"Os imigrantes não são a salvação nem a condenação do nosso sistema de Segurança Social"

18 dez 2023, 13:12
Rua do Benformoso, Mouraria (Foto: Rodrigo Cabrita)

Os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social em 2022, enquanto beneficiaram de cerca de 257 milhões de euros em prestações sociais - ou seja, o valor das contribuições é sete vezes superior ao das prestações que receberam. Os especialistas dizem que isto é bom, muito bom para a nossa Segurança Social. Mas os especialistas dizem que isto também não é bom, nada bom para a nossa Segurança Social. Análise

“Desde 2007 que o fenómeno migratório já é reconhecido como um fator positivo para a sustentabilidade da Segurança Social”, sublinha Isabel Araújo Costa, advogada de Direito do Trabalho e Segurança Social na Antas da Cunha Ecija & Associados. E há uma leitura política que também pode ser feita:  “Parece demagogo e fundamenta discursos xenófobos dizer que os imigrantes são um peso para o Estado português”, continua a advogada. “Se perdermos esta população, vamos ter um choque brutal na sustentabilidade da Segurança Social.”

Miguel Teixeira Coelho, professor universitário e antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social, afirma que “a sustentabilidade do sistema da Segurança Social está neste momento muito dependente desta componente” da imigração. Mas faz uma ressalva: apesar de estes valores serem “uma boa notícia” agora, podem não sê-lo tanto no futuro. “No curto prazo, isto tem sido uma balão para equilibrar o sistema da Segurança Social e vai resolver alguns problemas, mas, do ponto de vista estrutural, o sistema de Segurança Social está em desequilíbrio e, quando os imigrantes começarem a beneficiar da própria Segurança Social quando envelheceram, os pêndulos da balança vão mudar.”

Para o economista Fernando Ribeiro Mendes, é “indiscutível” que os imigrantes dão um “contributo” para as contas da Segurança Social mas faz o mesmo alerta: “O saldo entre o que eles recebem e dão é muito favorável mas por enquanto”. “E digo por enquanto porque, se se prolongar a integração de mão de obra estrangeira em Portugal, estes cidadãos estão a formar direitos para prestações futuras, como pensões de velhice, seja qual for a sua nacionalidade”.

Para se evitar um eventual colapso da Segurança Social importa começar a avaliar o peso que estes cidadãos vão ter no futuro. “Se não tivermos o fluxo destes imigrantes, a sustentabilidade da Segurança Social colapsa, a dependência será crescente”, alerta Miguel Teixeira Coelho, que diz que estes cidadãos podem ajudar ainda num “problema estrutural demográfico” que “dificilmente é resolvido e se não tivermos o contributo dos imigrantes”: a natalidade. “Provavelmente seremos 7 milhões em 2060. Há uma grande diferença entre a da taxa de natalidade da população não migrante e a da população migrante.”

Fernando Ribeiro Mendes é mais cauteloso quanto à dependência da SS relativamente a estes cidadãos. “Os imigrantes nem são a salvação do nosso sistema de Segurança Social nem a sua condenação”, defende. “O problema” que se faz sentir por cá é o de “uma demografia que não é expansiva”. “Mesmo com a imigração, todos os cenários que são oficialmente emitidos, como os da Comissão Europeia, apontam para uma diminuição de até dois milhões de pessoas em Portugal”. Portanto: com um elevado índice de envelhecimento, a Segurança Social tem de estar preparada para isso, seja para as prestações sociais dadas a cidadãos nativos, seja ou para os que escolhem residir e contribuir cá. Os imigrantes não alteram os dados do problema, aumentam a escala”, afirma este economista.

Por que motivo os imigrantes contribuem para a Segurança Social muito mais do que aquilo que recebem

Em parte, deve-se à idade dos mesmos. “Estes valores estão, de certa forma, em linha com aquilo que no passado já estava a acontecer. Temos, na realidade, um fluxo de contribuição superior ao de pagamento - isso é normal, porque a estrutura etária dos imigrantes é relativamente jovem”, diz Miguel Teixeira Coelho.

Outro motivo pode estar relacionado com a falta de conhecimento das políticas praticadas em Portugal. “Há muito desconhecimento ainda, que pode ser atribuído a questões como no país de origem não haver sequer qualquer tipo de proteção social ou esta ser diminuta e estes cidadãos estrangeiros chegam cá sem expectativa de a ter”, adianta Isabel Araújo Costa, que aponta ainda o dedo à política pública: “Nós, sendo um Estado Social, temos de olhar para dentro e perceber que falta alguma pedagogia porque os apoios existem.”

Já Teresa Garcia, investigadora e docente no ISEG, olha com cautela para estes valores apresentados no relatório, alertando que a leitura pode ser “enganadora”, uma vez que, diz, muitos dos imigrantes que se encontram no ativo em Portugal estão cá há pouco tempo e, por isso mesmo, acabam por usufruir menos de prestações sociais - seja de desemprego ou pensão de velhice, exemplifica. Mas isso, contrapõe a advogada Isabel Araújo Costa, pode também acontecer com qualquer cidadão português, esteja há muito ou há pouco no mercado de trabalho. “Tal como outros cidadãos nacionais, os imigrantes podem não cumprir alguns requisitos necessários para usufruir das prestações sociais.”

“No sistema em que vivemos, as contribuições sociais são obrigatórias desde que as pessoas estejam no mercado de trabalho. Funcionam como prémio de seguro para cobrir quebras de rendimento - como desemprego, invalidez e parentalidade ou velhice. Se entro agora no mercado de trabalho, não irei receber uma prestação, tenho de ter uns anos mínimos de contribuições”, diz Teresa Garcia, explicando que, por isso, “é perfeitamente natural que as contribuições sejam superiores às prestações”.

Parte da solução, olhando para a questão dos imigrantes, adianta a advogada, passa por aumentar o conhecimento de quem chega, de modo a que a diferença entre o contribuições e benefícios seja mais equilibrada. “Do ponto de vista de reformas de políticas públicas e, sendo nós um Estado Social, temos de olhar para dentro”, diz a advogada Isabel Araújo Costa, defendendo que é preciso começar a avaliar o impacto a curto, médio e longo prazo que estes cidadãos têm nas contas da SS. “Se ficarmos sem este bolo de contribuições, como é que a nossa Segurança Social continua a ser sustentável?" Por outro lado, afirma, "se queremos apostar nesta política de integração dos imigrantes, temos de fazer de modo a que beneficiem dos apoios para que não haja um fosso tão grande entre o ganham e recebem”.

Segundo o relatório anual do Observatório das Migrações (OM), citado esta segunda-feira pelo jornal Público, os imigrantes contribuíram em 2022 com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social, enquanto beneficiaram de cerca de 257 milhões de euros em prestações sociais. Contas feitas, deram sete vezes mais do que receberam.

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