reencontro que o filme relata. No filme aparece também Dietmar Hoff, que… patrocinou a edição alemã do livro que conta a história dos irmãos. Numa primeira fase, segundo contou o Die Welt, a família Hopp tentou que o livro omitisse o nome de Emil. Mas Menachem e Fred recusaram e os Hopp financiaram na mesma o livro, além de promoverem um encontro com os dois irmãos.

O trailer do filme

Quanto à ligação ao futebol, Dietmar Hopp decidiu investir em força no Hoffenheim no início dos anos 2000 e potenciou a ascensão meteórica do clube de uma pequena localidade de 3500 habitantes, do quinto escalão até ao topo do futebol alemão, financiando pelo meio a construção da Thein-Beckar-Arena, um estádio com capacidade para 30 mil lugares, quase tantos como toda a região de Sinsheim, onde o clube está localizado.

A contestação começou cedo. Já em 2008 se viam cartazes a criticar Hopp nas bancadas do estádio do Borussia Dortmund, as tarjas e os cânticos tornaram-se recorrentes e ao longo dos anos o dono do Hoffenheim apresentou dezenas de queixas em tribunal contra adeptos. No início não foram apenas os adeptos a questionar a entrada de Hopp no futebol alemão. Ainda em 2008, Hans-Joachim Watzke, diretor do Borussia Dortmund, questionava se o investidor do Hoffenheim não estaria a violar a regra 50+1, que procura manter o equilíbrio entre a lógica associativa e empresarial no futebol alemão, determinando que o clube deve deter a maioria dos direitos de voto. 

Mas Hopp assumiu mesmo o controlo da maioria das ações do Hoffenheim: detém 96 por cento do clube nesta altura. E em 2015 a Federação alemã abriu uma exceção para o magnata, ao abrigo de uma determinação que viabiliza o controlo maioritário por um investidor, desde que ele prove que manteve «apoio continuado ao futebol e ao clube» durante 20 anos. Essa mesma exceção foi aplicada ao Bayer Leverkusen e ao Wolfsburgo, ambos clubes associados a empresas. O Leipzig recorreu a uma solução diferente, formando um clube que tem apenas 17 membros, quase todos ligados à empresa-mãe, mas que formalmente não viola a regra dos 50+1.

A lógica de um futebol popular que tem os adeptos no centro está ameaçada por várias frentes, e é contra essas ameaças que muitos grupos organizados de adeptos vêm lutando. Agora, as posições extremaram-se, com os dirigentes do Bayern Munique e os jogadores das duas equipas a demarcarem-se dos adeptos.

A forma como o incidente de sábado foi gerido motivou muitas críticas, desde logo por se ter interrompido o jogo devido a uma faixa insultuosa, quando não se tem feito o mesmo para casos de racismo ou homofobia. O Bayern emitiu entretanto um comunicado a anunciar uma comissão de investigação ao que se passou, enquadrando este incidente na luta contra a «discriminação, intolerância, ódio, abuso e violência». Mas o que está em causa é ainda mais profundo, são visões sobre o futebol que parecem cada vez mais inconciliáveis.

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