Carla recusa sair do seu apartamento para que um projeto milionário seja construído. "Ela não está a tentar salvar o edifício. Só quer um sítio seguro e acessível para viver"

3 jun 2023, 22:15
Bandeira Canadá (NurPhoto/getty)

A única inquilina de um bloco de apartamentos em Montreal, no Canadá, trava o desenvolvimento de um projeto multimilionário por se recusar a sair do seu pequeno apartamento

Lutar pelo direito à habitação não acontece só em Portugal. A empresa de imobiliário Mondev pretende demolir um bloco de apartamentos em Montreal, no Canadá, para construir um condomínio com 176 unidades. Para que o projeto avance, precisa que a última inquilina saia de um dos apartamentos, mas Carla White recusa-se a sair enquanto não lhe forem dadas garantias de que vai ter uma habitação condigna, conta o jornal The Guardian, na sua edição deste sábado. 

O apartamento de Carla White é antigo e pequeno. Tem espaço apenas para um fogão (que não funciona), uma secretária, uma cama e algumas plantas. Mas para Carla, que já esteve em situação de sem-abrigo, este é o espaço que lhe deu segurança na última década. O valor da sua renda, fixada nos 400 dólares canadianos (aproximadamente 300 euros), para garantir que permanece a preços acessíveis, permite-lhe ter um espaço confortável nesta altura em que se encontra desempregada. 

"Ela não está a tentar salvar o edifício. Sabe que precisa de ser renovado. Só quer um sítio seguro e acessível para viver", garante Manuel Johnson, advogado de Carla White, ao jornal britânico.

Carla White apresenta duas alternativas para resolver o conflito: ou através de uma indemnização que lhe dê segurança financeira para ter um abrigo nos próximos anos, ou um apartamento semelhante com um contrato de arrendamento a longo prazo e a um valor acessível.

A lei está do lado da inquilina. É certo que os planos de demolição foram aprovados, mas o projeto da Mondev só pode continuar se a empresa chegar a acordo com a White.

Por sua vez, os sócios da Mondev, Michael e David Owen, têm outra visão da história: para eles, ao contrário de outros inquilinos que aceitaram as ofertas da empresa, Carla rejeitou as várias propostas que lhe foram apresentadas nos últimos três anos. 

Duas das propostas são mencionadas detalhadamente ao jornal britânico: na primeira ofertta, a Mondev propôs arrendar um apartamento que, por se situar num edifício antigo, teria um custo de renda limitado ao abrigo dos regulamentos regionais; na segunda oferta, sugeriu uma indemnização no valor de 20.000 dólares canadianos (cerca de 14.000 euros). De acordo com os representantes da empresa, ambas as propostas foram recusadas pela inquilina: a primeira porque não lhe dava segurança de que a renda não ia subir, e a segunda porque o montante da indemnização apenas iria cobrir cerca de um a dois anos de despesas, detalha o advogado de Carla White..

A luta de White não passou despercebida entre os habitantes de Montreal, que vivem numa cidade onde a habitação a preços acessíveis está rapidamente a desaparecer, para dar lugar a projetos de desenvolvimento mais caros, que contrastam com as condições de vida dos residentes. 

A maioria dos residentes de Montreal são arrendatários e ainda há muitas pessoas com baixos rendimentos e pessoas da classe trabalhadora em Montreal (...) Estamos a desenvolver a cidade, mas estamos a deixar muitos destes residentes para trás quando estamos a construir estes projetos", lamenta o advogado de White.

Em junho está prevista a realização de uma audiência na qual a Mondev quer submeter a questão para determinar a indemnização adequada a White. No entanto, mesmo que o tribunal sugira um valor, a decisão final de autorizar ou não a licença de demolição e construção cabe à cidade e não à comissão de arrendamento, explica o The Guardian.

"Esta é uma questão de bem maior. Um desenvolvimento que deve beneficiar todos os residentes de Montreal e não apenas um punhado de investidores ricos", defende o advogado de White.

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