Cabelos com 3.000 anos contêm as mais antigas pistas sobre o uso de drogas psicoativas na Europa

CNN , Mindy Weisberger
15 abr 2023, 09:00
Cabelos com 3.000 anos contêm as mais antigas pistas sobre o uso de drogas psicoativas na Europa . Foto: Oriol Garcia i Quera/ASOME-Universitat Autònoma de Barcelona

Cientistas descobriram evidências diretas de que os europeus utilizavam drogas psicoativas durante a Idade do Bronze, possivelmente como parte de rituais antigos

Vestígios de substâncias alcalóides que têm origem em plantas e que são conhecidas por afetar a perceção e causar delírios e euforia foram preservadas em fios de cabelo humano de há cerca de 3.000 anos. Investigadores encontraram os cabelos, juntamente com outros artefactos funerários, na caverna funerária Es Càrritx em Menorca, uma das ilhas Baleares ao largo da costa oriental de Espanha, no Mar Mediterrâneo. 

A análise química revelou a efedrina estimulante nos pelos. As análises também detetaram atropina e escopolamina - ambos são compostos psicoativos que podem causar desorientação, perturbações sensoriais e alucinações vívidas, relataram os investigadores na revista Scientific Reports. 

O uso de drogas entre humanos é uma prática conhecida com milhares de anos, baseada em pistas que foram previamente descobertas na Eurásia e nas Américas. Mas, na Europa, a presença de plantas que alteram a mente em sítios pré-históricos apresentava aos arqueólogos um quadro incompleto; até agora, faltava-lhes provas de que as pessoas nas comunidades antigas ingeriram as plantas, diz a autora principal do estudo Elisa Guerra-Doce, professora associada de pré-história na Universidade de Valladolid, em Espanha. 

Com estas novas descobertas, "estamos a apresentar as primeiras provas do consumo de drogas na pré-história europeia", explica Guerra-Doce à CNN.

Comunidades antigas enterraram os seus mortos na gruta Es Càrritx. Esta é uma das suas câmaras. Foto: ASOME-Universitat Autònoma de Barcelona

Es Càrritx foi descoberto em 1995; a sua entrada fica a cerca de 25 metros do topo de um penhasco, e existem sete câmaras dentro da caverna. De 1400 a.C. a 800 a.C. foi um local funerário, e mais de 200 adultos e crianças – homens e mulheres – foram ali enterrados. 

Contudo, alguns cadáveres receberam um tratamento especial. Após terem sido levados para a gruta funerária, as mechas dos seus cabelos foram pintadas de vermelho, e os fios foram cuidadosamente penteados, cortados e depois selados dentro de tubos feitos de chifre ou madeira. Noutros locais onde este ritual foi realizado, estes recipientes foram colocados perto dos corpos. Mas no Es Càrritx, dez destes recipientes – juntamente com outros artefactos funerários – foram escondidos noutra câmara, descrevem os autores do estudo. 

As mechas de cabelo nos tubos eram avermelhadas e mediam até 13 centímetros de comprimento, e os investigadores analisaram os fios separando quimicamente os componentes dos cabelos, e identificando depois as moléculas pela massa dos seus iões. Os compostos que detetaram são todos produzidos por plantas que crescem em Menorca, tais como a erva-do-diabo (Datura stramonium), o meimendro-branco (Hyoscyamus albus), a mandrágora (Mandragora autumnalis) e a éfedra (Ephedra fragilis).

Bocados de cabelo foram pintados de vermelho e depois selados dentro de tubos. Foto: ASOME-Universitat Autònoma de Barcelona

As visões produzidas pela ingestão de escopolamina e atropina podem ser "violentas e desagradáveis", de acordo com Dagmara Socha, investigadora do Centro de Estudos Andinos da Universidade de Varsóvia, na Polónia. Socha, que não esteve envolvida no estudo, investiga o uso antigo de componentes que alteram a mente e descreveu recentemente a descoberta de drogas psicoativas na cabeça de uma criança nazca sacrificada no Peru. 

Scopolamina e atropina são encontradas em plantas das famílias Datura e Brugmansia – ambas fazem parte da família Solanaceae e foram utilizadas na América do Sul pré-colombiana, disse Socha à CNN num e-mail. 

Por exemplo, o povo Chibcha, um grupo indígena da região onde é agora a Colômbia, "usava uma infusão de Brugmansia para escravos e esposas de senhores mortos para adormecer os seus sentidos enquanto eram enterrados vivos na cerimónia fúnebre", disse Socha. 

Nas comunidades indígenas shuar da Amazónia, crianças desobedientes eram castigadas dando-lhes um sumo chamado maikua, feito de flores Brugmansia. Durante o transe que se seguia, os jovens desobedientes comunicavam com os seus antepassados e aprendiam a respeitar os mais velhos, descreveu Socha. 

Mas o uso de drogas na pré-história também podia ser uma experiência agradável. Maias e aztecas na Mesoamérica utilizavam Datura stramonium como afrodisíaco, acrescentou. 

Como os tubos na caverna Es Càrritx em Menorca contendo o cabelo foram encontrados numa câmara selada – intocada desde 800 a.C. – é improvável que os compostos tenham sido introduzidos pela contaminação moderna do local, diz Guerra-Doce. Pelo contrário, o cabelo absorveu os químicos após a ingestão. O consumo de drogas terá acontecido durante quase um ano antes da morte, com base em análises realizadas ao longo do comprimento dos fios. 

As descobertas em Es Càrritx poderão também revelar como o uso ritual de drogas pode ter definido certos papéis nas sociedades europeias pré-históricas. Como apenas uma fração dos indivíduos na câmara funerária teve o seu cabelo tingido, cortado e preservado, isso pode indicar um estatuto especial ligado ao uso de plantas psicoativas, diz Guerra-Doce. 

"Pensamos que talvez houvesse certas pessoas – especialistas religiosos – que controlavam o uso destas drogas", diz. "Todas estas evidências fazem parecer que talvez certos indivíduos mereceram este tratamento capilar, e esses indivíduos eram os que consumiam as drogas." 

Mas, por agora, essa conclusão é apenas uma hipótese, acrescentou.  

"Para o provar, teríamos de realizar mais análises em diferentes indivíduos", diz Guerra-Doce.

Europa

Mais Europa

Patrocinados